sábado, 17 de novembro de 2012

Ciência-Árvore limpa solo ameaçado por mineração - Felipe Canêdo‏

Metal que pode colocar em risco a saúde é absorvido pela raiz do angico-vermelho, planta presente no cerrado e na mata atlântica. Espécie foi descoberta por pesquisadores da UFMG 

Felipe Canêdo
Estado de Minas: 17/11/2012 04:00
O angico-vermelho (Anadenantera peregrina), uma brava espécie de árvore brasileira, presente tanto na mata atlântica quanto no cerrado, pode ser a redenção de áreas castigadas pela mineração e contaminadas pelo metaloide perigoso chamado arsênio, que não tem cheiro nem gosto, mas é agressivo e pode ocasionar graves problemas respiratórios e de pele e levar à morte. A planta é capaz de reduzir em até 80% a quantidade da substância no solo e pode se tornar um vegetal estratégico para promover o reflorestamento de matas ciliares e de locais comprometidos pela exploração continuada do ouro, que muitas vezes apresentam forte presença de arsênio.

A descoberta foi feita por uma equipe coordenada pela bióloga e professora do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria Rita Scotti Muzzi, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Semad), quando pesquisavam a Mina do Morro Velho, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Segundo ela, o local, explorado de forma sistemática desde 1834, tem diversas aglomerações de rejeitos – as chamadas pilhas de estéril – que poluem o solo e também a água do Córrego Água Suja, afluente do Rio das Velhas que passa dentro da cidade, se tornando um risco potencial para a população.

Os acadêmicos notaram que o angico era uma das poucas espécies arbóreas que floresciam com vigor ao longo do córrego e resolveram testá-la. “Observamos que haviam poucas espécies com essa capacidade. Fizemos testes com o angico e com outras duas, e nos surpreendemos, porque ele cresce na presença do arsênio”, ressalta Maria Rita. De acordo com a professora, a perspectiva que se abre é fantástica, porque o vegetal armazena a substância maligna em sua raiz e não em suas folhas, como ocorre com outras árvores, as chamadas “hiperacumuladoras”. Essa capacidade do angico-vermelho permite que se tracem planos de manejo para reflorestar áreas contaminadas utilizando diversas espécies nativas e diminuindo os riscos de ingestão e inalação do metaloide. Também é possível recuperar a qualidade da água de rios, pois eles poderão ter suas matas ciliares recuperadas onde atualmente o solo é muito contaminado por arsênio.

“Um problema, se o arsênio fosse sequestrado para as folhas e não permanecesse nas raízes, seria seu retorno muito rápido ao solo. O angico armazena o metaloide em sua raiz e é uma planta nativa que tem crescimento rápido. Ele é tudo de bom”, destaca a bióloga. De acordo com ela, alguns locais estudados na Mina do Morro Velho tinham até 27 mil miligramas da substância por quilo de solo. “Isso é um índice altíssimo”, afirma. A concentração do arsênio, no entanto, é heterogênea ao longo dos rios que cruzam Nova Lima.

Outra espécie que está sendo testada com a mesma finalidade é a conhecida como murundu, que ainda não foi observada em campo, como foi feito com o angico. A chamada sangra-d’água também foi pesquisada mas não deu bons resultados. O projeto dura cinco anos e deu origem a duas teses de mestrado na UFMG, de Marina Lage e de Marcelo Pedrosa.
Gustavo Gazinelli, representante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos da Semad, lamenta que o uso de tecnologias que reduzam os impactos ambientais da mineração não seja mais difundido. “Acho que o uso do angico-vermelho pode ser bom, mas geralmente as técnicas que poderiam ser usadas são evitadas porque custam mais caro”, destaca. O ativista defende uma solução definitiva para a região e para esse tipo de contaminação ainda presente no setor minerário: “Que o ouro não seja mais explorado a céu aberto, como é feito na maioria dos casos, o que ocasiona muita poluição”, ressalta. Gazinelli acrescenta ainda que “o avanço no licenciamento de atividades minerárias é incompatível com o território mineiro, que não comporta mais o grande número de atividades impactantes a que é submetido”, afirma.
 
RECUPERAÇÃO DA BACIA 
DO RIO DAS VELHAS 

Desde 2004, a professora Maria Rita Scotti Muzzi trabalha em projetos ligados à recuperação da Bacia do Rio das Velhas, o maior afluente do Rio São Francisco. Ela acredita que sua descoberta sobre a atuação do angico-vermelho com substâncias pesadas pode contribuir muito para a recuperação das matas ciliares, e defende que o plantio da espécie pode alavancar a regeneração dessas áreas. “O Rio das Velhas tem a calha aberta, que não é muito profunda, e, por isso, ele precisa aumentar seu leito em época de chuvas”, ressalta.
A pesquisadora afirma que o Velhas, conhecido por ter áreas de intensa degradação ambiental, é “totalmente recuperável”. Segundo ela, “é possível e não há a menor sobra de dúvida”. Maria Rita conta que já percorreu vários pontos remotos do curso d’água e acrescenta: “Acredito que com boa vontade do governo e um programa de trabalho para que o rio seja repensado e os danos das enchentes sejam reduzidos”.


memória

Mina era uma das maiores do mundo

A Mina do Morro Velho, localizada no município de Nova Lima – na Região Metropolitana de Belo Horizonte –, é uma das mais antigas minas de ouro do Brasil. Ela começou a ser explorada no século 18, em 1725, pelo padre Antônio de Freitas. Os instrumentos usados por ele, no entanto, eram rudimentares, e somente em 1834, com a chegada da companhia inglesa Saint John Del Rey Mining Company, passou a ser explorada com tecnologia mais avançada, se tornando então responsável por boa parte da produção aurífera do Brasil. A Mina do Morro Velho foi uma das maiores minas de ouro do mundo, com cerca de 2,5 quilômetros de profundidade e 3,4 quilômetros de extensão. Hoje, é controlada por um grupo sul-africano que ainda explora o que restou de suas riquezas.

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