ZERO HORA - 05/02/2014
Quase
todas as novelas acabam virando o samba do crioulo doido da metade para
o final. Os autores precisam esticar a trama e aí personagens que no
início eram interessantes tornam-se patéticos e a história que fazia
sentido passa a não fazer mais sentido algum, a lógica vai para o
espaço. Salva-se quem tiver talento acima da média, caso de Mateus
Solano, que defendeu seu Félix com bravura e humor, virando o grande
destaque de Amor à Vida.
Coube a ele e a Thiago Fragoso a cena
histórica da tevê brasileira: o primeiro beijo de amor entre dois
homens. Quem vinha acompanhando o desenrolar do relacionamento dos
personagens Félix e Niko certamente não se chocou. Se houvesse uma
palavra para traduzir aquela relação, seria ternura. O oposto de
depravação.
Eu não esperava que o beijo ocorresse. Pega de
surpresa, meu senso crítico (bem crítico!) em relação à novela
desapareceu e me vi emocionada e feliz por todos os homens e mulheres
que vivem um amor homossexual, e por seus pais, e por todos nós. Uma
nova sociedade começava ali a sair do armário.
Não se pode
desmerecer o alcance de uma novela das nove, ainda mais em seu capítulo
final. Dezenas de milhões de pessoas assistiram dentro de suas casas a
uma realidade que a cada dia se torna menos secreta. Ouvi de alguém uma
comparação espantosa: que assim como os telejornais não mostraram as
cenas de cabeças cortadas na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, as
novelas também deveriam se abster de mostrar o beijo gay, bastaria uma
insinuação. Se entendi bem, o beijo estaria sendo considerado violento.
Os
beijos podem ser românticos, eróticos, indecentes (os melhores), mas só
são violentos quando acontecem contra a vontade. Afora isso, são
detonadores de histórias de amor – ou de ilusões de amor, que seja. A
partir deles, sempre começa alguma coisa (o.k., não nesta era de
ficações banais, mas permita-me ser nostálgica). Assim como na vida
real, os beijos do cinema, do teatro e da televisão ajudam a construir
uma narrativa. E o que a história de Félix e Niko contou foi que homens
enamoram-se entre si, sentem ciúme, ficam inseguros, reatam, tudo como
ocorre entre héteros. Mesmo ainda não sendo considerados casais
convencionais, podem ser tão amorosos quanto. Há alguma obscenidade no
amor? Nenhuma. Não há obscenidade nem no sexo, não quando consentido e
entre maiores de idade.
Obscenidade é quando a grosseria nos
remete ao nosso estado mais primitivo, mais irracional. Não fazemos
questão de ver cabeças cortadas na tevê porque nos dói admitir o quanto o
ser humano é descontrolado e feroz. Em contrapartida, nunca haverá
razão para cortar cenas de afeto que nos façam lembrar o quanto podemos
ser doces, estejamos em cena ou simplesmente aplaudindo de fora.
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