Curdos do Iraque são o último bastião contra o Estado islâmico
- APEm junho, iraquianos fugiram da violência para acampamento em Irbil, no Curdistão; milhares saíram de Mossul depois de a cidade ter sido invadida por jihadistas
Ela é a segunda frente do Iraque diante do Estado Islâmico, menos evidenciada pela mídia do que aquela onde a cada dia têm se enfrentado os jihadistas sunitas e os soldados xiitas do exército governamental, uma vez que o próximo objetivo anunciado do Estado Islâmico é tentar conquistar Bagdá. No entanto, ela é ampla e estratégica: é a frente curda.
É impressionante a história do Curdistão do Iraque, martirizado por décadas, tendo conquistado sua autonomia ao longo das guerras perdidas de Saddam Hussein, em 1991 e 2003, e que acaba de dobrar sua área em uma noite. Enquanto o Estado Islâmico se apossava, no dia 10 de junho, de Mossul e das regiões sunitas, os peshmergas (combatentes curdos) aproveitaram o colapso do exército iraquiano para conquistar, sem combates, os "territórios disputados" que eles vêm reivindicando há dez anos.
Hoje, dos 1.050 quilômetros da nova linha de demarcação entre o Curdistão autônomo e o resto do Iraque, só restam 50 quilômetros em comum com as forças governamentais. Os peshmergas enfrentam os jihadistas por 1.000 quilômetros. O Curdistão se tornou o principal bastião, e o único militarmente viável, contra o califado de Abu Bakr al-Baghdadi.
Terra de ninguém
Na linha de frente da região de Gobjalil, entre Erbil e Mossul, os peshmergas fazem a vigília. No talude de terra que uma escavadeira criou no meio da estrada, a bandeira curda sopra ao vento, ao lado de uma metralhadora pesada. É possível ver a bandeira negra do Estado Islâmico a 500 metros de lá. Ao longo do dia, entre os dois postos de controle, táxis circulam na terra de ninguém e transportam refugiados. Às vezes, à noite, os jihadistas vêm de Mossul e fazem uma demonstração de força, sem abrir fogo.
Na linha de frente da região de Gobjalil, entre Erbil e Mossul, os peshmergas fazem a vigília. No talude de terra que uma escavadeira criou no meio da estrada, a bandeira curda sopra ao vento, ao lado de uma metralhadora pesada. É possível ver a bandeira negra do Estado Islâmico a 500 metros de lá. Ao longo do dia, entre os dois postos de controle, táxis circulam na terra de ninguém e transportam refugiados. Às vezes, à noite, os jihadistas vêm de Mossul e fazem uma demonstração de força, sem abrir fogo.
Ao sul da estrada, nos arredores da cidade cristã de Hamdaniya (às vezes chamada pelo seu antigo nome turco, Karakosh), os peshmergas consolidam suas posições. Em toda parte, eles criam embriões de fortificações, taludes, abrigos subterrâneos. Morteiros e metralhadoras permanecem apontados para as fazendas que abrigam os combatentes do califado. "Durante três dias, as pessoas do Da'ech [Estado Islâmico]nos atacaram para tomar Hamdaniya. Elas queriam conquistar a cidade para, em seguida, assumir posições na estrada que leva a Erbil, ameaçando nossa capital", conta o general peshmerga Askender Haji, comandante da força Zerawany ("os guardiães"). Eles tinham armas tomadas do exército iraquiano. Os combates foram intensos, duríssimos. Não os deixamos avançar nenhum metro." No quarto dia, em 28 de junho, véspera da proclamação do califado, depois de terem disparado algumas salvas de projéteis de morteiro, os jihadistas recuaram.
Dos 1.000 quilômetros da frente entre o Curdistão e o Estado Islâmico, as frentes mais ativas atualmente são as do noroeste do Iraque, nas regiões de Tal Afar e de Sinajar, pelo controle da fronteira com a Síria, e as do leste do país, em Jalawla, perto da fronteira com o Irã. "Após o confronto do exército iraquiano, que desapareceu, abandonando suas armas no Da'ech, nós, os peshmergas, estamos na linha de frente. Nós resistimos bem às suas primeiras ofensivas, mas nossa capacidade militar é limitada. Precisamos de ajuda estrangeira", acredita o general Askender Haji. "A comunidade internacional deveria considerar seriamente nos ajudar, pois os homens do Da'ech não são perigosos somente para nós, são para o mundo inteiro".
Declaração
O discurso oficial curdo, desde a grande revolução provocada pelo Estado Islâmico, é orientado na direção de dois objetivos. De um lado, fazer o Iraque e a comunidade internacional entenderem que há uma chance histórica para o Curdistão ao seu alcance: de ter, nos próximos meses ou anos, uma declaração de independência que seria inevitável. Do outro, explicar que os peshmergas são o último bastião contra o jihad.
O discurso oficial curdo, desde a grande revolução provocada pelo Estado Islâmico, é orientado na direção de dois objetivos. De um lado, fazer o Iraque e a comunidade internacional entenderem que há uma chance histórica para o Curdistão ao seu alcance: de ter, nos próximos meses ou anos, uma declaração de independência que seria inevitável. Do outro, explicar que os peshmergas são o último bastião contra o jihad.
As palavras do general Askender e de todos os oficiais curdos encontrados na linha de frente lembram as do comandante Massud antes do 11 de setembro, quando o líder rebelde afegão repetia incessantemente que o mundo deveria ajudar no combate à Al-Qaeda antes que a organização jihadista ficasse poderosa demais e enviasse seus combatentes para todo o planeta. Ahmed Chah Massoud não foi ouvido, e o resto da história todos conhecem.
"Nesse momento, nossas ordens são de jamais atacar o Da'ech. Só estamos nos contrapondo às suas ambições territoriais e defendendo aquilo que consideramos ser o território do Curdistão", explica o general. "Mas se algum dia houver um consenso internacional para atacar o Da'ech, estou convencido de que nossos líderes decidirão participar dessa guerra. Poderíamos ser suas pontas de lança".
Nenhum país -a começar pelos Estados Unidos, após a trágica década que se seguiu à invasão iraquiana de 2003 - tem, por enquanto, a intenção de ir combater o Estado Islâmico, nem no Iraque nem na Síria. Mas, se algum dia isso acontecer, os peshmergas estarão efetivamente na linha de frente. Na outra frente, seria difícil contar com um exército iraquiano sem credibilidade militar, que se tornou exclusivamente xiita e estreitamente ligado ao vizinho iraniano, e cujos soldados e milicianos usam métodos que, às vezes, não ficam devendo nada aos de seu inimigo -assassinatos, torturas, prisões arbitrárias, punições coletivas- contra a população sunita.
Nenhum país -a começar pelos Estados Unidos, após a trágica década que se seguiu à invasão iraquiana de 2003 - tem, por enquanto, a intenção de ir combater o Estado Islâmico, nem no Iraque nem na Síria. Mas, se algum dia isso acontecer, os peshmergas estarão efetivamente na linha de frente. Na outra frente, seria difícil contar com um exército iraquiano sem credibilidade militar, que se tornou exclusivamente xiita e estreitamente ligado ao vizinho iraniano, e cujos soldados e milicianos usam métodos que, às vezes, não ficam devendo nada aos de seu inimigo -assassinatos, torturas, prisões arbitrárias, punições coletivas- contra a população sunita.
Retrocesso
Ao longo dos anos 2000, foi necessário um colossal esforço militar e político dos Estados Unidos para vencer a Al-Qaeda no Iraque. Mais do que com o exército governamental, os americanos contaram com os chefes de tribos sunitas que, depois de terem resistido à invasão estrangeira, por fim foram convencidos de que se eles libertassem seus territórios do domínio jihadista, os Estados Unidos acabariam deixando o Iraque. Foi exatamente o que aconteceu, tanto graças à vitória contra a Al-Qaeda quanto à nova política americana adotada por Barack Obama.
Hoje, o Iraque sofreu um retrocesso de cinco anos. A principal diferença é que o movimento sunita anti-jihadista Sahwa (Movimento do Despertar) é hoje totalmente marginalizado em relação aos grupos sunitas aliados ao Estado islâmico. A outra diferença é o fato de que a comunidade internacional, a exemplo de Washington, quer permanecer afastada desses campos de batalha.
Askender Haji, rodeado por seus homens, sorri. "As ambições do Da'ech não têm limites. É o próprio princípio do califado", acredita o general curdo. "É uma ameaça global". O oficial sabe que, com algumas reviravoltas da História, o Curdistão agora está no centro do mapa e do jogo regional.
Ao longo dos anos 2000, foi necessário um colossal esforço militar e político dos Estados Unidos para vencer a Al-Qaeda no Iraque. Mais do que com o exército governamental, os americanos contaram com os chefes de tribos sunitas que, depois de terem resistido à invasão estrangeira, por fim foram convencidos de que se eles libertassem seus territórios do domínio jihadista, os Estados Unidos acabariam deixando o Iraque. Foi exatamente o que aconteceu, tanto graças à vitória contra a Al-Qaeda quanto à nova política americana adotada por Barack Obama.
Hoje, o Iraque sofreu um retrocesso de cinco anos. A principal diferença é que o movimento sunita anti-jihadista Sahwa (Movimento do Despertar) é hoje totalmente marginalizado em relação aos grupos sunitas aliados ao Estado islâmico. A outra diferença é o fato de que a comunidade internacional, a exemplo de Washington, quer permanecer afastada desses campos de batalha.
Askender Haji, rodeado por seus homens, sorri. "As ambições do Da'ech não têm limites. É o próprio princípio do califado", acredita o general curdo. "É uma ameaça global". O oficial sabe que, com algumas reviravoltas da História, o Curdistão agora está no centro do mapa e do jogo regional.
A mudança em relação ao passado é que, ainda que a razão de ser e o objetivo dos peshmergas seja o Curdistão, e unicamente o Curdistão, as populações árabes cristãs, xiitas e, às vezes, até mesmo sunitas agora estão vindo se refugiar na região curda. É o único lugar, no Iraque e na Síria, onde elas estão relativamente protegidas da guerra, das ditaduras governamentais e do furor jihadista.
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