Zero Hora 06/04/2014
Recebi o e-mail de uma mulher madura contando que ela e o marido estão
praticamente vivendo um para o outro, pois estão decepcionados com os
demais semelhantes - cuja semelhança ela não vê, aliás. Resumo aqui suas
palavras: Somos instruídos e temos ótimo pique, porém estamos cada vez
mais isolados, os filhos moram longe e as demais pessoas não nos dizem
nada. Gostamos de coisas que ninguém gosta. Nosso nível de tolerância é
mínimo diante da hipocrisia humana, do politicamente correto, do
bairrismo, dos fanáticos, dos mal-educados, dos ridículos, dos sem
noção, dos burros, dos ignorantes e da manipulação da massa através dos
meios de comunicação.
Escapei não sei como. Ela diz que comigo até que gostaria de
conversar, e me pediu opinião sobre sua ansiedade. “Se meu marido
morrer, ficarei perdida”.
Bom, eis um caso de uma mulher que cruzou com sua alma gêmea, o que a
coloca em vantagem. Porém, procura almas gêmeas também na vida social.
Amiga, desista. Você já encontrou a sua e casou com ela, valorize a sua
sorte, não seja fominha.
Brincadeiras à parte, dizer o quê? Afora os seres intragáveis, a
maioria das pessoas possui alguma coisa que fecha com a gente. Alguma
coisa. Não precisa fechar em tudo. Tem aquela amiga que é ótima para
viajar, tem a santa que ouve nossos lamentos, aquela outra que é uma
alegre parceira de indiadas, a que sempre tem uma bolsa de festa para
emprestar, a que se oferece para dar carona, a que é companheira para
assistir filmes iranianos, a que diz tanta bobagem que é impossível não
rir. Alguma coisa, entende?
Minha leitora deveria diminuir o nível de exigência e extrair das
pessoas o seu melhor, deixando o pior pra lá. A vizinha chata pode ser
uma ótima professora de espanhol, a avarenta pode preparar um risoto
caprichado, a cafona pode ser aquela que ficará na cabeceira da sua cama
quando você estiver com um febrão. Todos têm seu lado A e B - nós,
inclusive.
Compreendo que minha leitora tem um estilo de vida arrojado e uma
cabeça cosmopolita que destoa da cidade onde vive, que não é nenhuma
Nova York. Então por que não se muda para uma urbe mais vibrante? Se não
der, que baixe a guarda e procure as agulhas no palheiro, elas existem.
Tive uma amiga que igualmente acreditava ter nascido no planeta errado,
para ela todos também eram bairristas, ignorantes e ridículos - e
quanto mais ela discursava sobre seu inconformismo, mais ela própria
parecia bairrista, ignorante e ridícula. A falta de condescendência nos
bitola.
Querida leitora, torço para que consiga encontrar pessoas afins e
interagir com as menos afins sem tanto rigor. Você faz bem em grudar no
seu marido - um companheiro que é seu melhor amigo é uma benção - mas
não julgue tão severamente os que estão em volta. Eles podem ser úteis,
nem que seja para exercitar sua humildade.
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