segunda-feira, 28 de julho de 2014

INFÂNCIA » No limite da dor

Ao custo de R$ 30 mil cada, 100 salas de depoimento especial para crianças vítimas de violência sexual foram criadas no país


Renata Mariz
Estado de Minas: 28/07/2014



Salas como esta, instalada no Distrito Federal, são ambientadas para facilitar o contato com as vítimas (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - 4/2/10)
Salas como esta, instalada no Distrito Federal, são ambientadas para facilitar o contato com as vítimas

Brasília – O desabafo de uma garota de 8 anos, na Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente em Goiânia, é revelador. "Por favor, me deixa. Não me pergunta mais nada sobre isso. Eu queria esquecer." Entremeadas por raiva, medo, dor e dúvida, as palavras denotam o calvário de milhares de meninos e meninas levados à polícia e à Justiça para denunciar abusos sexuais sofridos. Repetir várias vezes o próprio drama, além de transitar por ambientes pouco amigáveis, como salas de audiência, é uma rotina para a infância no Brasil. Iniciativas como o depoimento especial, implantado em algumas comarcas de 21 unidades da Federação, tenta mudar essa realidade. Nem todos os especialistas, porém, apoiam a prática.

Ao custo unitário médio de R$ 30 mil para implantação, salas de depoimento especial de crianças e adolescentes já somam 100 em varas especializadas e criminais do país, segundo estimativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nesses locais ambientados para facilitar o contato com as vítimas, psicólogos, assistentes sociais ou pedagogos conduzem a entrevista, usando técnicas específicas, além de outros instrumentos, como desenhos e jogos. O juiz e os demais envolvidos no processo – como promotor e defesa do acusado – acompanham o depoimento em uma sala contígua por meio do circuito interno de televisão.

“No Brasil, a criança chega a ser ouvida sete vezes em média, desde a primeira revelação, no conselho tutelar ou na escola, até o desfecho do caso na Justiça. Com o depoimento especial, espera-se que aquela gravação sirva como depoimento durante todo o processo", explica Itamar Gonçalvez, gerente de projetos da Childhood no Brasil, entidade internacional de apoio à infância. Além disso, ele assinala que o mecanismo diminui o estresse inerente à experiência.

Primeiro juiz no Brasil a trabalhar com o depoimento especial em Porto Alegre, o desembargador José Antônio Daltoé Cezar afirma que a prática evita revitimizar quem passou pela violência. Ele reconhece, entretanto, que até chegar ao Judiciário, onde estão instaladas as salas de escuta especial, a vítima já teve de repetir diversas vezes a sua história. Por isso, defende uma mudança na legislação para que todas as denúncias, assim que surgirem, sejam encaminhadas ao Ministério Público, que faria a produção de provas com o depoimento especial em juízo uma única vez.

Procuradora do Ministério Público do Rio Grande do Sul com experiência na área da criança, Maria Regina Fay de Azambuja contesta a metodologia. “Por que não buscar esse relato com base em sessões com psicólogos ou psiquiatras que façam um laudo?" Marta Beatriz Tedesco Zanchi, defensora pública gaúcha, também faz críticas. "A criança não sofrerá menos numa sala cheia de brinquedos. Além disso, é papel do juiz, não do psicólogo, inquirir a vítima para colher provas, até para garantir o devido processo legal”, afirma. Ela defende que muitos magistrados e promotores sabem lidar com a situação. 

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