domingo, 6 de abril de 2014

JOSÉ WILKER » Coração mata o ator José Wilker

Com quase meio século de carreira, o artista encantou o Brasil como Vadinho, Roque Santeiro e o divertido Giovanni Improtta



Estado de Minas: 06/04/2014







"A melhor coisa que pode acontecer a um personagem é ver suas falas serem apropriadas pelo público"  José Wilker, ator e diretor

Rio de Janeiro – O Brasil perdeu um de seus artistas mais queridos: José Wilker, de 66 anos, teve um enfarte agudo do miocárdio ontem de manhã, no apartamento da namorada, a jornalista Claudia Montenegro, no Rio de Janeiro. O corpo será cremado hoje à tarde, no Memorial do Carmo, na zona portuária da capital fluminense. Wilker deixa duas filhas: Mariana, com a atriz Renée de Vielmond, e Isabel, fruto da relação com a atriz Mônica Torres.

Querido do público e respeitado pela crítica, o cearense José Wilker foi um artista completo, apaixonado por seu ofício. Ator e diretor, jogava em todas – cinema, teatro e televisão. Tornou-se popular com papéis como o de Vadinho, no filme Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barreto, fenômeno das telas nacionais. O bordão “felomenal” de seu impagável Giovanni Improtta, contraventor da novela Senhora do destino (2004), e Mundinho Falcão, o galã da novela Gabriela (1975), são apenas duas facetas de um homem que atravessou décadas no coração do público.

Rádio Cearense de Juazeiro do Norte, José Wilker descobriu o amor à arte por meio do rádio. Quando tinha 13 anos, seus pais se mudaram para Pernambuco, onde ele começou a trabalhar como radialista e ator. Interessado em política (dizia-se comunista ainda na infância), fazia peças para difundir as ideias revolucionárias do pedagogo Paulo Freire entre trabalhadores rurais e operários.

Chegou ao Rio de Janeiro aos 19, iniciando a carreira no cinema e no teatro. O primeiro filme foi A falecida (1965), em que fez apenas uma ponta. Nos palcos, integrava o elenco de Chão dos penitentes, com produção do Teatro Jovem, fez peças de vanguarda como A ópera dos três vinténs, de Bertolt Brecht, e O rei da vela, do Grupo Opinião. Ambas foram apresentadas no Teatro Ipanema – local de seu velório.

Estudante de sociologia na PUC Rio, José Wilker era ator engajado nos anos de chumbo, marcados pela ditadura militar. Fez peças-ícone da década de 1970, como Hoje é dia de rock e Hair, que discutiam as mudanças na sociedade. Ganhou prêmios respeitados na área de artes cênicas.

Wilker trabalhou também em quatro dezenas de filmes – entre eles, duas produções emblemáticas do diretor Cacá Diegues: Xica da Silva e Bye Bye Brasil. Ficou marcado por papéis como o político Tenório Cavalcanti, em O homem da capa preta, e Antonio Conselheiro, em A Guerra de Canudos.

Novelas Sua primeira novela foi Bandeira 2, em 1971. Em 1976, quando chamava a atenção como o carismático Vadinho no filme Dona Flor..., interpretou seu primeiro protagonista na telinha em Anjo mau, de Cassio Gabus Mendes. Em 1985, encarnou o inesquecível Roque Santeiro, protagonista da novela homônima exibida na TV Globo. E marcou presença nas duas versões de Gabriela, como o visionário Mundinho Falcão, em 1975, e o violento coronel Jesuíno no remake exibido em 2012.

Além do “felomelal”, outro bordão de Wilker ganhou as ruas. “Deite que vou lhe usar”, dizia o coronel à mulher Sinhazinha, papel de Maitê Proença. “Jesuíno é uma das melhores coisas que já fiz na minha carreira. A melhor coisa que pode acontecer a um personagem é ver suas falas serem apropriadas pelo público”, declarou ele.

Até janeiro, Wilker pôde ser visto na TV como o médico Herbert da novela Amor à vida. O ator fez vários personagens importantes em minisséries da Globo, como Anos rebeldes (1992), Agosto (1993), A muralha (2000) e JK (2006), no papel de Juscelino Kubitschek.

Ele dirigiu também sucessos da TV como o humorístico Sai de baixo (1996) e as novelas Louco amor (1983), de Gilberto Braga, e Transas e caretas (1984), de Lauro César Muniz. Na TV Manchete, dirigiu e atuou em Carmem (1987), de Gloria Perez, e Corpo santo (1987), de José Louzeiro.


JOSÉ WILKER » O cinéfilo de carteirinha 

Mariana Peixoto

José Wilker está no elenco de duas produções inéditas. A primeira a chegar aos cinemas será Isolados, thriller psicológico do cineasta Tomás Portella (assistente de direção do longa Giovanni Improtta), com previsão de estreia para 21 de agosto. Com roteiro de Mariana Vielmond, primogênita de Wilker, o filme é protagonizado por Bruno Gagliasso e Regiane Alves, que vivem o casal com distúrbios psicológicos que aluga casa em um lugar remoto para tentar reanimar a relação. Coisas estranhas começam a ocorrer por lá. Em pequena participação, Wilker interpreta o psiquiatra do personagem de Bruno.

Maior foi o papel do ator em outro inédito, este filmado na região de Diamantina. Inspirado no conto homônimo de João Guimarães Rosa, o longa-metragem A hora e a vez de Augusto Matraga, de Vinicius Coimbra, foi exibido em apenas uma sessão no Festival do Rio, em 2011, e ainda não tem previsão de estreia. O papel como o jagunço Joãozinho Bem-Bem deu a Wilker o prêmio de melhor ator coadjuvante na mostra Première Brasil. “Ele era um ator legítimo, que gostava de ser dirigido. No set do Matraga, ele dormia no sereno, brigava de faca e ficou por horas com o rosto colado no chão durante toda a sequência final”, conta Coimbra.

O ator tinha viagem marcada para o Recife no fim do mês, quando receberia homenagem pelo conjunto da obra (41 filmes) na 18ª edição do Cine PE – Festival do Audiovisual. Ano passado, Wilker foi ao evento para lançar Giovanni Improtta, o único longa que dirigiu. “Ele pôs a cara para bater naquele filme”, comenta o crítico Rubens Ewald Filho a respeito da adaptação cinematográfica do personagem da novela Senhora do destino. Fracasso de crítica e público – a renda não chegou nem à metade dos R$ 5 milhões investidos –, o filme foi defendido pelo ator e cineasta como uma crítica social “sem ser sisuda, carrancuda ou pagadora de regras”. Em entrevista ao EM, Wilker declarou: “Não quero dar lição para ninguém. Só quero que as pessoas percebam o que a gente faz. Estamos virando uma sociedade do excesso, temos coisas demais de que não precisamos”.

Oscar José Wilker dividia com Ewald Filho o posto de comentarista da transmissão do Oscar (o primeiro na Globo, o segundo na TNT). “Muitos achavam que éramos inimigos, mas não. Éramos amigos, com muito em comum. Ele tinha uma inteligência grande, humor muito forte e paixão genuína pelo cinema. Quando o DVD chegou ao mercado, Wilker doou todos os seus VHS para uma escola. Era um cinéfilo de verdade”, completa Ewald Filho, que em 2012 e 2013 dividiu a curadoria do Festival de Gramado com o ator – atuante também nos bastidores. Entre 2003 e 2008, Wilker dirigiu a Riofilme, a distribuidora de cinema do Rio de Janeiro.

Para o espectador de cinema, vão ficar os personagens das quatro dezenas de filmes em que Wilker atuou. Ele foi Vadinho em Dona Flor e seus dois maridos (1976), Lorde Cigano em Bye bye Brasil (1980), Tenório Cavalcanti em O homem da capa preta (1986), Tiradentes em Os inconfidentes (1987), Antônio Conselheiro em Guerra de Canudos (1997), e Zeca Diabo em O bem amado (2010).

“O Zé era o nosso primeiro nome, sempre. Sérgio pegava o roteiro e mandava para ele dizendo: ‘Zé, escolhe aí o que quer fazer’”, conta Mariza Leão, que produziu longas do marido, o cineasta Sérgio Rezende, que tinham Wilker no elenco (Canudos e O homem da capa preta entre eles). “Zé era apaixonado por cinema, um homem que nunca quis o lugar da celebridade, e sim o do ator”, conclui Mariza.

Repercussão

“Ator, crítico de cinema e exemplo de dedicação à arte, José Wilker nos presenteou com interpretações que se tornaram ícones do cinema e da TV.”
DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPÚBLICA

“Meu querido amigo, para sempre! Conheci o Wilker quando fui para o Rio com a peça Hair, em 1969, e me apaixonei loucamente por aquela pessoa linda. E por toda a minha vida continuei amando-o intensa e platonicamente.”
SÔNIA BRAGA, ATRIZ

“Wilker não foi só um grande ator, mas um bom amigo, fiel, solidário. Tinha um talento incomensurável – tudo o que fez vai ficar para sempre. Ele vai deixar muita saudade. Não era só ator, mas um ator-autor. Ele não só fazia o personagem, mas o construía.”
CACÁ DIEGUES, CINEASTA

“Não sei o que dizer. Eu o conheço desde os tempos do Movimento de Cultura Popular, em Pernambuco, em 1961! Fizemos dezenas de trabalhos juntos... Adeus, Zé. Desliguei os telefones. Não quero que me perguntem o que achei da morte dele. Estou triste. Morri um pouco.”
AGUINALDO SILVA, JORNALISTA E AUTOR DE NOVELAS

“Tive o privilégio, a alegria e a satisfação de ter sido dirigida por ele em Querida mamãe. Para ele, eu não diria adeus, mas até sempre. Foi um momento brilhante, afetivo e maravilhoso ter sido dirigida por José Wilker.”
EVA WILMA, ATRIZ

“Com Wilker em cena, se entendia o porquê de estar ali. Ele era uma inspiração para a minha carreira.”
MALU MADER, ATRIZ

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