Ivan Drummond
Enviado especial
Estado de Minas: 28/07/2014
Hilda e Paulo Valentim nos bons tempos do sucesso do jogador |
Buenos Aires – Na Belo Horizonte dos anos 1950 havia poucas opções de diversão noturna no universo masculino. Era dançar, frequentar bar ou a zona boêmia. Esta última era uma das prediletas de jogadores de futebol. Foi assim que os caminhos de Hilda Furacão e de Paulo Valentim se cruzaram. Ele jogava no Atlético, na companhia de Kafunga, Mão de Onça, Murilo e Haroldo. Depois dos treinos ou dos jogos, Paulinho, como era chamado no Galo o então ponta-direita, tomava o rumo dos bares da zona boêmia.
Um dia, foi ao quarto de Hilda Furacão. Encantou-se e passou a procurá-la sempre. Não demonstrava ciúme dela, tanto que passou a frequentar mesas de baralho para esperar até que ela estivesse disponível para ele. Jogava e bebia, esperando o tempo correr, até encontrar a mulher que o deixou de cabeça virada.
Paulo Valentim passou a ser um problema para a diretoria atleticana. As bebedeiras sempre acabavam em brigas. Além de bater naqueles que via como opositores, causava quebradeiras nos botecos. Isso acelerou a venda do jogador para o Botafogo, em 1957. Lá se foi o craque defender um time que tinha como treinador João Saldanha e talentos como Didi, Garrincha, Amarildo, Nilton Santos e Zagallo.
Ele foi para o Rio, mas a cabeça continuou em Belo Horizonte, na zona boêmia, em Hilda Furacão. E não foram poucas as vezes em que escapava de um lugar para o outro. Acabava um jogo, Paulo pegava um ônibus para se encontrar com a amada. Não raramente, atrasava o retorno ao Botafogo. Vária vezes um dirigente do time carioca viajava a Belo Horizonte para buscá-lo e o levar de volta, quase à força.
Ele não aguentava ficar longe de Hilda. Naquele mesmo ano decidiu se casar e a levou para a cidade natal dele, Barra do Piraí (RJ). Casaram-se e, entre os presentes, João Saldanha, um dos padrinhos. Em determinado momento da cerimônia, o padre, sabedor do passado de Hilda, resolveu passar uma descompostura na mulher. Fez um sermão, aconselhando-a a largar a chamada “vida fácil”.
Paulo Valentim perdeu a paciência. Avançou sobre o padre. Não admitiu a compostura e não gostava que se tocasse na vida anterior de Hilda. Foi contido por ninguém menos que seu amigo e padrinho João Saldanha. A cerimônia terminou e todos foram para a recepção. Logo depois, o casal seguiu para o Rio.
Seleção
Como jogador do Botafogo, Paulo Valentim chegou à Seleção Brasileira. Em um jogo contra o Uruguai, na Argentina, pelo Sul-Americano de 1959, uma briga generalizada, ainda no primeiro tempo. Um moreno alto se destacava na luta. Segundo a lenda, ele sozinho, bateu em todo o time uruguaio.
O Brasil venceu por 3 a 1, de virada. Mas a briga é que se tornou o assunto dos jornais, não o resultado. Os argentinos exaltavam Paulo Valentim. Isso despertou a atenção do Boca Juniors, que o comprou na época por uma fortuna. E com a camisa portenha virou herói. Era um dos principais artilheiros e levou o time à conquista de dois títulos nacionais, em 1962 e 1964.
Estrela em bronze em homenagem a Valentim, no Estádio La Bombonera, em Buenos Aires |
Craque vencido pelo vício
A vida de Hilda e Paulo Valentim, em Buenos Aires, era cercada de luxo. Moravam em um apartamento alugado pelo Boca Juniors. Como ela mesmo diz: “Nossa casa tinha paredes de veludo”. O casal tinha ainda um carro (um Impala), presente do clube. Frequentavam os melhores restaurantes. Chegou o primeiro filho, Ulisses, que foi alfabetizado em espanhol. A fama do jogador aumentava com o decorrer dos jogos. Ele tinha o respeito dos companheiros, que faziam questão de sair com o casal.
O tempo passou e Valentim voltou a jogar e a beber. O futebol decaiu. A torcida reclamava. O Boca não o queria mais. Desiludido, o jogador conseguiu se transferir para o São Paulo. Viajou sem Hilda. Ela ficou em Buenos Aires cuidando da casa e do filho, Ulisses. A passagem pelo tricolor paulista foi curta. Menos de um ano.
Mas Paulo tinha fama, em especial na América Latina. Incentivado por Hilda, aceitou uma proposta do Atlante, da Cidade do México. Foram juntos. Renasceu em Hilda a esperança da volta dos velhos tempos do carro luxuoso, da casa boa, da comida farta. Mas Valentim estava velho. Em dois anos, não conseguiu jogar como antes. Começaram as reclamações dos torcedores. O futebol parecia tê-lo abandonado. Valentim parou de jogar pelo Atlante. Depois de passagem sem brilho por Acapulco, com Valentim tomado pelo vício da bebida, retornaram a Buenos Aires.
De novo, moradia paga pelo Boca, só que pequena, e um emprego como técnico das divisões de base. A vida não era mais a mesma. Hilda dava muita atenção ao filho, Ulisses. Valentim não conseguia resultados em campo. Tentava fazer do filho um jogador. Ele estava no time infantil. Mas não tinha o futebol que se esperava de um Valentim.
Fora de La Bombonera, a vida não era boa. Os vícios do jogo e da bebida continuavam. Valentim perdeu o emprego. Ulisses já trabalhava. Passou a ajudar a família, que morava em casas emprestadas, geralmente por pessoas ligadas ao Boca, que nunca abandonaram o ídolo. Em 9 de julho de 1984, Valentim morreu em consequência da bebida. Foi também o Boca que bancou o sepultamento no Cemitério de Chacaritas. A torcida compareceu em peso a um dos maiores funerais da história de Buenos Aires, dizem.
Hilda passou a depender do filho, Ulissses, que declarava amor eterno à mãe. Há dois anos ele descobriu que estava com diabetes. Sentiu-se arrasado e tentou o suicídio tomando fungicidas. Escreveu uma carta à companheira, Teresa Ignes Rodríguez, a quem pediu desculpas pelas traições, e outra à mãe, a quem reiterava a paixão, o amor. Mas ele sobreviveu.
No ano passado, no entanto, Ulisses morreu em consequência da doença. Novamente, o Boca Juniors ajudou Hilda. O nome de Valentim estava e ainda está vivo. Afinal de contas, foi um ídolo.
Atualmente, Hilda Maia Valentim vive amparada pela municipalidade de Buenos Aires, interna no Hogar Dr. Guillermo Rowson, onde foi localizada pelo Estado de Minas. É a sombra do mito que atravessou décadas no imaginário do leitor e do telespectador brasileiro, que sonhou com a Hilda Furacão criada por Roberto Drummond.
No asilo onde vive, Hilda alterna estados de lucidez e esquecimento |
Nenhum comentário:
Postar um comentário