Paloma Oliveto
Estado de Minas: 14/11/2012
É comum espectadores chorarem durante um filme triste, mesmo sabendo que se trata apenas de ficção. O mecanismo é o mesmo que está por trás da angústia que um brasileiro sente ao ver fotografias de crianças feridas na guerra civil síria, apesar de viver a mais de 10 mil quilômetros de Damasco. Essa habilidade de se identificar com o outro e ser sensível aos sentimentos alheios é a empatia, um fenômeno estudado por filosofias, religiões e, mais recentemente, pela medicina. Lesões em determinadas regiões do cérebro podem explicar por que alguns indivíduos têm mais dificuldade em se colocar no lugar dos demais, algo que pode levar a comportamentos antissociais.
“Muitas evidências que temos a partir da neuroimagem sugerem que observar uma pessoa com dor, ou outro tipo de sentimento ativa em quem está vendo regiões do cérebro chamadas córtex insular anterior e córtex cingulado anterior. Mas até agora não tínhamos certeza sobre o papel que elas desempenham na empatia, nem se eram ‘necessárias’ para a percepção da dor alheia”, diz Patrick R. Hof, coautor de um estudo sobre o tema, publicado na revista Brain. A pesquisa, que avaliou pessoas saudáveis e com lesões cerebrais de diferentes tipos concluiu que a área mais ligada ao processo de empatia é o córtex insular anterior.
Neurologista do Hospital Mount Sinai, nos Estados Unidos, Hof afirma que o conhecimento das áreas exatas implicadas nesse processo pode ajudar a desenvolver tratamentos para pacientes que sofrem de doenças neuropsiquiátricas caracterizadas por déficits da interação social. “Agora que sabemos quais são os mecanismos cerebrais associados à empatia, podemos traduzir essas descobertas para tratar problemas como o autismo e a demência frontotemporal”, acredita.
Imagens Na pesquisa que permitiu conhecer melhor o funcionamento do processo de empatia, voluntários sem nenhum tipo de lesão e pacientes com danos cerebrais diversos foram expostos a imagens que sugeriam situações dolorosas ou sem sofrimento, mas em cenários idênticos. Um dos painéis, por exemplo, mostrava à direita a mão de uma mulher com dois dedos imprensados em uma gaveta. À esquerda aparecia a mesma mão, porém, apenas fechando a gaveta, sem se machucar. Apertando um botão, os participantes diziam se cada uma das imagens representavam ou não cenas de dor, em um espaço de tempo de quatro microssegundos. “Quando comparamos o grupo de controle às pessoas com algum tipo de lesão cerebral, verificamos que os participantes com problemas especificamente no córtex insular anterior demoravam mais para avaliar o estado emocional da pessoa com dor e sentir empatia por ela”, conta o neuropsiquiatra Xiaosi Gu, que trabalhou com os pesquisadores americanos realizando os mesmos testes no Hospital Tiantan, em Pequim.
O médico afirma que o déficit de empatia constatado em pessoas com lesões no córtex insular anterior são muito semelhantes aos observados em pacientes com distúrbio de conduta, esquizofrenia e transtorno da personalidade (borderline), entre outros. “Isso sugere que, por trás de muitas condições mentais, pode haver problemas nos circuitos de neurônios localizados nessa região”, afirma. “A rede cerebral envolvida nas funções sociais, geralmente chamada de ‘cérebro social’, é complexa e formada por diversas áreas, por isso a importância de delimitar qual está, basicamente, ligada à empatia e à falta dela”, diz. De acordo com ele, o córtex insular anterior está implicado em outos processos sociais, como o discurso verbal, a autoconsciência e a tomada de decisões complexas. “Um estudo com ressonância magnética funcional do qual participei há pouco tempo indicou que é nesse local do cérebro que cognição e emoções são integradas”, exemplifica.
Para Patrick R. Hof, encontrar os circuitos exatos relacionados à empatia é o primeiro passo na busca de tratamentos mais eficazes que estimulem essa habilidade em uma série de condições neurológicas e psiquiátricas. “Não é que eles não se importem com os outros; eles têm dificuldade em reconhecer a dor e o desconforto alheios. Acredito que terapia cognitiva e comportamental pode ser importante para compensar os déficits de empatia nesses pacientes. Mas nossas descobertas também abrem caminho para novas possibilidades. Um estudo que se concentre nos mecanismos celulares e moleculares envolvidos no circuito de neurônios do córtex insular anterior poderá desenvolver, por exemplo, novos fármacos que consigam regular distúrbios nessa região. Isso vai favorecer muito os pacientes”, aposta.
Psicopatia Desvendar as redes neurais implicadas diretamente com a empatia poderá ajudar a tratar até mesmo uma condição para a qual, atualmente, não há intervenções disponíveis: a psicopatia. De acordo com Michael Koenigs, psiquiatra da Universidade de Wisconsin que há muitos anos investiga esse misterioso distúrbio, nos psicopatas, as estruturas do cérebro que regulam o comportamento social e emocional — incluindo a habilidade de reconhecer a dor de outras pessoas — estão em descompasso.
Recentemente, Koenings realizou exames de imagem no cérebro de prisioneiros que cometeram crimes semelhantes. Vinte deles eram considerados psicopatas, a partir de avaliações psicológicas e entrevistas. O psiquiatra conta que nesses detentos as redes neuronais se comportam de maneira diferente não só das de cidadãos comuns, mas também quando comparadas às de presidiários que cometeram crimes tão cruéis quanto eles. “O aprofundamento dos estudos da relação entre empatia, impulsividade e disfunção cerebral é fascinante, pois pode ser a resposta para problemas que ainda não compreendemos. Sou otimista quanto à possibilidade de, pelo menos no caso dos psicopatas, encontrarmos um tratamento no futuro, graças aos testes neurológicos que têm sido realizados nas últimas décadas”, conta.
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