Tiradentes e sua história desafiam pesquisadores e jornalistas que trabalham em livros sobre sua vida e atuação política. Joaquim José da Silva Xavier também inspira filme e série de TV
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 06/04/2014
Imagem de Tiradentes produzida para o livro 1789, de Pedro Doria, feita a partir de depoimentos de época: longe do estereótipo |
Quem de fato foi Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792)? Mesmo sendo um personagem mais famoso e estudado da Inconfidência Mineira, ele ainda é envolto em mistério e sombras. Não se sabe ao certo onde nasceu ou como era o seu rosto, mas dois livros escritos por jornalistas prometem revelar um pouco mais dessa emblemática figura histórica.
O primeiro deles é 1789 – História de Tiradentes – Contrabandistas, assassinos e poetas que sonharam a independência do Brasil (Editora Nova Fronteira), que está chegando às livrarias, do jornalista Pedro Doria. Na publicação, o autor mostra a luta dos inconfidentes por um Brasil independente e traz o rosto daquele que ficou conhecido como o grande herói do movimento. “Pelos relatos da época e de historiadores, Tiradentes era um homem alto, grisalho, a barba benfeita, bigodes bem-aparado. E sempre levava a tiracolo os inseparáveis ferrinhos de arrancar dentes, um espelho e não uma, mas duas navalhas. Aquela imagem com a barba grande, assemelhando-se a Jesus Cristo, é do início do século 20 e foi como a história oficial o registrou”, declara.
Doria, que passou um ano pesquisando, dedica um capítulo inteiro a Joaquim José intitulado “Um homem chamado liberdade” e tem a sua versão sobre ele. Tiradentes seria uma pessoa extremamente empolgada, muito popular na tropa e carismático. Para o jornalista, o alferes acabou sendo o mais lembrado entre os inconfidentes, porque foi o único enforcado e condenado à morte e, sobretudo, o único réu confesso. “Nenhum outro se declarou culpado, mas todos também tiveram destinos bem trágicos. As penas foram pesadas e ninguém teve vida fácil. Degredo na África, prisões. O fim de Cláudio Manoel da Costa até hoje é enigmático. Um suicídio que alguns defendem que foi assassinato. Provavelmente, ele foi o nosso primeiro Vladimir Herzog”, compara, referindo-se ao jornalista morto em 1975 nas dependências do DOI-Codi, no 2º Exército, em São Paulo.
Doria não tem dúvidas de que Tirantes foi uma peça fundamental na conspiração, mas lembra que ela não foi iniciativa de um homem só. Em seu livro, ele destaca a presença de três grupos importantes: o primeiro formado pelos poderosos e ricos das Gerais, que financiavam a revolta e tinham interesses econômicos caso ela fosse bem sucedida, já que suas dívidas com a Coroa seriam canceladas; o segundo constituído pelos intelectuais, do qual faziam parte padre Rolim, Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto e Cláudio Manoel da Costa, que conheciam as ideias iluministas surgidas na Europa e eram os pensadores; e o terceiro grupo, os militares, sem o quais não se faria um golpe. Era neste último que estava incluído Tiradentes. “A Inconfidência Mineira é um momento-chave da história do nosso país. Por muito pouco ela não deu certo. Se tivesse se concretizado, o Brasil teria sido muito diferente e vivido uma revolução liberal. Teríamos conquistado uma independência por nós mesmos, e não algo concedido pela família real. Isso mudaria tudo”, defende.
Autor também de 1565 – Enquanto o Brasil nascia, dedicado às origens do país, Doria diz que seu novo livro traz a descrição dos protagonistas, mapas da região de Minas Gerais e um colorido caderno de fotos. Constam nele cartas, documentos, escrituras e imagens de figuras históricas, além do retrato de Tiradentes feito a partir de relatos de contemporâneos. Para o escritor, o mais surpreendente do trabalho é a quantidade de detalhes que a história proporciona, até porque o material de pesquisa, sejam os documentos e livros, como os Autos da devassa e A devassa da devassa, do historiador britânico Kenneth Maxwell, são extremamente ricos de informações. “Há tantos diálogos registrados que você consegue produzir uma narrativa que é ao mesmo tempo aventura e romance, com momentos de conspiração, prisões e dramas – tudo isso sem precisar de uma vírgula de ficção. Cada aspas que está em 1789 realmente foi dita por aqueles personagens. Acaba virando um livro muito gostoso de ler e sem inventar absolutamente nada. A gente aprende a história de uma maneira muito interessante”, garante Pedro Doria.
"É possível produzir uma narrativa que é ao mesmo tempo aventura e romance, com conspirações, prisões e dramas, sem precisar de uma vírgula de ficção" ( Pedro Doria, autor de 1789) |
"Estará chutando quem disser como era Tiradentes, se branco ou mestiço, se tinha ou não barba. Há muita informação sobre sua vida, mas não sobre sua aparência" ( Lucas Figueiredo, jornalista, trabalha em biografia de Tiradentes) |
Homem por trás do mito
O mártir da Conjuração Mineira também vai ganhar em breve uma biografia exclusiva, escrita pelo jornalista Lucas Figueiredo. Com previsão de lançamento para 2015, pela Companhia das Letras, o livro vai contar a vida de Tiradentes de seu nascimento até a morte, ou seja, muito além de sua participação no movimento político. “Contará, por exemplo, como ele foi chamado para comandar o combate aos temidos bandos criminosos que assolavam Minas no século 18. A própria rainha de Portugal, dona Maria I, escreveu a ele dando-lhe ordens nesse sentido. Uma missão perigosa que foi coberta de êxito, mas que nunca foi reconhecida pela Coroa portuguesa. Enfim, será uma biografia clássica: o homem e sua história”, adianta Lucas.
O interesse do jornalista pelo personagem se deu quando fazia a pesquisa de seu livro Boa Ventura!, que conta a saga da corrida do ouro no Brasil do século 18. Nessa época, acabou reunindo um vasto material do período vivido por Tiradentes, já que pesquisou em arquivos de Portugal e da França e passou alguns anos desenvolvendo o projeto. Este ano, vai se dedicar a garimpar mais documentos em Minas, Rio de Janeiro e talvez volte a Lisboa e Paris.
Apesar de Joaquim José da Silva Xavier ser personalidade presente na vida de todo brasileiro desde os tempos de colégio, há pontos obscuros em sua trajetória. “Nas escolas, salvo honrosas exceções, ensina-se a história de uma maneira mecânica. Dá-se muita importância para a decoreba de datas, mas pouca atenção para os personagens. Estudamos um pouco sobre Tiradentes, um pouco sobre Aleijadinho, mas sempre de forma estanque. Quase nunca associamos que Tiradentes e Aleijadinho viveram na mesma época e na mesma cidade, o que nos faz pensar que Ouro Preto era uma sociedade fascinante no século 18”, observa.
Ao contrário do colega Pedro Doria, que em seu novo livro apresenta um retrato do inconfidente mineiro feito a partir de relatos, Lucas Figueiredo acredita que não há evidências conclusivas que nos permitam dizer como era realmente o seu rosto. Outro aspecto impreciso da vida do mártir é o local exato de seu nascimento. “Estará chutando quem disser como era Tiradentes, se branco ou mestiço, se tinha ou não barba. Um fato curioso, aliás, pois há muita informação sobre praticamente toda a sua vida, mas não sobre sua aparência. Já com relação ao lugar onde nasceu, estou justamente trabalhando nesse assunto agora, mas prefiro não me adiantar no tema, pois ainda não fechei a pesquisa”, explica.
O autor de livros como Morcegos negros e O operador, sobre temas contemporâneos, Lucas é um entusiasta do seu biografado e, mais do que rotular Tiradentes, quer contar a vida de um personagem interessante, de carne e osso. “Vilão certamente ele não foi. Herói para muitos, mas não para todos, depende da visão de cada um. Sem dúvida, ele deu a vida por uma causa, o que o torna um mártir. Órfão de pai e mãe, que se fez mascate, minerador, proprietário de terras, dentista, empreendedor, militar, caçador de bandidos e militante político. E que, estando num prostíbulo, era capaz de inflamar-se quando discorria publicamente sobre as vantagens da República. Que foi pai, mas nunca se casou; que chamou para si a tarefa mais controversa da Inconfidência, mesmo entre os inconfidentes: o assassinato do governador”, conclui.
enquanto isso...
...Cinema e tv
Tiradentes não estará apenas nas páginas dos livros, mas também na telona e na telinha. A REC Produtores, de Pernambuco, responsável por Tatuagem, de Hilton Lacerda, vai levar para o cinema Um certo Joaquim, ficção sobre o herói da Inconfidência Mineira. O projeto foi aprovado pela Ancine e custará R$ 3 milhões.
O filme, que terá direção e roteiro de Marcelo Gomes e coprodução da produtora espanhola Wanda Films, deve começar a ser rodado no segundo semestre e terá locações em Minas.
Já o dramaturgo e poeta mineiro Geraldo Carneiro está trabalhando em projeto com o qual sonha há muitos anos, Inconfidência, para a TV Globo. A série deve ir ao ar em 2015. A direção será de Daniel Filho.
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