sábado, 8 de fevereiro de 2014

ARNALDO VIANA-Bom dia, cavalo (2)‏

Bom dia, cavalo (2)
ARNALDO VIANA
Estado de Minas: 08/02/2014


 (Arnaldo Viana/divulgação)

Continuo no meu posto avançado, na Avenida Cristiano Machado, ruminando o comportamento humano. Não me recriminem pelo uso do verbo ruminar, que significa remoer o alimento que volta do estômago à boca – ou mastigar de novo. Estou ruminando meus pensamentos. O “ruminando” pode ser interpretado como uma espécie de metonímia. É que os pensamentos vêm e voltam, como o capim no aparelho digestório do boi.

Como eles vêm e voltam, lembro-me de reportagem publicada neste jornal, feita por meninos e meninas do caderno Gerais, sobre a presença de animais nas ruas. Um cidadão, se não me engano do Bairro Buritis, exclama com todos os verbos, adjetivos, substantivos e afins: “Como podem deixar esses bichos à solta? E se eles atacarem a gente?”. Olhe aqui, mano, ou melhor, olhe à sua volta. Veja exatamente quem o ameaça. É alguém à sua imagem e semelhança, meu caro. Ninguém bota cerca elétrica no muro nem câmera na porta de casa por causa de cavalo, jumento ou cachorro à deriva urbana. Eu nem deveria usar a locução “por causa”. A moda agora, na contradição humana, é usar “por conta”, que significa outra coisa.

Vamos voltar ao que interessa. Não preciso ir longe para comprovar a irracionalidade entre humanos. Vejo exemplos claros disso nas pistas da tal Linha Verde, que não tem nem sequer um tufo de capim ou de grama fofa para um rápido lanche. O trânsito, na lentidão ou na velocidade, carrega mazelas, mas tem uma face reveladora. É aqui no alfalto que cai a máscara da hipocrisia. Aquele negócio de social e politicamante correto funciona muito bem na mídia ou quando o cidadão está de cara com o outro. Aí, mano, rola o medo de ação na Justiça, de processo. Mas quando o cidadão pode se esconder, como ocorre nas redes sociais ou a 80km/h atrás de um volante, a gentileza some.

Na hora do pico, por uma fechadinha de nada, uma buzina mal tocada, uma freada no lugar e na hora errados, negro vira “'crioulo safado”, senhora de bom trato é chamada de “vaca tonta”, idoso recebe a alcunha de “velho roda-dura”, o branco branquinho não escapa de ser chamado de “picolé de queijo derretido”. Xingamentos de horrorizar o mais dos experientes cavalos. Não vou aqui declinar os nomes que a galera ao volante dão a meu dono, quando estamos na avenida transportando areia, tijolo ou mudança de pobre, porque o respeito muito. A mim cabe no mínimo o “pangaré faminto”. Certo dia, um malcriado gritou: “Quem está puxando a carroça?”.

Falta de educação e avessidade andam à solta, mano. E elas não vêm da boca de cavalo, de jumento ou de cachorro. Li também nos jornais que Belo Horizonte é considerada ótima cidade para crianças e adolescentes. Sei... Provem que quero ver! Adoro crianças. Não fiz filhos. Não tenho capacidade para fazê-los. Por decisão unilateral do meu dono, caí nas mãos de um sádico indivíduo num muquifo de curral lá pelas bandas de Venda Nova. Ele fez o serviço. Doeu, mano, como doeu! O cara ainda jogou creolina em cima da ferida, mal costurada, para evitar infecção. Dói só de pensar. Mas isso é coisa minha, só minha. Vou ver se acho um tufinho que seja de grama por aí. Deu fome. A gente conversa mais depois.

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