quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Cabra marcado para viver‏ - Carolina Braga

Cabra marcado para viver
Filmes pouco conhecidos de Eduardo Coutinho revelam artista obcecado em questionar limites de seu ofício. Longa traz o diretor no papel de entrevistado e até "proibidão" circula na internet 

 
Carolina Braga
Estado de Minas: 05/02/2014


Eduardo Coutinho assume a %u2018justa distância%u2019 como o entrevistado do filme dirigido por Carlos Nader (Sesc TV/divulgação)
Eduardo Coutinho assume a %u2018justa distância%u2019 como o entrevistado do filme dirigido por Carlos Nader


Foi apenas uma exibição, no início de dezembro, no Sesc São Paulo. Mas diante da tragédia que marcou o fim da trajetória de um dos cineastas mais brilhantes do Brasil, o documentário Eduardo Coutinho, 7 de outubro não pode ficar restrito àquela sessão. Dirigido por Carlos Nader e rodado em apenas uma tarde, o longa inverte o jogo: o documentarista surge na posição de entrevistado diante de sua própria equipe. Coutinho ocupa a posição que ele próprio chamou de “justa distância”. 

Também pouquíssimo visto, Um dia na vida, o penúltimo documentário de Eduardo Coutinho, está disponível apenas em sites para downloads piratas. Realizado em 2010, ele nunca chegou a entrar no circuito comercial. O longa traz uma seleção de imagens da TV aberta gravadas por 24 horas. Como reúne cenas captadas em muitos canais, a exibição, por envolver direitos autorais, foi autorizada apenas em festivais – mesmo assim, com a presença do diretor. Por causa disso, o filme vem sendo chamado de “o proibidão do Coutinho”.
Outro projeto que já estava previsto antes da morte do diretor – assassinado a facadas pelo filho, no domingo – é o lançamento do DVD Cabra marcado para morrer (1984). Atualmente, podem ser encontrados nesse formato os longas Edifício Master (2002), O fim e o princípio (2006), Jogo de cena (2007), Moscou (2009), em parceria com o Grupo Galpão, e As canções (2011).

A nova cópia de Cabra... foi recentemente restaurada pela Cinemateca Brasileira. Nas últimas semanas, Coutinho tratou de detalhes dos extras. O lançamento, previsto para o mês que vem, será acompanhado de mostra dedicada à obra dele.

Cabra marcado para morrer projetou a carreira de Eduardo Coutinho no cinema. Nos anos 1960, ele começou a filmar ficção baseada na história de João Pedro Teixeira, líder nordestino das Ligas Camponesas, com elenco formado por pequenos agricultores. O trabalho foi interrompido pelo golpe militar de 1964 – trabalhadores rurais e a equipe do cineasta se viram perseguidos pela ditadura. Negativos foram escondidos.

Coutinho passou a trabalhar no Globo repórter, na TV Globo. Na década de 1980, ele resgatou as cenas, voltou ao Nordeste e retomou o contato com os antigos entrevistados – entre eles a viúva de Teixeira, obrigada a se esconder no sertão com nome falso. Obra-prima do diretor, o filme conta tanto a história da perseguição a líderes camponeses quanto a saga de sua própria produção. O documentário foi premiado no Festival de Berlim, além de mostras brasileiras e latino-americanas.

Responsável pela produção dos documentários de Coutinho, a empresa Videofilmes, de João Moreira Salles, ainda não divulgou planos relacionados à obra dele. Sabe-se que o novo trabalho já estava em andamento. Coutinho entrevistou adolescentes de escolas públicas para o projeto Palavra. As cenas foram finalizadas em dezembro e ele se preparava para iniciar a montagem.


O PROIBIDÃO

Segunda-feira, internautas começaram a compartilhar o link do que chamam de Um dia na vida, o proibidão do Coutinho. O filme foi postado na íntegra no YouTube. Usando trechos de programas e intervalos comerciais da TV, ele revela o imaginário nacional – da propaganda de brinquedos e cenas do programa de Ana Maria Braga a atrações de auditórios, cenas de violência urbana e novelas. Coutinho inova na pesquisa de linguagem, oferecendo uma das críticas mais contundentes à sociedade brasileira contemporânea.


confira

  NO YOUTUBE

l O homem que comprou o mundo (1968)
l Cabra marcado para morrer (1984)
l Santo forte (1999)
l Babilônia 2000 (1999)
l Edifício Master (2002)
l Peões (2004)
l O fim e o princípio (2006)
l Jogo de cena (2007)
l Moscou (2009)

  EM DVD

l Edifício Master
l O fim e o princípio
l Jogo de cena
l Moscou
l As canções

  SESC TV

Sala de cinema: Eduardo Coutinho
. Sexta-feira, às 16h; sábado, às 20h; domingo, às 16h
Contraplano: O operário
de ontem e hoje
. Hoje, às 23h; domingo, às 19h
Contraplano: A era do híbrido
. Hoje, às 20h; segunda-feira, à 1h

Ele fez comédia



Quem quiser conhecer melhor a obra de Eduardo Coutinho encontra praticamente todos os filmes dele no YouTube. Entre eles está O homem que comprou o mundo – curiosamente, uma comédia dirigida por Coutinho (conhecido por seu folclórico mau humor) e produzida por Zelito Viana. Com Flavio Migliaccio e Marília Pêra como protagonistas, o longa foi rodado em 1968. É o único trabalho de ficção do documentarista.

Além de Cabra marcado para morrer, é possível ver on-line Santo forte, sobre a religião, e Babilônia 2000, que acompanhou os preparativos para o réveillon em duas favelas cariocas, além de trabalhos mais recentes. Os vídeos chegam a ter mais de 15 mil visualizações – caso de Edifício Master e de Jogo de cena – e são publicados por usuários sem aparente ligação com produtoras de cinema. Há, inclusive, um canal batizado Documentários Coutinho, que reúne 11 deles.

Desde segunda-feira, a emissora Sesc TV presta homenagem ao cineasta. Serão exibidos em horários alternados os programas Salas de cinema: Eduardo Coutinho; Contraplano: o operário de ontem e de hoje e Contraplano: a era do híbrido. O primeiro é uma entrevista do diretor a Miguel de Almeida sobre o início da carreira, o início das filmagens de Cabra... e a forma como concebe seus documentários.

Em O operário de ontem..., Coutinho revê os processos de criação de Santo forte, Edifício Master, Peões, O fim e o princípio, Jogo de cena e Moscou, além de comentar o período em que trabalhou no Globo repórter, suas escolhas estéticas e o profundo respeito pelos entrevistados. Em A era do híbrido, o filósofo Celso Favaretto e o poeta Geraldo Carneiro comentam Jogo de cena. 

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