Carolina Braga
Estado de Minas: 02/08/2014
Vera Hamburger criou a cenografia e Clovis Bueno assinou a direção de arte de Carandiru, filme de Hector Babenco, com Lázaro Ramos |
Publicado pela Editora Senac, o bem cuidado livro de 420 páginas consegue se equilibrar entre a necessidade de uma discussão teórica e exemplos práticos do ofício. Mérito de quem, ao longo de décadas, aprendeu a fazer colocando a mão na massa, além de ter se descoberto na docência. A obra é fruto de pesquisa desenvolvida por Vera há pelo menos 10 anos.
“A gente foi se virando no cinema, no teatro e na cenografia de exposições. É uma área robusta: tem consistência, história e tradição, mas não há um curso de direção de arte. Algumas cadeiras são oferecidas nas faculdades de cinema, teatro e arquitetura. Essa matéria é multidisciplinar”, observa a autora.
A obra é dividida em duas partes. Na primeira, Vera Hamburger aborda o papel da direção de arte no cinema, detalha o conceito da atividade, a alquimia com a telona e os diálogos com a direção, a fotografia e a produção. Uma contribuição prática importante são os exemplos práticos listados pela autora, alguns filmes com os quais ela contribuiu e dicas de modelos para desenvolver mapas de arte e pesquisas para projetos cinematográficos. Cenário, figurino, maquiagem e efeitos especiais são também abordados.
A segunda parte do livro é mais empírica. Vera Hamburger reúne entrevistas com quatro profissionais da área: Pierino Massenzi, Clóvis Bueno, Marcos Flaksman e Adrian Cooper. “Três deles são representantes da primeira geração da direção de arte, tiveram atuação forte no sentido de encontrar parâmetros para a profissão”, explica Vera.
O compartilhamento de experiências se dá em textos e imagens. De Pierino Massenzi, cenógrafo de pelo menos 47 filmes produzidos pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, há a reprodução de esboços do circo de Tico-tico no fubá, dirigido por Adolfo Celi, com Tônia Carrero. “As paredes das construções da cidade cenográfica eram de areia e cimento. O cimento era prensado em formas de madeira. Inventamos uma máquina para fabricar fiapos de madeira, colocávamos essas lascas na forma, espalhávamos bem e misturávamos bem com cimento e areia. Deixávamos secar e pronto: tínhamos um painel”, descreve.
O leitor observa o desenho e entende a proposta. “Há coisas na imagem que as palavras não dizem. Você consegue perceber lógicas de ação e dinâmicas”, explica Vera. Falar sobre o passado é sempre caminho para repensar o presente. Para a autora, os avanços na direção de arte brasileira são nítidos, mas a área ainda é carente de atenção. “Não lhe dão a importância devida. Não tem dinheiro, estrutura nem a avaliação de que o espaço visual é tão importante quanto qualquer outra área envolvida”, diz. Mesmo assim, o momento é fértil. “Mais gente está se profissionalizando. Esse processo vem desde os anos 1980”, afirma ela.
Além do trabalho de Pierino e dos tempos da Vera Cruz, o livro detalha várias criações, como as de Clóvis Bueno para o longa Pixote, a lei do mais fraco (1981), de Hector Babenco, assim como o projeto do moinho de Kenoma (1998), de Eliane Caffé.
Marcos Flaksman ajudou a criar o apartamento de um dos casais de Sexo, amor e traição, de Jorge Fernando |
TRECHO
“A experiência de elaboração audiovisual é complexa. O que conduz naturalmente o espectador a diferentes sensações ou emoções é objeto de rigorosa construção, fruto de trabalho coletivo, em que o diretor de arte tem papel relevante ao conferir identidade visual à obra, contribuir com a formação de atmosferas visuais distintas em cada cena ou passagem, imprimir características plásticas marcantes a cada personagem e cenário.”
. Vera Hamburger, em Arte em cena...
SAIBA MAIS - Vera Hamburger
Em 1989, Vera Hamburger se formou em arquitetura e urbanismo. A estreia no cenário artístico ocorreu em 1985, como colaboradora nas áreas de cenografia e figurinos de leituras dramáticas de Roda viva e O homem e o cavalo, de José Celso Martinez Corrêa. A primeira direção de arte de cinema assinada por ela foi em O beijo 2348/72 (1987), dirigido por Walter Luís Rogério. Entre seus trabalhos mais conhecidos estão Menino maluquinho, o filme (1994), Castelo Rá-tim-bum, o filme (1989), Carandiru (2003) e Salve geral (2009). Vera trabalhou em diversas óperas e montagens teatrais, entre elas o monólogo Uma noite na lua (1998), com Marco Nanini, que lhe rendeu o Prêmio Mambembe.
ARTE EM CENA
>> A direção de arte no cinema brasileiro
>> De Vera Hamburger
>> Edições Sesc/Senac, 420 páginas, R$ 218
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