Ailton Magioli
Estado de Minas: 17/11/2012
Ao reunir os cantores Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai, na década de 1980, para gravar Cantoria, que resultaria em dois aclamados discos, o produtor musical carioca Mário de Aratanha provavelmente não imaginava o desdobramento da série em outras, entre as quais Cantadores, que reúne hoje, no Teatro Sesc-Palladium, Chico César, Elomar, Saulo Laranjeira e Xangai.
“O propósito de Elomar, ao retomar o formato, é comemorar a qualidade da música regional brasileira e o sucesso do Centro Cultural Casa dos Carneiros, que ele criou em Vitória da Conquista (BA), onde o projeto estreou no mês passado”, afirma o cantor Saulo Laranjeira. Elomar e Xangai, vale lembrar, são os dois únicos remanescentes do projeto original. Belo Horizonte será a primeira capital brasileira a receber o espetáculo, depois da cidade baiana.
Então proprietário da Kuarup Discos, que encerrou as atividades em 2009, Mário de Aratanha captou, em plenos anos 1980, o potencial da música regional que, se não vende milhares de cópias, como continuam querendo as combalidas gravadoras, consegue reunir centenas, e às vezes, milhares de pessoas, em concertos e shows.
Adquirido pela multinacional Sony Music, o acervo da gravadora independente carioca vem ganhando reedições que continuam atraindo a atenção do público consumidor. A primeira Cantoria, gravada ao vivo no Teatro Castro Alves, de Salvador, por exemplo, ganhou nova tiragem em CD, em setembro.
Do canto renascentista às cantigas do Nordeste brasileiro, passando pelo cancioneiro ibérico, Cantadores se propõe a resgatar os feitos e cantos dos menestréis, poetas errantes, aedos e rapsodos, com direito inclusive a clássicos da MPB, como Serra da Boa Esperança, de Lamartine Babo, Romaria, de Renato Teixeira, e O violeiro e Cantiga de amigo, de Elomar.
Filho do cantador baiano Elomar, o jovem cantor, violonista e maestro João Omar de Carvalho Mello, que assina a direção musical do espetáculo, abre a apresentação interpretando Mia irmana fremosa, de Martin Codax, para evocar o cancioneiro medieval que, como ele faz questão de lembrar, acabou se espalhando pelo mundo. Inclusive no Brasil, onde as mesmas características são encontradas nos cantadores da diversas regiões do país.
Viola e violoncelo Por ordem de entrada, estarão em cena no novo show Xangai, Chico César, Saulo Laranjeira e Elomar, que, depois de apresentações solo, se reunirão no palco, ao fim do espetáculo. Além de acompanhar Saulo Laranjeira e Elomar ao violão, João Omar também toca violoncelo com Chico César. Apesar de Cantadores remeter ao show Cantoria, como espaço celebrado com o momento do canto, o maestro admite que o objetivo não é refazer o projeto de Mário de Aratanha.
“O nosso projeto vai variar, inclusive, o quadro de artistas no decorrer da temporada”, observa João Omar, salientando que a ideia de Elomar é convidar artistas como o violonista Marcelo Melo, do Quinteto Violado, além de Amelinha e Elba Ramalho, entre outros. De acordo com Xangai, quando do primeiro encontro, em Salvador, na década de 1980, em que se apresentou ao lado de Elomar, Geraldo Azevedo e Vital Farias, foi ele quem batizou o show como Cantoria.
“Era o nome mais indicado para nós, que falamos a língua ‘brasilerança’”, justifica, admitindo que a cantoria é a herança de toda cultura que temos, desde a colonização. “Antes de os portugueses chegarem aqui já havia uma língua, uma língua miscigenada”, repara Xangai. O cantor e compositor salienta que o que distingue nossa língua, portanto, são os variados sotaques que ela apresenta Brasil afora..
“Tenho lembrança do impacto que a Cantoria proporcionou em quem gosta de música regional. Foi uma coisa muito forte”, lembra Saula Laranjeira. Na época, Vital Farias, por exemplo, era desconhecido do grande público. Assim como Xangai, que também teve oportunidade de mostrar o seu trabalho. “O impacto foi muito grande: foi forte, envolvente e marcante. A química dos quatro era incrível, a ponto de eles receberem reconhecimento de público e de crítica”, completa Saulo, feliz por integrar o grupo de Cantadores.
CANTADORES – CHICO CÉSAR, ELOMAR, SAULO LARANJEIRA E XANGAI
Grande Teatro do SESC-Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro. Hoje, 21h. Ingressos na bilheteria – R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia-entrada), primeiro lote, e pelo ingresso.com. Informações: (31) 3279-1500.
O mestre
Considerado um dos mais importantes compositores brasileiros, Elomar (foto) não gosta de dar entrevistas e se mantém concentrado na criação de sua obra musical e poética. Morador de Vitória da Conquista, mais especificamente na região rural do município baiano, retirado em uma fazenda, depois de vários discos de canções, como Das barrancas do Rio Gavião e Na quadrada das águas perdidas, passou a se dedicar à composição de óperas, antífonas e outras peças eruditas. De uns anos para cá, vem se preocupando também com o registro de sua obra. Produzida por um grupo de músicos mineiros, a caixa Cancioneiro, com livro e coleção de partituras de 48 canções para violão e voz, é o primeiro passo nesse sentido.
Para pontuar a questão do cantor e do cantador no espetáculo, Elomar utiliza texto da ensaísta e professora Jerusa Pires Ferreira, em que ela apresenta uma visão histórica dos trovadores, desde a chegada deles ao Brasil até a própria obra do cantador baiano. Da própria lavra, Elomar apresenta texto no qual mostra que o cantor, então, não necessariamente cantava. “Ele também recitava, a exemplo de Castro Alves, que se tornou conhecido como o cantor dos escravos, além do próprio rei Davi com seus cantos”, lembra João Omar.
Considerado um dos mais importantes compositores brasileiros, Elomar (foto) não gosta de dar entrevistas e se mantém concentrado na criação de sua obra musical e poética. Morador de Vitória da Conquista, mais especificamente na região rural do município baiano, retirado em uma fazenda, depois de vários discos de canções, como Das barrancas do Rio Gavião e Na quadrada das águas perdidas, passou a se dedicar à composição de óperas, antífonas e outras peças eruditas. De uns anos para cá, vem se preocupando também com o registro de sua obra. Produzida por um grupo de músicos mineiros, a caixa Cancioneiro, com livro e coleção de partituras de 48 canções para violão e voz, é o primeiro passo nesse sentido.
Para pontuar a questão do cantor e do cantador no espetáculo, Elomar utiliza texto da ensaísta e professora Jerusa Pires Ferreira, em que ela apresenta uma visão histórica dos trovadores, desde a chegada deles ao Brasil até a própria obra do cantador baiano. Da própria lavra, Elomar apresenta texto no qual mostra que o cantor, então, não necessariamente cantava. “Ele também recitava, a exemplo de Castro Alves, que se tornou conhecido como o cantor dos escravos, além do próprio rei Davi com seus cantos”, lembra João Omar.
O convidado
Mais jovem cantador entre os quatro reunidos no espetáculo, o paraibano Chico César (foto), atual secretário de Estado da Cultura da Paraíba, diz que a influência que Elomar, Saulo Laranjeira e Xangai têm sobre ele é notável. “Não apenas pela questão estética, mas ética também. Todos nós temos um jeito cantar a partir da visão de um lugar”, justifica. “Mesmo que seja um extraviado no meio, parto de um território”, diz o cantor, natural de Catolé do Rocha, no sertão. Lisonjeado com o convite de Elomar para participar do projeto, Chico diz que o cantador baiano é uma referência para ele, como criador de uma linguagem. “Elomar é uma prova de que nem tudo é tropicalismo na MPB”, destaca o cantor, lembrando que Elomar criou um lugar e um tempo para a obra dele existir.
Oriundo de região onde, como faz questão de lembrar, se aboia bastante – não por acaso ele abre o disco de estreia, Aos vivos, de 1995, com o aboio Béradêro – Chico vem de uma área onde o repente, a música modal, também tem presença forte. “Em Cantadores eu estou em casa. Sou o primo mais novo, me sinto à vontade”, conclui o cantor, compositor e instrumentista.
Mais jovem cantador entre os quatro reunidos no espetáculo, o paraibano Chico César (foto), atual secretário de Estado da Cultura da Paraíba, diz que a influência que Elomar, Saulo Laranjeira e Xangai têm sobre ele é notável. “Não apenas pela questão estética, mas ética também. Todos nós temos um jeito cantar a partir da visão de um lugar”, justifica. “Mesmo que seja um extraviado no meio, parto de um território”, diz o cantor, natural de Catolé do Rocha, no sertão. Lisonjeado com o convite de Elomar para participar do projeto, Chico diz que o cantador baiano é uma referência para ele, como criador de uma linguagem. “Elomar é uma prova de que nem tudo é tropicalismo na MPB”, destaca o cantor, lembrando que Elomar criou um lugar e um tempo para a obra dele existir.
Oriundo de região onde, como faz questão de lembrar, se aboia bastante – não por acaso ele abre o disco de estreia, Aos vivos, de 1995, com o aboio Béradêro – Chico vem de uma área onde o repente, a música modal, também tem presença forte. “Em Cantadores eu estou em casa. Sou o primo mais novo, me sinto à vontade”, conclui o cantor, compositor e instrumentista.
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