Melatonina no combate ao câncer de mama
Estudo desenvolvido no interior de São
Paulo, com colaboração de norte-americanos, mostra que hormônio
desempenhou papel importante no controle de formação de novos vasos
sanguíneos ligados ao tumor
Francelle Marzano
Estado de Minas: 28/06/2014
A melatonina,
conhecida por regular o ciclo do sono e vigília, pode ser, em alguns
anos, um novo aliado ao tratamento do câncer de mama. A descoberta faz
parte de uma pesquisa desenvolvida por cientistas da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), em colaboração com colegas
do Hospital Henry Ford de Detroit, em Michigan, nos Estados Unidos. O
hormônio produzido naturalmente pela glândula pineal, em resposta à
escuridão, pode retardar o crescimento dos tumores do câncer de mama. O
estudo esclarece que essa capacidade do hormônio se deve ao papel que
ele pode desempenhar no controle da formação de novos vasos sanguíneos a
partir da vasculatura já existente do tumor, denominada angiogênese. O
estudo foi publicado na revista científica PLoS One no início do ano.
A
pesquisa foi finalizada recentemente e desenvolvida durante três anos,
no âmbito do projeto “Avaliação da angiogênese em resposta ao tratamento
com melatonina no câncer de mama: estudo in vitro e in vivo”,
financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp). Experimentos foram feitos em linhagens de células tumorais e
em camundongos, no Laboratório de Investigação Molecular do Câncer
(LIMC) e no Henry Ford Hospital pela aluna Bruna Jardim-Perassi, com a
coordenação da professora e pesquisadora Debora Aparecida de Campos
Zuccari.
No Brasil, apesar de o uso da melatonina não ser
proibido, ela não é vendida, mas nos Estados Unidos ela já é
comercializada para controle do sono e também como suplemento alimentar.
Debora afirma que o objetivo do estudo foi ver o impacto da melatonina
sobre a viabilidade celular, a multiplicação das células em cultura e
sobre o crescimento do tumor e angiogênese in vivo, uma vez que já se
sabia que a melatonina, quando administrada em doses terapêuticas acima
dos níveis encontrados no organismo, apresenta propriedades
antioxidantes. “É possível que o hormônio possa suprimir o crescimento
de alguns tipos de células cancerosas, principalmente quando combinado
com certas drogas já usadas no tratamento do câncer”, afirma.
No
experimento in vitro foram usadas duas linhagens diferentes de células
tumorais mamárias. A primeira delas representou um tipo de tumor
estrógeno positivo, que geralmente tem um bom prognóstico e dificilmente
vai causar metástase. A segunda linhagem representou tumores mais
agressivos, conhecidos como triplo negativo, já que não respondem ao
tratamento antiestrogênio, com tendência a metástase. Debora Zuccari
explica que quando o tumor está em processo de crescimento, parte do
tecido passa a sofrer com a falta de oxigênio (hipóxia), estimulando a
expressão dos genes responsáveis pela formação de novos vasos sanguíneos
como o VEGF (fator de crescimento endotelial vascular), para aumentar o
aporte de nutrientes e oxigênio no local.
Para mimetizar as
condições de hipóxia no estudo in vitro, os pesquisadores aplicaram
cloreto de cobalto nas células, fazendo com que a substância consumisse o
oxigênio do meio e estimulasse a expressão de genes responsáveis pela
formação de novos vasos. “Uma parte das culturas foi tratada com doses
de melatonina que variaram entre 0,5 e 10 milimols (mmol). Nas duas
linhagens, a dose de 1mmol foi a que mostrou maior benefício, reduzindo
em 50% a viabilidade celular quando comparada ao controle”, afirma a
professora.
Já no estudo in vivo foram utilizados dois grupos de
camundongos atímicos (roedores geneticamente modificados, que não têm o
timo), nos quais foram implantadas células tumorais para avaliar os
efeitos da melatonina sobre a angiogênese. Em um grupo foram
administradas doses diárias via intraperitoneal de melatonina (40mg/kg)
por 21 dias seguidos, durante a noite, cerca de uma hora antes de a
iluminação da sala em que estavam confinados ser desligada. O outro
grupo recebia injeções sem o medicamento, apenas como forma de deixá-los
nas mesmas condições de manuseio do grupo tratado.
Os tumores
foram medidos semanalmente com um paquímetro digital e depois dos 21
dias todos os camundongos foram submetidos a tomografia computadorizada
por emissão de fóton único (Spect) com radiotraçador Tc-99m-HYNIC-VEGF-c
para determinar se a melatonina contribuiu, diminuindo o tamanho do
tumor ou se houve mudança na formação de novos vasos sanguíneos. No
grupo que recebeu o medicamento, os pesquisadores constataram que o
tamanho do tumor, e a proliferação de células cancerosas diminuíram se
comparado aos animais que não receberam melatonina. Ainda de acordo com a
pesquisa, houve também redução na densidade dos vasos sanguíneos do
tumor e do receptor de VEGF no grupo tratado com o hormônio. “O
tratamento foi eficaz tanto na redução do crescimento do tumor quanto na
proliferação celular”, destaca Debora.
O próximo passo agora, de
acordo com a pesquisadora, é promover os testes clínicos para comprovar
a eficácia do tratamento também em humanos. “Estamos viabilizando um
estudo para fazer o teste em pacientes com câncer de mama já em fase
terminal, sem outra opção de tratamento. Ainda faltam estudos para
comprovar a utilização da melatonina como tratamento para o câncer de
mama e essa comprovação ainda pode demorar”, acrescenta.
ANOS DE
PESQUISA O presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica
(Sboc), Evanius Wiermann, destaca a importância do estudo para o avanço
no tratamento do câncer de mama, mas afirma também que é preciso ter o
pé no chão para saber que ainda são necessários novos estudos para
comprovar a eficácia da melatonina na regressão dos tumores e chegar de
fato ao mercado. A partir de agora, os pesquisadores que desenvolveram o
estudo têm, pelo menos, mais três fases pela frente que podem levar
cerca de 10 anos. A fase, segundo Wiermann, consiste em identificar o
perfil de segurança da melatonina sobre o câncer de mama. “Eles precisam
ver qual a dose máxima tolerada, seus efeitos colaterais e outras
sequelas do tratamento com o hormônio”, explica.
A fase dois se
baseia na administração da medicação em diversos pacientes portadores da
doença, com tumores diferentes, para testar o nível de eficácia do
medicamento. “Precisa-se saber se é possível reduzir o tamanho dos
tumores em humanos com a melatonina. Muitas vezes, o que é testado e faz
bem nos camundongos às vezes não produz o mesmo efeito nos humanos”,
afirma o presidente da SBOC. Depois de descobrir a eficácia da
melatonina para o tratamento do câncer, em qual tipo de tumor, em qual
área do corpo, o estudo passa para a fase três, para comparar o uso do
medicamento novo ao medicamento que já é usado como padrão na maioria
dos tratamentos pelo mundo. “Para que ele possa ser usado e
comercializado, ele precisa ser melhor do que o procedimento que já é
adotado como padrão ou produzir o mesmo efeito, sendo menos tóxico”,
ressalta Wiermann. Segundo o oncologista, esse é um caminho extremamente
longo, pois a cada 100 moléculas estudadas e que são promissoras para o
tratamento do câncer, apenas cinco chegam à fase três do estudo e,
dessas, só uma prova ser melhor do que o método adotado e entra no
mercado.
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