domingo, 23 de março de 2014

Tereza Cruvinel - O mal de sempre‏

O mal de sempre  

No caso Petrobras, Dilma só tem uma saída: jogar detergente, demitir quem for preciso e deixar tudo em pratos limpos 

Tereza Cruvinel
Estado de Minas: 23/03/2014


Em todo governo – pelo menos desde que passou a vigorar o presidencialismo de coalizão, por conta da multiplicação dos partidos políticos depois da redemocratização –, quando os aliados brigam, abre-se uma temporada de fogo amigo, e o resultado são denúncias que acabam atingindo todos eles. Assim foi detonado o escândalo do mensalão. Ainda que o governo consiga barrar a instalação de uma CPI, o caso tem elementos que podem, como nenhum outro no governo Dilma, chamuscar a imagem da presidente.

Tenha ou não o ex-presidente Lula dito que Dilma deu um tiro no pé, é fato que ela riscou um fósforo no paiol ao dizer que o Conselho de Administração da empresa, que ela presidia em 2006, aprovou a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, com base em pareceres falhos e incompletos. Nas estatais brasileiras, a responsabilidade legal por contratos é da Diretoria Executiva, cabendo ao conselho referendar apenas aqueles de maior monta. Cada estatal fixa o limite do valor de alçada da diretoria. Se o de Pasadena foi ao conselho, é porque extrapolou o valor, exigindo, portanto, exame mais acurado. Se isso não aconteceu, descuidou-se o conselho e quem o presidia. Dilma colocou-se no alvo e o ex-procurador da República Roberto Gurgel, numa expressão de saudosismo do cargo em que caçou petistas, disse que ela poderia ser investigada pela Procuradoria Geral da República.

Este, como outros escândalos de corrupção, tem a ver com governabilidade e sistema de governo, pois, mais uma vez, os atos suspeitos foram cometidos por gestores indicados por partidos políticos da coalizão de apoio ao governo. O PMDB suspeitou que Dilma, com sua nota, tivesse querido atingi-lo como responsável pelo diretor internacional que emitiu o parecer incompleto e falho, Nestor Cerveró, hoje diretor financeiro na BR Distribuidora. O senador Renan Calheiros reagiu, atribuindo a indicação ao senador petista Delcídio Amaral. “Estou certo de que Delcídio não o indicou para ele roubar na Petrobras.” Já o ex-diretor de Comercialização e Refino Paulo Roberto da Costa, preso pela Polícia Federal durante a Operação Lava a Jato, ao investigar um megaesquema de lavagem de dinheiro, foi indicado pelo falecido deputado José Janene, do PP. Costa teria sido um importante elo no esquema da compra da refinaria a preços exorbitantes, com grandes prejuízos para a Petrobras, vale dizer, a União e os acionistas.

É fácil culpar um morto, mas o fantasma de Janene continua pairando sobre negócios obscuros ocorridos entre 2003 e 2005, fase em que o PT, sem maioria na Câmara, precisou recorrer aos pequenos partidos. Por meio de Marcos Valério, proporcionou-lhes recursos que o PT alega terem sido para o pagamento de dívidas de campanha e Roberto Jefferson afirmou terem sido para a compra de votos, o mensalão. Menos os R$ 4 milhões que ele recebeu, estes sim, destinados a campanhas do PTB.

Na operação Lava a Jato, o alvo da Polícia Federal era o notório doleiro de Londrina (PR) Alberto Yousseff. Chegou a Paulo Roberto da Costa com a descoberta de que ele teria sido presenteado pelo doleiro com um Land Rover. E o prendeu ao saber que ele estava queimando documentos comprometedores. No fim dos anos 1990, Janene foi acusado de participação num grande esquema de corrupção na prefeitura de Londrina, onde o prefeito era Antônio Belinatti, do PP. Ele escapou ileso, mas, em 2000, Belinatti foi cassado e passou a responder a 22 ações penais, que prescreveram no ano passado, quando ele completou 70 anos. Yousseff teria lavado para Janene e Belinatti os milhões desviados da prefeitura. Acabou sendo investigado pela CPI do Banestado pelo envio de dinheiro de políticos e empresários ao exterior através de contas fantasmas. A Polícia Federal prendeu agora Enivaldo Quadrado, dono da corretora Bônus Banval, que mediou a transferência de recursos do valerioduto para os parlamentares do PP, mas suspeita que seu verdadeiro dono seja Yousseff. Janene, morto, não foi julgado, mas Enivaldo foi condenado pelo STF, na Ação Penal 470, a penas alternativas.

Indicado por Janene para a Diretoria de Comércio e Refino, Paulo Roberto da Costa teria se aproximado do diretor internacional, Nestor Cerveró, atraindo-o para a compra da refinaria americana. O fantasma de Janene paira, mas certamente não foi apenas ele o padrinho dos agentes do esquema de Pasadena. Na Petrobras, por sua grandeza, todos os negócios são milionários, mas esquemas menores acontecem em todos os órgãos da administração pública. A origem do mal é a mesma: o rateio das diretorias de estatais para atender aos pleitos dos partidos que sustentam os governos no Congresso. Uma situação que só mudará quando mudarmos o sistema político com uma reforma, providência que, confesso, depois de duas décadas, não tenho mais energia para explicar e defender.

A oposição não perderá a oportunidade de desgastar Dilma, a quem só resta uma saída: jogar detergente, não só demitindo Cerveró e quem mais for preciso, mas deixando tudo em pratos limpos.

Memória do golpe: o coração de Jango

Bombardeando sempre seus superiores em Washington com notícias alarmantes sobre o governo João Goulart e o Brasil, ao mesmo tempo que trama o golpe, criando o clima e organizando a conspiração militar, o embaixador americano Lincoln Gordon esperava que um enfarte matasse Jango, facilitando seu objetivo de removê-lo. Em 1963, depois que Goulart vence o plebiscito por larga maioria, recuperando os poderes presidenciais, ele escreve ao Departamento de Estado: “Se Deus é realmente brasileiro, o problema cardíaco que acometeu Goulart em 1962 em breve vai se tornar agudo”. Lida hoje, a frase pode ser entendida apenas como praga, desejo de um enfarte fatal. Pode ter outro sentido para os que acreditam que a morte de Jango no exílio, 12 anos depois, foi produto de uma operação para induzir o enfarte pela troca de seus remédios. 

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