quarta-feira, 2 de julho de 2014

Negócio de gente grande

Produção brasileira de desenhos animados em longa-metragem ganha prêmios e conquista interesse do mercado internacional. Televisão também atrai realizadores



Walter Sebastião
Estado de Minas: 02/07/2014



As aventuras do avião vermelho, de José Maia e Frederico Pinto, foi inspirado em livro de Erico Verissimo (Gava Productions/Divulgação)
As aventuras do avião vermelho, de José Maia e Frederico Pinto, foi inspirado em livro de Erico Verissimo


O cinema brasileiro ganhou este ano o Prêmio Cristal no Festival International du Film d'Animation d'Annecy (França), com O menino e o mundo, de Alê Abreu. No ano passado, havia conquistado o mesmo festival com Uma história de amor e fúria, de Luiz Bolognesi. O bicampeonato em mostra que para os profissionais da área é o Oscar da animação, evidencia bom momento da produção nacional. A animação brasileira está em expansão e anda despertando interesse internacional. Longas e séries para a televisão já são realizadas de olho nesse mercado. Entre as produções nacionais, a tendência é de filmes de conteúdo histórico.
“O novo na área de animação, no mundo, são as criações brasileiras”, afirma Rodrigo Gava, de 35 anos. Diretor de animação de Xuxinha e Guto contra os monstros do espaço, co-diretor de Turma da Mônica – Uma aventura no espaço, ele lança em dezembro Nautilus. Os personagens são Cristóvão Colombo, Leonardo da Vinci e Mona Lisa quando tinham 12 anos. Filme em 3D, “com pegada popular”, realizado por especialistas em todas as áreas, da produção à distribuição. Com direito a consultoria de roteiro feita por técnicos da todo-poderosa DreamWorks (EUA) e trilha do reconhecido Ary Sperling. Entre os dubladores está José Wilker, em um dos seus últimos trabalhos.

“O forte das produções brasileiras é a criatividade. Somos novos no mercado, trabalhamos sem vícios e com originalidade”, explica Gava. A produção no setor, confirma o diretor, está em alta em todo o Brasil, em especial nas séries para televisão. O circuito anda tão aquecido que houve produções que tiveram de ser adiadas por falta de mão de obra. “Somos limitados produtivamente, então não dá para crescer em alta velocidade”, observa Gava, lembrando que fazer animação consome tempo. “As produções estão divulgando nossa cultura, o que é bom tanto para o Brasil quanto no exterior”, observa.

A história de Rodrigo Gava indica o perfil dos novos profissionais do setor. Ele gostava de desenhar e de vídeo, estudou desenho industrial “e caiu na área de animação”. O curta As aventuras de Joca (2004), realizado como projeto de conclusão de curso, foi premiado no Anima Mundi e deu a ele segurança para continuar na área. “É um mercado que precisa de profissionais em todos os setores, de animador a diretor de arte”, explica. O interesse por animação tem levado à descoberta de muitos cineastas que têm projetos de animação, mas que não os realizaram ainda por falta de condições, situação que começa a ser mudada.

No Sul Além do Rio de Janeiro, outro polo importante de produção de desenhos animados é Porto Alegre. Vêm de lá dois longas: Até que a Sbornia nos separe, de Otto Guerra, e As aventuras do avião vermelho, de Frederico Pinto e José Maia. O primeiro com lançamento previsto para setembro; o segundo programado para chegar às telas em outubro. As aventuras do avião vermelho foi inspirado em livro do escritor gaúcho Erico Verissimo (1905-1975) sobre menino que, impressionado com uma história que lê, mergulha no livro para salvar um personagem. O diretor José Maia acredita que a narrativa foi escrita para o também escritor Luís Fernando Verissimo, filho do autor do livro. “É viagem pelo mundo da leitura”, define o diretor.

Entre a primeira ideia e a conclusão do projeto, conta o diretor, foram 10 anos de trabalho. Três anos de trabalho direto de equipe com cerca de 40 pessoas. Devido à falta de mão de obra especializada, conta José Maia, quase metade da equipe era formada por gente de várias regiões do Brasil, participando do projeto via internet e com reuniões por Skype. “Quando começamos a fazer desenho animado era loucura só minha e do Otto Guerra”, brinca Maia, pioneiro da área. As equipes eram formadas por alunos das oficinas que eles ministravam. “Aprendíamos a fazer fazendo”, observa.

“A novidade é que surgiu e vem se consolidando um mercado que não existia. Hoje, temos mais gente envolvida com animação, melhorou a qualidade técnica das obras, um projeto de desenho animado não é mais visto com estranheza nas produtoras”, conta José Maia. Os prêmios, além da participação regular dos brasileiros em várias mostras, são para ele registro do salto de qualidade no setor. José Maia e Otto Guerra já têm novos projetos em andamento. Está pronta a série Boa-noite, Marta, para televisão e já foi iniciada outra série, Filosofinhos, que traz conceitos dos filósofos clássicos para crianças. Em andamento está o novo longa de Otto Guerra, Piratas, inspirado nos desenhos de Laerte.

Arca de Noé Foi anunciado pela Gullane Filmes e Videofilmes projeto ambicioso: o longa Arca de Noé, inspirado em obra de Vinicius de Moraes. O filme tem apoio da família do poeta. Quem está desenvolvendo o roteiro e vai ser o codiretor é Sérgio Machado, que vai trabalhar com parceiro especialista em animação. A previsão é lançar o filme no segundo semestre de 2016. “A animação brasileira está vivendo um momento muito positivo”, afirma Fabiano Gullane. A evidência é a multiplicação de projetos de curtas, longas e as séries para a TV.

A movimentação na área é produto da soma de talento do animador brasileiro, linhas de financiamento e apoio aos filmes, criação de espaço para exibir as produções, associações de realizadores e produtores e políticas voltadas à exportação do audiovisual. Os prêmios em Annecy trouxeram interesse internacional em conhecer e participar dos projetos nacionais. Até o Oscar, observa Gullane, está abrindo os olhos para a animação brasileira. A prova é Uma história de amor e fúria, de Luiz Bolognesi, entre os 19 filmes selecionados em mais de 2 mil, entre os quais foram definidos os cinco indicados ao Oscar deste ano.

“O brasileiro precisa entender que a disputa por um Oscar é muito competitiva, custa caro, depende de campanhas muito bem elaboradas, de esforço de todos os envolvidos no filme e do governo”, enumera Fabiano Gullane.


Mônica vem aí

Vai ser lançado no segundo semestre série para a TV com a Turma da Mônica Jovem, com 26 episódios. Para 2016, está previsto filme em 3D tendo como personagem o dinossauro Horácio. É trabalho de olho no mercado internacional, com assessoria norte-americana. Maurício de Souza, pioneiro na montagem de estúdios de animação, mudou a estratégia de produção e está terceirizando os trabalhos. “A produção de animação é cara e exige constante investimento em arte e tecnologia. Optei por ficar com o lado da arte, da criação e do conteúdo e fazer parcerias com estúdios que já estivessem focados na tecnologia”, diz Maurício de Souza. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário