sábado, 17 de novembro de 2012

"Lançada em público e raso" - Walter Ceneviva


"Lançada em público e raso"
A presença do debate na TV tende a ser cada vez mais esclarecedora e a alargar a percepção dos direitos
O TÍTULO está entre aspas porque aproveita uma expressão antiga dos tabeliães, nas escrituras. Deixava claro o lançamento em seus livros, na forma da lei, do ato jurídico, diante de interesses livres e desimpedidos. Lembrei-me desse modo de dizer, porque as sessões de julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal), no tormentoso caso do mensalão, merecem que delas se diga que foram lançadas em público e raso, sob a direção segura do ministro Ayres Britto.
O leitor que viu os debates certamente não porá dúvida sobre a qualidade das opiniões de cada julgador ou julgadora. Quando as dissidências geraram mostras de irritação dos discordantes, foram legítimas e normais. Mesmo sendo os guardas da Constituição, os componentes do STF são, afinal, seres humanos, que, nessa condição cumpriram o dever de magistrados, às claras. A cultura e a formação profissional não afastam o ser humano, por trás da máscara da face, conforme lembrava o poeta.
A exibição, ao vivo e em cores, até no calor do debate vigoroso, mostrou a busca da justiça, em situações cheias de nuances. Quando houver um momento de irritação, na defesa sincera de suas convicções, o magistrado pode e deve ser enérgico, sob as normas vigentes. Por outro lado, o debate não incluiu palavras ofensivas, pessoalmente gravosas. Na dúvida, geraram pedido de desculpas.
Examinando problema do ponto de vista do telespectador, tem sido questionada a conveniência ou a não conveniência de continuar a transmissão dos debates pela TV. Sou inteiramente a favor de que a transmissão televisiva se mantenha. Acredito que seja a opinião da maioria, mas não tenho estatística a respeito. Se predominasse a linha oposta, constituiria forma de censura, vedada pela Constituição.
A presença do debate no meio eletrônico, pelas circunstâncias inerentes ao próprio debate e de seus personagens, tenderá a ser cada vez mais esclarecedora, com opiniões diversificadas e até opostas ante a diversidade dos temas, chegando à cidadania como seu direito intransferível. Será esse o resultado, mesmo quando uma parte da terminologia técnica afastar os que não a compreendam por inteiro a substância da discussão travada.
Alinho fundamental razão histórica para a tendência. Está em que os fatos da Justiça, ao longo dos séculos, sempre foram assunto estranho à maioria do povo. Assim foi mesmo nos países europeus, onde brotou nosso direito, conforme é conhecido. A cultura jurídica alargou mais e mais o número dos interessados no Brasil e tende a tornar homogênea a compreensão da lei aplicada em todo o território nacional.
Essa forma de informação da Justiça tem sido acolhida em várias partes do planeta. Sabe-se que, quando o poder não é concebido democraticamente, ela se presta para desvios, para a difusão conveniente ao poder dominante.
Na democracia, contudo, se poderá chegar até a nível razoável da participação da maioria do povo, uma vez que a transmissão televisiva é um veículo apto a encaminhar a percepção dos direitos fundamentais e dos modos de preservá-los e garanti-los contra aqueles que os ofenderem.
Para esse efeito, sempre que se lance -público e raso- o valor do direito discutido, será expandido o rol dos cidadãos beneficiados.

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