sábado, 3 de maio de 2014

Esperma é criado com célula da pele

O Globo 03/05/2014

Pesquisa com camundongos dá esperança a homens inférteis

FREDERICO GOULART
frederico.goulart@oglobo.com.br
RENATO GRANDELLE
renato.grandelle@oglobo.com

A pele de homens inférteis pode ser
usada para criar espermatozoides. Esta
foi a conclusão de um estudo inédito
publicado na revista “Cell”, que pode
revolucionar os tratamentos de fertilidade
e oferecer esperança para homens
que não podem ter filhos.

É possível obter desses tecidos as
chamadas células-tronco de pluripotência
induzida (iPS, na sigla em inglês)
— aquelas que mais se assemelham
com células-tronco embrionárias em
sua capacidade de se transformar em
qualquer tecido do corpo.

No experimento, as células iPS foram
injetadas em testículos de camundongos,
dando origem a células germinativas,
que são as precursoras do espermatozoide.
Esta é uma iniciativa pioneira na tentativa
de mapear como ocorre o desenvolvimento
do espermatozoide. Se a
técnica for bem-sucedida, será possível
gerar em laboratórios mais gametas e
de melhor qualidade, que poderiam
depois ser levados para clínicas de reprodução.

— Induzimos a formação de espermatozoides
com o transplante de células
humanas no testículo dos camundongos
— explica Cyril Ramathal, autora chefe
do estudo e bióloga da Universidade de
Stanford (EUA). — Uma operação como
essa pode ter grande potencial na área
da medicina reprodutiva.

DIFICULDADES NO TRANSPLANTE

Cinco homens participaram da pesquisa
e tiveram amostras da pele extraídas
para a criação das células iPS.
Três dos voluntários tinham um tipo
de mutação em seu cromossomo Y
que impede completamente a produção
de espermatozoides maduros —
uma condição chamada azoospermia,
que afeta 1% dos homens no mundo.
Os outros dois envolvidos no levantamento
eram férteis.

Segundo a pesquisa, os homens com
a azoospermia podem ter tido células
germinativas em algum momento no
início de suas vidas, mas elas foram
perdidas antes da idade adulta.
A realização do levantamento enfrentou
dificuldades, como as consequências
da introdução das células
iPS nos testículos camundongos, já
que os processos reprodutivos e fisiológicos
dos roedores são diferentes
dos observados nos seres humanos.
Além disso, pode haver uma grande
demora entre etapas importantes da
pesquisa, como o desenvolvimento
das células germinativas.

Ainda assim, os roedores tinham características
que os elegiam como melhores
participantes do novo estudo.
Sabe-se que os camundongos podem
apresentar um tipo de infertilidade semelhante
à vista nos seres humanos —
suas células germinativas desapareciam
rapidamente quando eram recémnascidos.

CONGELAMENTO DOS TECIDOS

Embora mais pesquisas precisem ser
realizadas, a coleta e o congelamento
de tecidos de meninos com mutações
que causariam a azoospermia
pode dar-lhes a opção de ter filhos
mais tarde.

— Essa pesquisa é um passo importante
para que tenhamos, no futuro, uma
terapia com células-tronco para o tratamento
da azoospermia, a mais severa
forma de infertilidade do homem — explica
Michael Eisenberg, professor-assistente
de urologia de Stanford. — Enquanto
o estudo demonstra claramente
a importância que a genética desempenha
na formação do espermatozoide, ele
também sugere que algumas dessas limitações
poderiam ser superadas.

Professor de biologia celular e neurociências
da Universidade de Montana
(EUA), Reijo Pera lembra que a técnica
pode ser importante para a recuperação
da fertilidade de pacientes que passam
por tratamento de determinados
tipos de câncer:

— Há possibilidades intrigantes para
o uso da pesquisa entre homens que se
tornaram inférteis com o tratamento de
câncer — destaca. — A infertilidade é
uma das mais comuns e devastadoras
complicações destas terapias.

Para o especialista em células-tronco
Stevens Rehen, neurocientista da UFRJ
e do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino,
o transplante realizado pela equipe
americana pode trazer inovações ainda
mais polêmicas.

— Um homem infértil poderia receber
a célula germinativa de outro homem
e, assim, amadurecer o seu próprio
espermatozoide. Seria o “homem
de aluguel” — avalia. — É claro que
uma criação como esta levantaria um
amplo debate ético.

As equipes de Stanford e Montana
querem em breve estender os transplantes
aos primatas não humanos.

— Antes, porém, precisamos considerar
novas técnicas de segurança e
potenciais causadoras de tumor nas células
transplantadas. Vamos avaliar estes
fatores antes das novas aplicações.
Os problemas de fertilidade afetam
de 10 as 15% dos casais. Em 30% dos casos,
o fator masculino está por trás dessa
incapacidade de ter filhos. Já existem
alguns tratamentos para melhorar a
qualidade e a quantidade de sêmen.

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