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domingo, 7 de julho de 2013

Vanessa Barbara

folha de são paulo

É gente pra caramba


"Sábado" me representa.
O filme de 1995, dirigido por Ugo Giorgetti, é até hoje um dos melhores retratos da diversidade paulistana, sobretudo em momentos de curiosidade e de grandes provações.
No longa, uma agência de publicidade vai ao Edifício das Américas, no Centro, para gravar um comercial de perfume. Um dos elevadores quebra, e a multidão começa a se aglomerar no saguão. Alguns dão palpite nas filmagens, outros aplaudem fervorosamente; surgem um vendedor de raspadinha e um homem-placa com os dizeres: "Compro ouro".
Ilustração Catarina Bessell
Um grupo se ajoelha para pedir ao Todo-Poderoso que dê um jeito no elevador "para que as pessoas subam para os seus desígnios na casa do Senhor". O pregador brada: "É a quinta vez que este elevador nos coloca à prova".
Há um casal de sem-teto, um punk, uma quiromante, uma grã-fina com um cachorrinho, um zelador bêbado e um pessoal tocando baião.
Presa no elevador, uma publicitária de classe média se vê obrigada a dividir o espaço com um mano pançudo de gorrinho, dois funcionários do IML (Instituto Médico Legal) e um cadáver, singelamente chamado de "podrão".
Enquanto isso, na casa de máquinas, dois "técnicos" (o Zecão e o Bahia) tentam consertar o mecanismo, ligando aleatoriamente o 8D no N19. "Cuidado que é força trísica", dizem.
Quando o problema elétrico se resolve, os populares aplaudem e alguém comenta: "O que não é a instrução, hein?".
Em certo momento do filme, um dos papa-defuntos observa, referindo-se à publicitária: "Quando é que ela ia se dirigir para a gente na rua? Mas viu como é que é a vida? De repente ela colocou a gente aqui junto".
Foi essa buliçosa mistura que testemunhei na Virada Cultural e nas manifestações que tomaram a cidade nas últimas semanas. São Paulo como um gigantesco elevador pifado, em que uns reclamam que queriam estar no terraço "comendo umas carne", e outros já se habituaram a ficar de pé ao lado do podrão.
Na Virada Cultural, vi senhores de sobretudo esperando um concerto de jazz enquanto assistiam ao final do show do rapper Rappin' Hood.
Havia ambulantes oferecendo drinques na bandeja como se estivessem numa festa chique; outros cobravam R$ 10 pela dose de uísque ou faziam churrasco num fogareiro. O "tio do guarda-chuva" e o comerciante autônomo de bebidas são os microempreendedores mais presentes nos congraçamentos populares.
Durante os protestos, vi um menino com o cartaz "vendo Palio 98" e algumas patricinhas parando no meio da passeata para tirar fotos de si mesmas fazendo biquinho.
Entoado por milhares de concidadãos, o melhor grito de guerra --em adaptação livre para omitir o palavrão-- não rimava e nem tinha propósito: "O povo/ Unido/ É gente pra caramba".
Vanessa Barbara
Vanessa Barbara, jornalista, cronista e tradutora, assina coluna de crítica de TV. É autora de "O Livro Amarelo do Terminal" (Ed. Cosac Naify, Prêmio Jabuti de Reportagem) e "O Verão do Chibo" (Ed. Alfaguara, com Emilio Fraia). É editora de "A Hortaliça" (www.hortifruti.org) e colaboradora da revista "Piauí". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".

Vanessa Barbara

folha de são paulo
O Hamlet dos quelônios
Menino que vende trufas por Paraty é o protagonista real de uma sórdida trama shakespeariana
Incógnito entre os escritores e intelectuais, Leonardo é o protagonista real de uma sórdida trama shakespeariana que envolve dissimulação, traição e vingança. O menino, de aproximadamente 11 anos, anda pelas ruas de Paraty vendendo trufas que "são mais gostosas do que parecem".
Quem vê de longe não imagina a contundência de sua história, desenvolvida soberbamente num arco narrativo que durou cinco minutos.
Onisciente, ele sempre soube que sua antiga babá não era uma pessoa boa, embora o aparentasse. "Ela fritou a minha tartaruga", acusa, "e eu soube disso porque instalei uma câmera".
A ex-babá defendeu-se dizendo que o quelônio fugiu e que ela não conseguiu apanhá-lo, mas a desculpa era inverossímil e as imagens, incontestáveis. Como todo bom arquétipo de herói, Leonardo transformou o incidente em cruzada. "Já faz uns dois anos que me dedico a fazer da vida dela um inferno", declara.
Demitida, a assassina de quelônios virou professora da turma dele. Botar cola na cadeira da docente e bagunçar os papéis da aula é o mínimo que os justiceiros mirins costumam praticar contra a vilã: "Um dia ela cochilou na aula e acordou de ponta-cabeça", garante.
Outra passagem dramática desta Flip ocorreu na Tenda dos Autores, pouco antes da conferência de abertura sobre Graciliano Ramos. Seguranças barraram a entrada de uma sofrida cadela manca, que tinha um olhar literário e talvez fosse uma reencarnação da cachorra Baleia, de "Vidas Secas".
Defensor dos aflitos, Leonardo não se pronunciou sobre o assunto. Especula-se que o dinheiro das trufas seja empregado em atividades clandestinas voltadas à reparação de crueldades aleatórias.
Leonardo é o herói trágico do ano.

    sexta-feira, 5 de julho de 2013

    Cenas do capítulo 11 - Vanessa Barbara

    folha de são paulo
    VANESSA BARBARA
    As lendas e fofocas correm soltas, feito subtramas de um romance russo, durante todas as edições da Flip
    Cada Flip traz em si todas as edições anteriores, como um livro que você adora reler, mas que por vezes até se arrepende de abrir.
    Na primeira, em 2003, dizem que o romancista norte-americano Don DeLillo foi visto nas ruas de Paraty tentando vender uma bola de beisebol usada (a anedota é boa, mas carece de veracidade).
    No mesmo ano, Julian Barnes aprendeu a dizer "paralelepípedo" e o historiador Eric Hobsbawm foi flagrado comprando paçocas.
    Em 2004, Chico Buarque fez um gol "de letra" no goleiro e eletricista Nanã em partida contra um time local. Na plateia, Paul Auster confessou desconhecer as regras do esporte. O trocadilho da vez decorreu da insólita aparição de um apresentador de televisão, que logo ganhou a alcunha de "Gugu Literato".
    As lendas e fofocas correm soltas, feito subtramas de um romance russo: Arnaldo Jabor acusou uma professora de stalinista, um grilo cruzou o palco, Zuenir Ventura foi chamado de Saramago e Humberto Werneck disse "períneo".
    A escritora americana Toni Morrison andou de charrete na Flip 2006 e Simon Schama dançou "Thriller" com uma camisa aberta até o umbigo, em 2009. Dois anos depois, James Ellroy circulou com a mesma camisa amarela florida. Já o jornalista Gay Talese levou uma mala cheia de ternos.
    Lembro de, uma vez, ficar presa numa mesa de restaurante em que Xinran e Ma Jian discutiam violentamente em mandarim, enquanto suas moquecas esfriavam no prato.
    Este ano, na 11ª Flip, quem já virou assunto foi Gilberto Gil, que, no show de abertura, propôs a criação de um "carnê-Copa" para os desfavorecidos. A ideia era comprar ingressos de partidas da Copa do Mundo e abrir um crediário para os pobres. Cada Flip tem sua mitologia própria, reviravoltas e tropeços memoráveis.

      segunda-feira, 20 de maio de 2013

      A cidade precisa sentir menos medo e dançar mais forró

      folha de são paulo

      OPINIÃO
      VANESSA BARBARACOLUNISTA DA FOLHAQuem não se dispôs a tirar os glúteos do sofá para participar de alguma atração da Virada Cultural ficou com a impressão de que, durante a madrugada, São Paulo entrou em estado de sítio: dezenas de arrastões, assaltos e violência nas ruas do Centro.
      Os paulistanos intimidados perderam muita coisa. A começar pela melhor atração da Virada este ano: uma banda de heavy metal tocando freneticamente na sacada de um apartamento no largo do Arouche, nos intervalos dos shows oficiais. Inúmeras senhoras que aguardavam a entrada de Sidney Magal acabaram batendo cabeça e bamboleando ao som do misterioso trio. "Esta música vai para a barraca de yakisoba", gritou o vocalista, emitindo um refrão de urros guturais.
      Quem ficou em casa perdeu também o "palco do bafão", em frente ao Copan, onde um animado público GLS viu atrações de cabaré, dança afro, ópera de monstros, pole dance e apresentações no alto de um guindaste.
      Foi lá que o cantor Thiago Pethit convidou o pastor Feliciano a "borrar o batom da minha boca", sob os gritos de "seu lindo!". Duas velhinhas que vieram para ver Agnaldo Timóteo, uma delas brandindo a bengala, não perderam a chance de sacolejar com as músicas de Pethit, que unem rock com chanson française, folk, pop, dance e outros estilos. Havia muitos bebês e uma aglomeração de garis.
      "Todo mundo é feliz na virada", exclamou uma moça. Ainda que o show esteja atrasado em quase três horas (como foi o caso do jazzista norte-americano Lonnie Liston Smith) e a única bebida disponível seja uma garrafa de vinho tinto com xarope e fermentado de maçã.or.
      Conforme o tempo passa, sobem os índices de lixo no chão, garrafas de vidro quebradas, gente vomitando e elementos bêbados abordando os passantes, bem como brigas e confusões. Mas crescem também as dancinhas, a cantoria e a alegria sem motivo, como um grupo que se dedicava a fazer voar chapéus e cachecóis sobre uma saída de ventilação, maravilhados com o milagre da levitação.
      A "Off-Virada" contou com um baile funk improvisado num canto da avenida Rio Branco (o "Paredão do Juninho"), uma trupe de índios equatorianos tocando flauta na Barão de Itapetininga e dois conjuntos distintos de heavy metal nas proximidades da avenida São João.
      As ruas do centro lotadas às três da manhã, o metrô funcionando de madrugada e rappers sambando "" a cidade precisa de menos medo e mais forró. Ainda que eu não goste de forró.

        domingo, 12 de maio de 2013

        Vanessa Barbara

        folha de são paulo

        Questões delicadas


        - São bem moles, sim, mas em caso de acidente aguentam até quatro toneladas.
        O ônibus parou no congestionamento e a moça decidiu que era hora de falar do assunto. Trabalhava como representante de uma empresa de próteses de silicone e estava sentada no banco próximo à catraca. Quando o coletivo parou de andar, sacou o celular e ligou para uma cliente.
        - Oi, aqui é a Solange da Ultrasilicone. Consegui as próteses que você me pediu de 350 ml, né?
        É difícil saber por que ela resolveu ter essa conversa específica naquele momento, com tamanho requinte de detalhes. Seja como for, o cobrador e os passageiros do 508-L tiraram imediatamente os fones do ouvido e se voltaram àquela direção.
        - Olha, desse tamanho grande tem muita procura. Antes as pacientes só pediam de 200 ml e 250 ml, mas agora o que pedem mais é 300, 350 até 375.
        Ilustração Catarina Bessell/
        É um tamanho de busto considerado grande, padrão californiana-loira-de-maiô-vermelho.
        - Porque depois da cirurgia o volume desincha e a pessoa acaba ficando decepcionada, né? Você está certa, é sempre bom escolher maior para não se arrepender depois. Vai fazer a cirurgia quando, no dia 6 de junho? Acho que vai trocar os
        curativos na semana seguinte Não, não sei.
        Você pode deixar o cheque comigo esta semana.
        Então o ônibus parou em definitivo no trânsito e, para a sorte dos passageiros, a moça resolveu elencar as particularidades da prótese.
        Era um material de extrema quali-dade e de origem francesa, como todos podíamos apurar.
        - Você não vai ter problemas com essa. Tem garantia vitalícia. Nunca tivemos que trocar, quer dizer, só uma vez, para uma cliente que tinha o a prótese muito velha. Mas você teve sorte, uma paciente de Santos desistiu e aí acabou sobrando.
        O cobrador olha com cara de espanto. A moça desanda a falar da consistência do produto, que a propósito não racha, não vaza, não deforma e não fica murcho.
        - Você vai amar. E esse é o preço mínimo que te passei, mas faço em duas vezes. Foi um sufoco conseguir, sabe. Quer anotar a conta para fazer o depósito?
        Ela passa todos os dados necessários, nome, CNPJ, telefone, e diz que a paciente pode ligar a qualquer momento, mesmo fora do horário comercial. Imagine que tipo de emergência mamária pode vir a acometer a interlocutora.
        É uma das inegáveis vantagens do celular: poder compartilhar assuntos delicados de sua vida com o maior número de pessoas indiferentes ao tema. De peito aberto, arrisco dizer.
        - São bem moles, sim, mas em caso de acidente aguentam até
        quatro toneladas. A gente gosta de dizer que eles até salvam vidas!
        Vanessa Barbara
        Vanessa Barbara, jornalista, cronista e tradutora, assina coluna de crítica de TV. É autora de "O Livro Amarelo do Terminal" (Ed. Cosac Naify, Prêmio Jabuti de Reportagem) e "O Verão do Chibo" (Ed. Alfaguara, com Emilio Fraia). É editora de "A Hortaliça" (www.hortifruti.org) e colaboradora da revista "Piauí". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada".

        segunda-feira, 22 de abril de 2013

        Vanessa vê Tv - Vanessa Barbara

        folha de são paulo

        Despedida
        Aquele momento em que acaba a luz no meio da novela e todos ficam no escuro, sem ter o que fazer; alguém vai procurar uma lanterna e outro acende uma vela para iluminar não se sabe o quê.
        É o instante em que alguém abre um livro, liga o radinho de pilhas, resgata um volume de palavras cruzadas, telefona para a Eletropaulo e descobre que a luz só vai voltar lá pelas três da manhã. Os vizinhos decidem sair à rua, alguns de meias, e há quem se proponha a trazer umas cadeiras enquanto as crianças rolam no chão e comem terra.
        A janta é esquentada no fogão, em banho-maria, e as novidades da rua são compartilhadas num telejornal participativo que termina com um adolescente botando fogo num bombril e girando --um espetáculo pirotécnico severamente punido pelos pais. Alguém barbudo aparece com um violão. Um tiozinho já meio bêbado começa a recitar poesia, sendo ardorosamente aplaudido quando se esquece dos versos originais e passa a inventar.
        O banho é decretado opcional e a calçada já está cheia de brinquedos, cobertores, tabuleiros de xadrez, uma roda de pôquer à luz de velas, um par de patins e um pessoal que conta histórias de terror sobre um bairro sem luz que é sitiado por zumbis.
        Já são 23h30 quando alguém decide ir ao banheiro e descobre que a luz voltou, sabe-se lá há quanto tempo --um segredo que decide guardar para si, pelo menos até terminar a pipoca.
        -
        É chegada a hora de sabotar os disjuntores e desligar a tevê puxando a tomada: depois de 153 crônicas e quase três anos de tendinite provocada pelo constante manuseio do controle remoto, esta coluna deixa de ser publicada hoje, antes que os leitores inadvertidamente cochilem ou mudem de canal.
        A partir deste domingo irei transmitir diretamente da revista "sãopaulo", onde revezarei com Fabrício Corsaletti na cobertura dos principais assuntos da cidade --ou nem tão principais assim. Na verdade, um tanto quanto aleatórios.
        Foi um prazer dividir este espaço com vocês, continuem enviando mensagens alvissareiras, sugestões, protestos, ameaças e ofensas em geral.
        Deixo aqui um agradecimento especial para Águeda Horn, a competente ilustradora deste espaço, que não reclamou nem uma vez dos assuntos mais abstratos e me desenhou com o cabelo azul.
        Fiquem agora com nossa próxima atração, "Flor do Caribe". Boa noite.

          segunda-feira, 15 de abril de 2013

          Monty Python carioca - Vanessa Barbara

          folha de são paulo

          VANESSA VÊ TV
          Começou com uma sátira ao restaurante Spoleto, no qual os clientes precisam escolher oito acompanhamentos para o macarrão. No vídeo, divulgado pela internet, uma moça é pressionada por um atendente neurótico, que grita: "Milho, presunto, o que mais? O que mais?".
          Apavorada, ela pede pimentão ("Ai, meu Deus, odeio pimentão"). "Ervilha, quer mais o quê? Fala!" A moça responde, chorando: "Eu só queria almoçar". E o atendente: "Ninguém mandou vir almoçar no inferno".
          Produzido pelo grupo humorístico Porta dos Fundos, o quadro fez enorme sucesso e foi adotado como propaganda da própria empresa, numa corajosa e bem-sucedida ação de marketing.
          A trupe, fundada pelos comediantes Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Antonio Tabet, Luis Lobianco e Clarice Falcão, entre outros, posta vídeos inéditos todas as segundas e quintas-feiras num canal exclusivo do YouTube.
          São curtos esquetes de temática absurda e humor nonsense, com um quê de Monty Python. Os melhores trazem um sotaque carioca de classe média totalmente fora de lugar.
          Em alguns dos roteiros, Moisés discute com Zaqueu e sua turma o conteúdo das tábuas da lei ("Dez Mandamentos"), uma torcida organizada acompanha uma reunião da firma ("Torcedores"), e dois guerreiros escoceses comentam a falta de quórum numa batalha. "Vou aproveitar e resolver umas coisas, tenho um perrengue ali em Camelot, mas eu volto, tá? Vai segurando aí o pessoal."
          "Assembleia Geral" aborda uma reunião de condomínio na ala nove da penitenciária Bangu 1. Na pauta, o andamento das obras do túnel subterrâneo e sugestões de nova data para a rebelião. Em "Trago a Pessoa", um funcionário é designado para buscar e entregar pessoas amadas em três dias. Já em "Van", um homem conta como pretende levar a família a Miami usando milhas, sobretudo agora que a viação Itapemirim entrou para a Star Alliance.
          "Eu faço Galeão""Guarulhos, Guarulhos""Campinas, Campinas""Belém, Belém""Bogotá, Bogotá""Cidade do México, aí depois a balsa direto. Meu filho, o Luquinha, vai de Saveiro até Cuiabá, e de lá tentamos pegar carona por um site de compras coletivas."
          Ao fundo, o cobrador do lotação grita: "Belém, Bogotá, Miami, via Rezende". Bem distantes do humor forçado da televisão, a turma da Porta dos Fundos promete aos fãs um mundo "repleto de fantasia, diversão, aventura e possíveis processos cíveis e criminais".

            segunda-feira, 8 de abril de 2013

            Vanessa Barbara

            folha de são paulo

            Yada Yada Yada
            Uma das características mais curiosas da memória é quando ela teima em reter coisas que não são nossas e nem sequer são relevantes.
            Por exemplo, toda vez que eu vejo alguém fritando bolinhos me lembro de uma história absolutamente sem graça que aconteceu com uma amiga: alguns acepipes explodiram na frigideira e ganharam o apelido de "bolinhos Bin Laden". Não tem importância e nem foi comigo, mas me recordo com nitidez.
            Há uns anos, eu e minha mãe evocamos um episódio pitoresco e ficamos dias tentando descobrir quem era o protagonista da história. Eu? Ela? Então percebemos que aquilo estava num livro e acontecera com o Sting.
            O mesmo vale para episódios de séries, cenas de novela ou bordões de personagens que compartilhamos como se tivessem acontecido conosco.
            Na hora de fazer um pedido no restaurante, por exemplo, alguém pode citar "Friends" e dizer que "Joey não divide comida". Na outra ponta da mesa, o primo de um amigo de um conhecido exclama: "Lembra quando ele tirou um garfo do bolso e começou a comer um troço do chão? E quando a Rachel fez pavê de carne porque as páginas do livro estavam grudadas?".
            Pode parecer que estamos falando de algo que ocorreu com o grupo.
            A memória compartilhada da TV pode aproximar desconhecidos e afastar bons amigos que não conhecem "Seinfeld" e não entendem por que estes pretzels estão me dando sede.
            Quando alguém pergunta o que vamos fazer hoje, provavelmente será "o que fazemos todas as noites, Pinky: tentar dominar o mundo". Quem ignora o desenho "Animaniacs" vai ficar boiando.
            Um jantar pessimamente executado logo é rebatido com a frase: "Amigo, junte suas facas e vá embora", como no reality show de culinária "Top Chef". Se algo estranho acontece, a música tema de "Arquivo X" é entoada em coro. Em caso de gripe, a sugestão é sempre uma punção lombar. E o diagnóstico, lúpus. Como em "House".
            Às vezes a citação cai no vazio: "Justamente quando pensei que tinha escapado, eles me puxaram de volta", imita alguém, e é preciso explicar que se trata de uma menção a "Família Soprano", que por sua vez tirou as palavras de Michael Corleone.
            Há até quem conte uma história como se fosse sua, confundindo detalhes e descartando a fonte até que alguém diga: "Isso não aconteceu com o seu primo em Jaguariúna, cara. Foi com o Bob Esponja e um molusco que luta caratê".

              segunda-feira, 18 de março de 2013

              Vanessa Barbara

              folha de são paulo

              Sigam aquele inhame
              Nunca tinha visto "Community" (Sony, quartas, às 17h30, e sábados, às 14h30) até ser atraída pelo episódio "Basic Lupine Urology", eleito o melhor capítulo de comédia de 2012 pelo site TVLine.
              A série aborda um grupo de adultos desajustados numa faculdade comunitária na cidade de Glendale, Colorado. Uma das peculiaridades da atração é o uso de metalinguagem em paródias cinematográficas e televisivas, e o episódio acima é um belo exemplo.
              O capítulo segue os clichês de séries policiais na investigação do assassinato de um inhame, experimento de biologia que foi covardemente arremessado e pisoteado.
              A cena do crime é lacrada e uma das alunas, fã de histórias policiais, destaca dois colegas para a investigação: "Encontrem testemunhas, estabeleçam a hora da morte, descubram o motivo e me tragam um suspeito. Vocês têm 48 horas antes que a trilha esfrie. Comecem pela última pessoa a ver o inhame vivo".
              Troy e Abed passam a agir como uma dupla de detetives durões. Munidos de frases de efeito, invadem um asilo para interrogar o velhinho responsável por regar a planta, que, pressionado, confessa que não chegou a fazê-lo. Seu álibi, considerado plausível pelos investigadores: "Adormeci tomando um solzinho".
              No laboratório, uma mulher faz a autópsia do legume e diz que "o cilindro vascular foi totalmente desintegrado". Abed pergunta: "Alguma possibilidade de ter sido natural?", e ela ri: "Para um inhame ficar assim, é preciso mais do que gravidade. Precisa de uma bota".
              Por trás do vidro de um aquário, na sala de interrogatório, o aluno designado para ser o "tira mau" perde o controle e brada: "Não faz sentido! Ketchup é um condimento!", dando um soco na parede.
              Na sequência, há uma perseguição em que ambos gritam: "Saiam da frente! Não somos policiais!".
              O episódio é bem encadeado e cheio de reviravoltas. Na hora de deter um suspeito, os policiais recitam: "Todd, você tem o direito de fazer o que quiser. Nada do que disser ou fizer poderá ser usado contra você, mas realmente gostaríamos que viesse, por favor e obrigado".
              Naturalmente, há um julgamento, quando os policiais afirmam que concordaram em omitir uma informação por motivos de "promessa do mindinho". O episódio tem cortes ousados, diálogos divertidos e cenas excêntricas. Será exibido na próxima quarta-feira, no canal Sony.

                segunda-feira, 11 de março de 2013

                A melhor série de TV - Vanessa Barbara

                folha de são paulo

                VANESSA VÊ TV
                VANESSA BARBARA vanessa.barbara@uol.com.br

                Por 12 anos, David Simon trabalhou como repórter policial para o jornal "Baltimore Sun", nos EUA. Escreveu um livro-reportagem sobre homicídios e outro sobre o tráfico de drogas na cidade, este em parceria com o ex-policial Ed Burns.
                Tais experiências formam a base da série "The Wire" ("A Escuta"), exibida de 2002 a 2008 pela HBO e considerada por muitos críticos a melhor série dramática da televisão. ("Família Soprano" e "Breaking Bad" viriam logo em seguida.)
                Na atração, um destacamento policial investiga o tráfico de drogas em Baltimore por meio de escutas telefônicas e vigilância intensiva.
                Formado por agentes da área de narcóticos (Kima Greggs), homicídios (Jimmy McNulty) e almoxarifado (Lester Freamon), o obstinado grupo tem de enfrentar entraves burocráticos e políticos na perseguição de seus alvos.
                A série não se limita a isso: desde o início, retrata detalhadamente os personagens das ruas, de chefões como Avon Barksdale e Stringer Bell a pequenos traficantes como Dee Barksdale, Bodie Broadus e o viciado Bubbs. Com destaque para o matador homossexual Omar Little.
                A partir da segunda temporada, outras variáveis surgem e são desenvolvidas em paralelo: a corrupção do sindicato e o contrabando no porto (ano dois), o jogo de influências na política (ano três), a educação (quatro) e, por fim, a imprensa (cinco). Nenhuma instituição sai incólume.
                Na visão amarga de Simon, os indivíduos são encurralados pelos organismos sociais de que fazem parte, sejam eles escolas ou gangues.
                "The Wire" tem roteiros excepcionais. Realistas, pesados e cínicos, incluem diálogos memoráveis, como no episódio em que Dee ensina os amigos a jogar xadrez usando metáforas do tráfico. Ou quando Stringer começa a estudar macroeconomia para impulsionar os negócios.
                Simon e Burns contaram com a colaboração de três pesos-pesados da literatura policial contemporânea: os escritores George Pelecanos, Richard Price e Dennis Lehane, que assinam vários episódios. A trilha sonora também é invejável (Tom Waits, The Pogues e Johnny Cash).
                Não há recapitulação das cenas anteriores, nenhuma condescendência nas explicações e é comum confundir-se os personagens até a série engatar, o que costuma ocorrer lá pelo quinto episódio.
                A trama é violenta e complexa. Não teve boa audiência nos EUA, e não chegou a ser lançada em DVD no Brasil.

                  segunda-feira, 4 de março de 2013

                  Vanessa Barbara

                  folha de são paulo

                  Discursos desencontrados
                  Todos os domingos, às 14h, a emissora católica RedeVida veicula um "game show" para crianças, no qual escolas competem para ver quem sabe mais sobre o esporte bretão.
                  Bancado pela Federação Paulista de Futebol (FPF), "Futebol e Criança" traz perguntas e respostas sobre atletas, times e estatísticas -"Qual o resultado de São Paulo vs. Mirassol na abertura do Paulistão 2013?" "Qual o apelido do ex-jogador Pepe, do Santos?"
                  Nervosas, as crianças têm de adivinhar o que acontece em lances exibidos no telão, participam de um jogo da memória e passam por provas de habilidade, como bater pênaltis e fazer embaixadinhas.
                  Em edições recentes, dirigentes e atletas do time sub-20 do São Caetano foram convidados para chutar ao gol. Uma reportagem exibiu o cotidiano de um técnico "talentoso e promissor, profissional competente e um ser humano da melhor qualidade". A matéria conclui: "Muito sucesso e felicidade para sua carreira e sua vida".
                  No programa, árbitros, atletas e preparadores físicos são convidados a falar sobre "a importância do futebol para o corpo, a mente, a vida pessoal e cultural de nossas crianças". Pregam princípios esportivos como "disciplina, aceitação do outro, sociabilidade, respeito às regras e convivência familiar".
                  Ainda de acordo com o release da atração, a FPF, na figura de seu presidente Marco Polo del Nero, pretendeu criar um programa que abordasse "o futebol como esporte, saúde e principalmente formador de cidadãos". Fala-se em referência de comportamento, superação e dedicação necessárias para o jovem que pretende enveredar pelos caminhos do esporte.
                  Trajada com vestidos curtos e shorts apertados, a apresentadora é a modelo e jornalista Carolina Galan.
                  Ela é namorada de Marco Polo del Nero, presidente da Federação e vice da CBF, que em novembro foi alvo de uma investigação da Polícia Federal sobre um grupo especializado na quebra de sigilo telefônico, bancário e fiscal.
                  Segundo a Folha, o dirigente teria contratado detetives para vigiar Carolina e descobrir se ela estava sendo mesmo uma referência de comportamento para os jovens. Usou computador, e-mail e telefone da instituição.
                  Recentemente Carolina foi um dos destaques no desfile da Escola de Samba Vai-Vai. Integrou a ala "Liturgia", que falou da importância da Igreja na produção de vinhos e a bebida nos rituais religiosos.

                    segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

                    Vanessa Barbara

                    folha de são paulo

                    Tem um bicho na sua nuca
                    Sabe-se que a televisão é boa companhia. Há quem more sozinho e ligue o aparelho todos os dias, ao voltar para casa, apenas para se sentir menos solitário. Outros, mesmo com amigos na sala, não conseguem deixar de prestar atenção na tela, interrompendo conversas só para ouvir melhor.
                    Em 2004, um psicólogo comportamental da Universidade da Califórnia descobriu que os depressivos podem se beneficiar com uma boa dieta de rostos televisivos pela manhã. Segundo Seth Roberts, os rostos precisam ter tamanhos reais e estarem à distância de uma conversação normal.
                    É como se a TV fosse uma substituta do contato com as pessoas e conferisse ao espectador benefícios para o humor similares aos da socialização tradicional.
                    Nesse sentido, há uma categoria de espectadores ainda pouco estudada, mas digna de nota: a do cara que conversa com a TV. Levando ao extremo sua cotidiana interação com os pixels, ele responde às angústias da figura na tela, censura duramente as piadas, discute, discorda, agride. Socializa, enfim, com sua Telefunken.
                    A relação que se tem com a telinha vai da personalidade de cada um.
                    Eu, de minha parte, costumo ceder a apartes jocosos. "Não diga!", é o comentário diante de uma afirmação óbvia da apresentadora do telejornal, que garante que houve muita tristeza num funeral ou que o melhor jeito de poupar é não gastando.
                    Gosto de adivinhar o gracejo final das reportagens (tenho grande talento nessa área) e inventar chamadas mais interessantes: "No próximo bloco: como saber se seu hamster está possuído? E mais: os gols da rodada".
                    Há quem responda às perguntas dos shows de prêmios, decifre charadas, dê boa noite ao âncora e não se contenha ao ser instigado por um programa infantil. (Noutro dia, o Agente Urso me perguntou onde estava a bola azul do nenê, e eu respondi: "Não sei! Não sei! É muita pressão.")
                    Também faço questão de avisar o mocinho de que o bandido está vindo por trás com uma foice. Em filmes, aliás, sou do tipo participativo: me espanto com as atitudes do protagonista, antecipo acontecimentos e ofendo o elenco inteiro pela péssima atuação.
                    Conheci uma vez alguém que, entediado, gostava de inserir dublagens e diálogos inventados por cima das novelas -não me lembro quem era, mas sei que a temática aludia a pastéis.
                    E que as versões ficavam melhores do que os originais.

                      segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

                      Vanessa vê TV - Vanessa Barbara

                      folha de são paulo

                      Papa Tudo por Dinheiro
                      A Igreja Católica precisa se adaptar aos novos tempos. Nada mais justo que o próximo papa seja escolhido não por um conclave secreto de cardeais na Capela Sistina, mas durante um reality show transmitido pela Globo em Jacarepaguá, com provas de resistência, câmeras no banheiro e voto dos espectadores.
                      Seguem as regras:
                      A Prova do Camerlengo irá eleger o líder do grupo, responsável por mandar um dos participantes para a excomunhão. A audiência terá direito a escolher um anjo para a absolvição da semana, baseada em critérios como: carisma, fofura, autoridade sacra e firmeza do coraçãozinho com as mãos.
                      O Próximo Papa no Poder, ou PPP Brasil, não terá momentos de tédio. No comando, Pedro Bial promete submeter o Sagrado Colégio a testes relacionados aos sete pecados capitais, com os comentários do padre Marcelo e as bênçãos de representantes da umbanda, judaísmo, budismo e ateus.
                      Passistas da Estação Primeira de Mangueira serão convidadas a sambar na noite da luxúria, patrocinada por uma marca de cerveja. No domingo da gula, quem comer três ou mais hóstias está fora. Bial ficará pessoalmente encarregado de suscitar a ira com seus textos edificantes.
                      Bancado por uma montadora, o teste de resistência física obrigará os competidores a passarem as matinas, laudes e noas sem tirar as mãos de um papamóvel.
                      Câmeras 24 horas transmitirão aos assinantes do pay-per-view a coloração da fumaça da chaminé, e os espectadores poderão enviar por SMS a frase "Habemus papam" para concorrer a prêmios em dinheiro.
                      Entre os momentos mais aguardados, destaca-se o voto do arcebispo Francesco Coccopalmerio na solidão do confessionário: "Não tenho muita afinidade com dom Odilo". Conhecido pelas habilidades gregorianas, o vicário de Cristo vencerá com boa margem o karaokê de cantos litúrgicos.
                      As provas de hagiografia, ortodoxia e fluência em latim seguirão o estilo "torta na cara". Quatro dos dez mandamentos continuarão em voga, sendo vetado o uso de Seu Santo Nome em vão. É o povo quem irá escolher o nome fantasia do pontífice, contanto que não recorra ao trocadilho fácil de Nicolau 11, o Papanicolau.
                      E por falar em obviedades, no que tange ao torneio de joquempô, fica proibida desde já a jogada Maria Madalena (pedra-pedra-pedra).
                      Em dia de excomunhão, sai da casa quem ganhar do público o maior número de pais-nossos e ave-marias.

                        segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

                        Vanessa Barbara

                        folha de são paulo

                        De tudo um pouco
                        NO AR há 12 anos, o "Le Haim!" (TV Aberta, sáb., às 19h) é uma espécie de "Programa Amaury Jr." da comunidade judaica. O empresário e apresentador Markus Elman faz a cobertura de eventos sociais, cerimônias e lançamentos. Entrevista personalidades com drinques na mão, que às vezes se cansam e trocam o peso das pernas sem deixar morrer o sorriso.
                        Com 60 minutos de duração, o programa possui quadros como "A Palavra do Rabino", no qual Michel Schlesinger fala sobre as tradições e convida especialistas em outras religiões, e o pitoresco "Humor Judaico", com piadas sobre a lojinha do Jacó e o cãozinho da dona Sara.
                        Recentemente o "Le Haim!" registrou um ato solene em homenagem a outra atração voltada ao público israelita, o "Shalom Brasil" (TV Aberta, sáb., às 21h).
                        No ar há 17 anos, o "Shalom Brasil" é variado e procura seguir uma linha jornalística com reportagens sobre cultura judaica, artes, espetáculos, política e comportamento.
                        Numa mesma edição, registrou a cerimônia de doação de um "Sêfer Torá" para a sinagoga do Morumbi e a semana de esportes radicais na colônia de férias do rabino Noach.
                        Num quadro sobre dicas de moda, a empresária Yaffie Begun reiterou: não há contradição entre beleza e "tzniut" (recato ou modéstia da mulher judia). Ela indicou uma blusa marrom sem mangas para usar por baixo de um vestido e falou sobre a questão da peruca.
                        Segundo a tradição ortodoxa, as mulheres casadas devem cobrir o cabelo natural com uma peruca ("sheitel"), às vezes confeccionada com porções do próprio cabelo. A empresária mostrou alguns modelos com cachos e advertiu que é preciso deixar o acessório nas mãos de um profissional gabaritado, pois "peruca não cresce".
                        O rabino Shamai Ende explicou a proibição de tatuagens segundo a Torá, e houve uma longa entrevista sobre a nova quadra de squash do clube Hebraica.
                        A tríade sagrada da mídia judaica se completa com outro programa muito apreciado, o "Mosaico na TV" (TV Aberta, qua., às 21h). A produção é caprichada e lembra a de um telejornal, com repórteres em Israel e gráficos explicativos.
                        Exibido ininterruptamente há 51 anos, o "Mosaico na TV" foi eleito pelo "Guinness Book" o programa mais antigo da televisão brasileira.
                        A mesma emissora exibe "Negros em Foco", "Arena Sertaneja", "Seicho-No-Ie" e "TV Nikkey", além de um programa só para diabéticos e outro para espíritas.

                          segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

                          Odeio goiabada. Adoro o metrô

                          folha de são paulo

                          VANESSA VÊ TV
                          VANESSA BARBARA vanessa.barbara@uol.com.br
                          "The Tube" (ou "The Underground") é um interessante documentário em seis partes sobre o metrô de Londres -que em janeiro completou 150 anos de existência.
                          Produzido pela BBC e exibido no Brasil pela BBC HD (segundas, às 21h), o programa acompanha os funcionários e passageiros deste que é um dos maiores sistemas de transporte do mundo, com 270 estações e 402 km de extensão.
                          É uma reportagem extensa e divertida que revela "um mundo subterrâneo jamais visto", com depoimentos de condutores, varredores, supervisores de estação, bilheteiros, paramédicos e técnicos. Há funcionários designados para perseguir ratos, espantar pombos e acordar passageiros na estação final. "Estou em Morden? Sério? Como vim parar aqui?", indaga um sonolento rapaz.
                          No primeiro episódio, os coordenadores de estação lidam com o aumento de passageiros. "Gosto de trabalhar na sala de controle. É como um jogo de estratégia: distribuo funcionários onde é necessário, mantenho o pessoal em movimento", declara um deles.
                          No segundo, agentes da fiscalização investigam passageiros que usam o sistema sem pagar, e as câmeras exibem o depósito de Achados e Perdidos.
                          Há um episódio só sobre suicídios e o fardo psicológico enfrentado pelos condutores; outro sobre a hora do rush, as grandes falhas que interrompem o serviço e os trabalhadores da madrugada.
                          "Anunciamos que é proibido consumir bebidas alcoólicas no metrô. Este aviso em particular é para o cavalheiro de jaqueta marrom na linha central sentido oeste."
                          Num grande momento da série, o condutor Dylan Glenister sai em defesa de sua linha predileta. "Às vezes, reajo mal quando a criticam. Dizem que os trens daqui estão caindo aos pedaços, mas, enquanto as outras linhas fecham para a manutenção, qual linha está sempre aberta? Piccadilly. A única e perfeita Piccadilly."
                          Segundo ele, as outras linhas estão cheias de "caras metidos". "Olhe só para mim", ele imita, "trabalho na Metropolitan, venho de Amersham e atravesso a cidade. Já os da Circle dizem: 'Ah, você não vale nada, eu dou uma volta completa em Londres, blá-blá-blá'".
                          E explica: se a linha central é como uma bibliotecária sisuda, a "Pic" é um amigo fiel que fala pouco. "Olha só os 'rostos' desses trens, parece que estão sorrindo."
                          Para Dylan, quando o assunto é metrô, "ou você ama ou você odeia. É como goiabada. Detesto goiabada, mas adoro o metrô".

                            segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

                            Vanessa vê TV

                            FOLHA DE SÃO PAULO

                            O mundo em câmera lenta
                            Fui cair no programa "A Supercâmera" (Time Warp) por acaso, durante uma madrugada particularmente enfadonha. A atração é exibida em diversos horários nos canais Discovery e consiste em mostrar eventos ordinários (uma gota d'água caindo, uma bailarina girando, um tiro de revólver) sob a perspectiva de uma câmera sensível de alta velocidade.
                            Dessa forma, o espectador pode acompanhar -frame a frame- como se comportam as diversas variáveis envolvidas no voo de um beija-flor, por exemplo. Parece sonífero, mas não é.
                            Primeiro porque o narrador é irônico e vai pontuando as experiências com observações sarcásticas. (O dublador brasileiro, Valvênio Martins, é excelente.)
                            A dupla de apresentadores é formada por um cientista do MIT, Jeff Lieberman, e um especialista em câmeras de alta velocidade, Matt Kearney. Assim como os "Caçadores de Mitos" ("Ilustrada", 17/12/2012), ambos sempre procuram terminar o trabalho com explosões.
                            Em determinado episódio, eles forçam um taco de beisebol até quebrá-lo, o que demora um bocado. Em outro, decidem triturar coisas num liquidificador -começam com amendoins de chocolate e terminam com isqueiros, só para ver o aparelho pegar fogo. "Como ganhar de um liquidificador em chamas?", indaga o narrador, antes do segundo bloco. "Simples: malabarismo com motosserras."
                            Uma das especialidades de "A Supercâmera" é filmar talentos incomuns, como o recordista mundial de arremesso de cartas de baralho, uma campeã de sinuca e um malabarista.
                            Este começa com três pinos, passa para sete e depois para tochas. Então decide radicalizar. "Por sorte, a única coisa que nosso seguro cobre é desmembramento acidental por malabarismo com motosserras", observa o narrador.
                            Num dos episódios mais curiosos, eles testam as leis de Newton com a ajuda de um praticante de "parkour" (corridas e saltos pelas paredes), revelando passo a passo como dissipar o impacto das acrobacias.
                            O "gran finale" é quando Jeff e Matt resolvem dançar e pular corda numa piscina de maisena. As cenas em câmera lenta de ambos correndo sobre a superfície viscosa são impressionantes, com toda a tensão da substância semilíquida resistindo ao peso dos apresentadores feito matéria sólida -exceto quando Jeff perde o equilíbrio e afunda.
                            "Todo mundo devia experimentar isso no quintal", comenta o narrador, invertendo a lógica do "não faça isso em casa".

                            segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

                            Vanessa vê TV

                            FOLHA DE SÃO PAULO

                            VANESSA BARBARA vanessa.barbara@uol.com.br
                            Órfãos de séries
                            Pouco antes de "Lost" acabar, uma amiga me confidenciou: "Não sei o que vai ser da minha vida depois de maio".
                            O vazio deixado pelo fim de séries de TV é um fenômeno psicológico ainda pouco estudado. Devastado, o paciente apresenta sintomas de abstinência, "delirium tremens" e uma sensação de perda impossível de ser preenchida por reprises.
                            Entre as séries que mais deixaram órfãos ao longo da história estão: "Arquivo-X", "Família Soprano", "24 Horas", "A Sete Palmos" e "Friends". Segundo pesquisa da Universidade do Estado de Ohio, os fãs que desenvolvem maior ligação com os personagens são os que mais sofrem.
                            O estudo, conduzido pela pesquisadora Emily Moyer-Gusi, apelidou o fenômeno de "efeito Seinfeld", a partir da sitcom que terminou em 1998. Há alguns aspectos do relacionamento com personagens fictícios que são comparáveis a relacionamentos reais. Por isso, quem assiste à televisão para não se sentir só é quem fica mais aflito com o término de um programa.
                            Uma das dimensões mais traumáticas desse tipo de luto é o fim da expectativa das terças-feiras, como no caso de "Lost". Antes, os fãs passavam a madrugada aguardando o novo episódio aparecer na rede, baixavam sem demora e assistiam o quanto antes. Depois, nem aulas de sapateado ou partidas de gamão fizeram desaparecer a angústia da perda.
                            A dimensão do vazio pode ser medida pela quantidade de cópias que a atração acaba inspirando.
                            Para substituir "Lost", muitas novidades surgiram no mercado, sem o mesmo sucesso: "Fringe", "Fast Foward", "The Event". No lugar de "Friends", "The Big Bang Theory" e "How I Met Your Mother".
                            Recentemente fiquei órfã de "House" e adiei ao máximo a exibição dos últimos episódios de "Monk", num caso típico de negação. A mera ausência de três séries em recesso já me causa imenso pesar: "Doctor Who" (que volta em abril), "Breaking Bad" (julho) e "Sherlock" (só no Natal).
                            Depois da negação, vem a raiva e a indignação: por que justo "Prison Break"? Então, segue a depressão, quando se fica zapeando no sofá, sem rumo.
                            A fase seguinte é a da negociação ou barganha: entrar nos fóruns e promover abaixo-assinados pela volta da série; assistir a reprises e comprar a caixa com todas as temporadas.
                            É quando surge a aceitação: não tem mais jeito. O melhor é começar a se divertir com "Lei e Ordem: Especial Vítimas de Séries Finadas".

                              segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

                              Vanessa vê Tv - Vanessa Barbara

                              FOLHA DE SÃO PAULO

                              A calopsita contra-ataca
                              Muitos leitores escreveram para comentar a coluna "Crimes contra a audiência" ("Ilustrada", 10/12/2012).
                              Marcelo Avelar de Mello diz que o descaso da Globosat com a série "Code 37" foi o mesmo que se viu em relação à premiada "Downton Abbey". Durante a primeira temporada, os episódios eram repetidos aleatoriamente e exibidos fora de ordem.
                              Desde que houve a mudança de nome do canal para +Globosat, não se teve mais notícia da atração. "Como não existe site, ficamos sem saber de nada", reclama. Ainda assim, as propagandas continuavam prometendo a segunda temporada para novembro.
                              Maria Cecilia Porto Venturini esperou dois sábados à toa. "Sem explicação, o canal começou a exibir outra série, e creio que nem era o início."
                              No fim de novembro, "Downton Abbey" foi transferida para o canal GNT, e, em abril, será retomada desde o primeiro episódio.
                              "A Globosat não tem o mínimo respeito pelo telespectador e faz o que quer sem avisar ninguém", escreve Maria Conceição Ciorlia, que acompanhava uma série escandinava de suspense chamada "The Bridge". Assistiu a todos os capítulos, que passavam às segundas, às 22h. "Pois não é que, no último episódio, eu toda entusiasmada para saber o desfecho, eles colocam no ar um tal de Festival de Cinema, com direito a comentários pós-cerimônia?". A série só foi ao ar por volta da meia-noite.
                              Fã do "Late Show with David Letterman", Sebastião Costa possui caneca e moletom da atração. Gravava o programa no GNT até que a emissora suspendeu a atração -que migrou para a Record News e de lá também evaporou. Já Paulo Schwarz era espectador assíduo de "Code 37" e nos escreveu para contar o final. Conseguiu localizar o último episódio por meio da busca de programas da Sky.
                              Acompanhar séries pela TV a cabo brasileira é uma tarefa inglória. Alfredo Couto diz que é comum as legendas desaparecerem do nada e episódios serem reprisados sem pudor. Há casos em que a programação não confere com a prevista, isso sem falar no abuso de comerciais.
                              Ele presume que as próprias emissoras "não devem acompanhar o que transmitem, nem o que está acontecendo com a transmissão, como se colocassem no automático e deixassem rolar". Ganha força a teoria da calopsita ("Ilustrada", 13/3/2011), pobre animal solitário que passa as tardes no estúdio de transmissão e põe a fita para rodar no primeiro dia de cada mês.

                                segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

                                Vanessa vê TV

                                FOLHA DE SÃO PAULO

                                Mandingas de sofá
                                Poucos sabem, mas o Corinthians foi campeão mundial graças ao meu pai. É que, no meio do jogo, ele viu que estava com a bermuda do avesso. Levantou-se do sofá para tomar providências, mas naquele momento o time alvinegro se lançou ao ataque, o que foi claramente um sinal.
                                Com o sangue-frio de quem cumpre um dever, meu pai não só manteve o lado errado da bermuda como se sentou no chão, num canto da sala conhecido como "o lugarzinho da sorte".
                                Ele profetizou: "O Corinthians vai marcar daqui a cinco minutos. Emerson, no contra-ataque". Passados 24 minutos, Paolo Guerrero abriu o placar com um gol de cabeça. "Não falei?"
                                Em outra ocasião, a seleção brasileira venceu uma partida só porque, após o primeiro tento, meu pai passou 42 minutos de pé, com um dos chinelos calçado e o outro largado no meio da sala, no local exato em que estava quando se deu o lance.
                                Quando o adversário ataca, não há quem deixe de fazer uma mandinga na frente da tevê, gritando "xô!" três vezes e berrando ordens para o zagueiro. Se a pressão continua, é hora de mudar de canal. Alguns falam diretamente ao juiz ou gritam com o técnico, cientes de sua influência numa partida que está ocorrendo a 18 mil quilômetros de distância.
                                Há quem vista a mesma roupa durante todo o campeonato e só aceite assistir ao jogo numa determinada emissora, com a televisão no "mudo". A rotina doméstica tem de ser a mesma das vitórias anteriores. Em certas ocasiões, é preciso manter os dedos cruzados por trás das costas durante toda a duração da peleja, por mais que se tenha cãibra quando o jogo vai para a prorrogação.
                                Ninguém pode passar na frente do aparelho durante uma cobrança de falta. Tapar os olhos nos piores momentos costuma ser uma "uruca" eficaz para minar a autoconfiança dos rivais. Sem dúvida, há fluidos supersticiosos que emanam do espectador dedicado, adentram a tevê por mística osmose e influem no andamento da partida, por mecanismos que todo barbeiro compreende.
                                Na decisão por pênaltis da Copa de 1994, o Brasil ganhou porque meu pai estava escondido na lavanderia, ouvidos tampados. Muita gente se recusa terminantemente a assistir cobranças de pênaltis, por razões nervosas e por medo de influenciar o momento crucial com algum pensamento indevido.
                                Tudo isso apesar do ditado: "Se macumba desse certo, o Campeonato Baiano terminava sempre empatado".

                                  segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

                                  Vanessa vê TV


                                  FOLHADE SÃO PAULO
                                  VANESSA BARBARA
                                  vanessa.barbara@uol.com.br
                                  Saúde para dar e vender
                                  Roteiro automático para os telejornais de hoje: começamos com a apresentadora entre empolgada e surpresa, entoando: "Já é Ano-Novo na Austrália". Surgem imagens da Ópera de Sidney e do espetáculo de fogos de artifício.
                                  Depois de algumas frases sobre a comemoração nas ruas da Oceania e flashes de nativos espocando champanhe, entra uma matéria sobre a corrida de São Silvestre e o cotidiano de treinos de um queniano na cidade. Direto do parque Ibirapuera, o repórter convence a pobre vítima a dizer: "Feliz Ano-Novo", em português, o que faz a âncora sorrir.
                                  Há uma notícia sobre calamidades climáticas em um país distante, que é prontamente equilibrada com uma matéria sobre como decorar sua mesa para o Réveillon.
                                  Se o programa é no dia seguinte, lá se vão cenas do primeiro bebê do ano e as previsões de um vidente para 2013. "Alguém importante vai morrer", ele garante. A apresentadora assume um ar sorumbático.
                                  Outro clichê doloroso é o Show da Virada, na Globo, com a presença de bandas que você achava que não existiam desde a década de 90. Este ano, teremos Claudia Leitte, Zezé di Camargo & Luciano, Skank, Paula Fernandes, Aviões do Forró, Sorriso Maroto, Thiaguinho, Latino, Banda Eva, Chiclete com Banana e Raça Negra.
                                  Saber que o especial é gravado com um mês de antecedência (este ano foi em 27 de novembro) dá sentido àquela euforia excessiva e artificial. Todo mundo de branco, pulando e gritando, em comemoração a uma prosaica terça-feira à noite.
                                  O mesmo acontece antes da contagem regressiva: dá para imaginar o produtor contando à distância e pedindo para repetirem porque o público não vibrou o suficiente, ou uma atriz estava com couve no dente. Vamos lá, é 2013 de novo: dez, nove, oito...
                                  E todos entoam aquela canção desejando "muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender" -que, aliás, não faz sentido, pois não dá para sair por aí doando ou comercializando vigor e robustez física, a menos que você esteja disposto a ceder um de seus rins.
                                  Ontem, o "Fantástico" exibiu "imagens emocionantes" de brasileiros no momento em que receberam suas melhores notícias do ano, como a alta do hospital, a confirmação da gravidez ou a aprovação num novo emprego.
                                  Tudo minuciosamente fabricado para fazer o espectador se emocionar.
                                  Ou o contrário: ele enfim se cansa das mesmas coisas, desliga a tevê e vai passar mais tempo com a família.