Valor Econômico 29/12/2014
Marina some, Dilma não explica um ministério que não caiu bem e Aécio fala o que não deve: não vamos bem de líderes
Neste momento deveríamos, como se faz nos balanços otimistas divulgados
em dezembro, afirmar que 2014 foi um "grande ano". Mas não dá para dizer
isso em política. Se tomarmos os três candidatos que somaram mais de
90% dos votos válidos no primeiro turno presidencial, o que dizer? Dilma
Rousseff já indicou metade do ministério, mas começa seu segundo
mandato com o gabinete mais criticado desde a democratização de 1985.
Nem José Sarney e Fernando Collor, que deixaram a Presidência com
péssima imagem, iniciaram seus governos com ministros mais contestados
do que os de Dilma 2015. Do lado da oposição, as coisas não vão melhor.
No dia mesmo da diplomação da candidata eleita, o PSDB pediu a anulação
dos sufrágios de quem não votou em Aécio - o que só não será ridículo se
for o preparativo para um golpe judiciário. Finalmente, Marina Silva
repete o que fez (ou não fez) na eleição anterior, isto é, em vez de
fazer crescer o número notável de seus eleitores, um quinto da população
brasileira, some.
Se os três principais candidatos conseguem se
afastar tanto do que seria uma atuação política consequente, como
querer que o eleitorado goste da política? Como querer, a situação, que
ele defenda o governo? Como querer, a oposição, que ele se mobilize para
cobrar mudanças de rumo? Claro, nesta altura cada um procura defender
seu candidato. Os tucanos dirão que o pedido insensato de cassação dos
votos não tucanos foi só uma formalidade.
Esquecerão que o
próprio Tribunal Superior Eleitoral, que em 2008 cassou os governadores
do Maranhão (do PDT) e da Paraíba (do PSDB), substituindo-os pelos
candidatos rejeitados pelo povo, na página mais escura da democracia
brasileira, se envergonhou disso e desde então evita ofender a essência
da democracia, que é respeitar a vontade do povo expressa pela maioria.
(De todo modo, seu julgamento de 2008 deu sobrevida de seis anos ao clã
Sarney, até que o eleitorado maranhense o derrotou este ano, pela
segunda vez). O mínimo a dizer, que já é grave, é que com o
recurso-tapetão o PSDB tentou o "se colar, colou".
No caso de
Marina, quatro anos atrás ela teve o apoio só do Partido Verde, que
nunca se consolidou no país, não passando às vezes de linha auxiliar do
PSDB. A Rede Sustentabilidade é mais forte do que era ou é o PV. Mesmo
assim, ao terminar a segunda eleição em que Marina obtém a mesma (alta)
porcentagem de votos, a líder sai de cena ao findar a contagem. De novo,
cede ao PSDB o papel de oposição - e isso num momento crucial, em que
deveria fidelizar os eleitores que mobilizou. Duas vezes, Marina
conseguiu um resultado eleitoral notável: com pequena estrutura
partidária e pouco tempo na televisão, falou ao idealismo, ao desejo de
mudança da sociedade. Lavrou em campo parecido ao do jovem PT.
Os finalistas de 2015 nada dizem ao povo
Parece
provável que seu sonho seja o de retomar a trajetória de Lula,
valendo-se inclusive de uma história de vida com elementos semelhantes à
dele - a origem pobre, a garra, o carisma, a vontade de retirar o país
de uma opção entre dois polos talvez superados. Mas, quando perde, entra
no vazio.
Só que na política, como se sabe, qualquer vácuo é prontamente ocupado.
Na
verdade, as mulheres que disputaram a Presidência com chances de se
eleger optaram agora pelo silêncio. Marina, derrotada, não procurou
manter, nas semanas cruciais após o segundo turno, um lugar na esperança
política brasileira. Ela até podia ter apoiado Aécio (embora eu veja
nesse apoio um erro político), mas como - para a Rede - ele só era a
opção conjuntural por um mal menor, Marina e os seus deveriam logo
depois da eleição retomar a bandeira da terceira via. Não o fizeram.
Marina
se cala, mas Dilma, vitoriosa, não fala. Poderia e deveria ter-se
explicado aos eleitores. Vejo muitos simpatizantes de Dilma se sentindo
obrigados a encontrar, eles próprios, as razões (dela) para nomear um
ministério que não os entusiasma. Chega a ser tocante o esforço de
alguns para explicar as nomeações - a busca de uma base sólida no
Congresso, o apelo a políticos testados nos Executivos estaduais.
Tocante, porque esse deveria ser o trabalho da eleita e de seus
colaboradores próximos. Ela mesma deveria esclarecer de público por que
escolheu uma equipe econômica como esta, e por que, na metade do
ministério até agora anunciada, o realismo prevalece sobre o idealismo.
Não é impossível explicar isso, mas é preciso fazê-lo. Esse trabalho, um
líder não terceiriza.
Se Marina erra por ter cessado a pregação
logo no momento de derrota, que é quando se fortalecem os ânimos para
construir o futuro, e Dilma por considerar a vitória como dada, isso
depois de vencer nas urnas mas com sérias feridas junto à opinião
pública, do outro lado Aécio fala demais. As mulheres se calam, o homem
fala. O problema é que ele só fala a radicalização. O risco é falar sem
dizer.
O melhor sinal de que Aécio erra por excesso está numa
conversa de que ele nem fez parte, mas que ilustra um exagero
oposicionista: quando Miriam Leitão questionou Alckmin por chamar Dilma
de "presidenta" e o governador respondeu que trata as pessoas como elas
preferem. Uma resposta de mera educação, prosaica até, mas que devolve a
política ao chão. Seria preciso levar a birra política a ponto de
brigar até por nomes, assunto menor mas que se tornou pomo de discórdia?
Talvez as duas formas de fala, a comedida de Alckmin e a exaltada de
Aécio, anunciem a disputa interna no PSDB pela indicação para 2018.
Mas,
neste momento, o que precisamos é que os três principais políticos que
disputaram a Presidência falem ao povo - e lhe digam algo importante.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail rjanine@usp.br