domingo, 28 de outubro de 2012

Pichações 'poéticas' viram febre nas ruas


Intervenções aparecem em orelhões e placas

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cada vez que um sujeito passa pela rua Wizard, na Vila Madalena (zona oeste de São Paulo), depara-se com uma pergunta, escrita num orelhão: "Você já abraçou alguém hoje?". E não é só lá.
A frase tem sido espalhada por orelhões, muros, postes e até em ônibus em quase todas as regiões da cidade.
É escrita de forma bem simples: um canetão atômico preto e em letra cursiva.
"Eu não abracei ninguém", responde a faxineira Edicleide Santos, 40, ao passar pela mensagem. "Nunca tinha parado para ver. A frase é bonita", diz, observando o orelhão.
"Mais amor, por favor", "Pire" e "Permita-se" são outras frases encontradas pelas ruas de São Paulo. Elas estão em muros, placas de trânsito, lixeiras e postes de luz.
Parte dessas mensagens é feita por anônimos, mas também há trabalhos de coletivos de arte como Vamo pra Rua e Mais Amor, Por Favor.
PARE OU PIRE?
Como as pichações que conhecemos, essas novas intervenções urbanas são feitas sem permissão da prefeitura e às vezes atrapalham a cidade.
A placa de trânsito "PARE", por exemplo, virou "PIRE" na rua Armando Pinto, no Alto de Pinheiros. A brincadeira pode confundir os motoristas.
A CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) diz que, por causa de depredação, troca cerca de 1.200 placas por mês em toda a cidade, a um custo mínimo de R$ 90 mil. Mas não sabe informar quantas são trocadas especialmente por causa de pichação.
Artistas têm outra opinião. "Acho que pode atrapalhar, mas faz parte do jogo urbano. É muito pouco provável que o motorista olhe para a placa e pire de verdade", brinca Carlos Inada, produtor cultural.
Outras mensagens podem ter até utilidade pública, como a "Watch your steps" (observe seus passos), escrita em escadas. Mas isso não é unanimidade. "É um alerta, mas não acho que seja arte", diz o espanhol Albert Turbina, 25, ao passar pela rua Aspicuelta.
A novidade também está na internet, em páginas como a Instagrafite e "As Ruas Falam", na rede social Pinterest.
(AMANDA KAMANCHEK)


Intervenções urbanas dividem especialistas
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Grafiteiros, arquitetos e urbanistas se dividem quando o assunto é intervenções urbanas por meio de grafites e pichações. Há quem defenda que elas ajudam na "humanização" da cidade.
"O cotidiano da metrópole coloca as pessoas numa apatia. E as intervenções causam uma surpresa, fazem com que elas percebam que a cidade tem uma dimensão humana", diz Kazuo Nakano, 41, urbanista do Instituto Pólis, uma ONG que trabalha com estudos, formação e assessoria em políticas sociais.
Outros são a favor das manifestações, mas com ressalvas. "Não se pode dizer que tudo é tolerável", diz Valter Caldana, 50, diretor da FAU-Mackenzie. "Vira e mexe temos pichações de patrimônios públicos de grande importância", critica.
"Não gosto de ver as ruas do Rio rabiscadas por ninguém. Daí que detesto tanto as pichações quanto esses horrendos grafites", diz o escritor Ruy Castro, 64, colunista da Folha.
AVAL PÚBLICO
Hoje em dia, obter autorização para fazer um grafite numa cidade como São Paulo não é tarefa tão árdua.
"Já conseguimos aprovação [da prefeitura] em menos de cinco dias", conta Leandro Ogalha, 31, produtor do coletivo Intervenções.
Segundo a Prefeitura de São Paulo, "a Lei Cidade Limpa prevê instrumentos que ordenam a paisagem urbana, o grafite ou qualquer outra expressão da chamada arte de rua".
A responsável por aprovar o grafite é a CPPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana), prevista pela Lei Cidade Limpa, em conjunto com as subprefeituras.
Quando se trata de uma intervenção numa propriedade privada, o pedido tem de ser feito para o proprietário. Sem autorização, as intervenções podem ser consideradas crimes ambientais e resultar em pena de até um ano de prisão.
"Um cara que só faz trabalho autorizado é um artista plástico. Não é grafiteiro", diz Rui Amaral, 51, que faz grafites desde os anos 1970.

FRASE
"Um cara que só faz trabalho autorizado não é grafiteiro"
RUI AMARAL
artista plástico e grafiteiro

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