Jefferson da Fonseca Coutinho
Estado de Minas: 14/11/2012
No corredor que dá para a sala de aula de medicina, os alunos de direito distribuem mensagens em papel picado. Tarefa de filosofia câmpus adentro. O recado diz: “Não é tanto o que fazemos, mas o motivo pelo qual fazemos que determina a bondade ou a malícia”. Quem assina é Santo Agostinho. Lhaiza Emanuele Marques de Souza, de 19, e Laura Alvares Marton Rangel, de 23, recebem seus bilhetes de letra miúda. Mostram-se tocadas. As duas são estudantes do primeiro ano de medicina. Raras, tão cedo já estão decididas pela pediatria. Sabem bem das agruras da especialidade – má remuneração, carga horária de trabalho sem igual e hospitais de portas fechadas para a vocação. Em Minas, nos últimos 10 anos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o número de candidatos à titulação pediátrica caiu mais de 50%. Lhaiza e Laura, idealistas, querem ajudar a aumentar o número de profissionais no estado. Hoje, há um pediatra para cada 2.720 crianças em todo o estado.
Laura e Lhaiza entendem que estão em questão outros valores além de salários e benefícios com a carreira. “Quando entrei para o curso não pensava em pediatria. Lá fora, há uma aversão à especialidade. Como se você, pediatra, deixasse de ter vida própria para cuidar do filho dos outros”, conta Laura. A estudante diz que na universidade passou a ter outra visão da especialidade. Diz-se tocada pela paixão dos professores, pediatras bem-sucedidos, que ensinam uma profissão “muito além do dinheiro”. Lhaiza, vinda de Ubaporanga, no Vale do Rio Doce, está igualmente feliz com o curso. Especialmente depois de vencer quase 100 candidados pela vaga na primeira turma da PUC Minas. Acaba de assistir ao primeiro parto no Hospital Regional de Betim, na Grande BH. “Acompanhei o exame clínico do bebê. A gente não pode visar só o financeiro. É preciso acreditar que você pode fazer a diferença”, emociona-se. No bolso de Lhaiza, o papel recebido das mãos do estudante de direito: “O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o e ele adora”. Um tal Karl Marx.
Daniela de Cássia Sampaio Miranda, de 19, mora na Região da Pampulha. Até o câmpus da medicina, na região metropolitana, são cerca de 4 horas diárias – somadas ida e volta – pelo sonho de formar-se pediatra. Com outras 8 horas em sala de aula, o resto é para mais estudo, alimentação, sono e, quando é possível, um pouco de lazer. A estudante, sorrindo, comenta que, pela boa formação, serão mais pelo menos oito anos assim. Tanto esforço e dedicação pelo propósito de “ajudar as crianças”. “Sinto que posso ser mais útil para a sociedade como pediatra”, diz. A opção pela especialidade, segundo Daniela, foi também influência do bom atendimento recebido, guardado na memória. “Minha pediatra, doutora Vânia, sempre foi muito boa comigo. Gostava demais de ser atendida por ela”, relembra. Outro que venceu 97 candidatos pela vaga de medicina, já pensando em pediatria, foi Jhonson Tizzo Godoy, de 20, vindo de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Foram 15 vestibulares e uma iniciação em biotecnologia. Para o estudante, que quer cuidar de crianças com câncer, a falta de pediatras é uma motivação a mais. “A medicina já é um sacerdócio e a pediatria é ainda mais que isso”, considera.
Encanto do mestre Em sala de aula, o professor Eduardo Carlos Tavares, de 63, aposentado pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da PUC Minas. Médico desde 1974, o pediatra não esconde o carinho pelos 59 alunos. Menos ainda o amor pela especialidade com a qual faz história e educou a família. “Quantro entrei para a medicina a única certeza que eu tinha era a de que não seria pediatra. No último ano, a pediatria, em três meses, foi indiscutivelmente a melhor parte do curso. Encantei-me pelas crianças e pelos meus professores”, diz. A profissão em baixa, segundo o veterano, se deve a dois fatores: “O primeiro, é o da especialização, como já acorreu com a clínica médica, quando os médicos buscaram outras áreas de atuação em busca de novas oportunidades”. O segundo, diz o professor, é, de fato, a remuneração. “Não há, na pediatria, valor agregado com exames, como ocorre com o oftamologista e com o cardiologista, por exemplo”, explica. Além disso, o doutor professor avalia que os convênios, como estão, contribuem ainda mais para a baixa remuneração do pediatra.
Laura e Lhaiza entendem que estão em questão outros valores além de salários e benefícios com a carreira. “Quando entrei para o curso não pensava em pediatria. Lá fora, há uma aversão à especialidade. Como se você, pediatra, deixasse de ter vida própria para cuidar do filho dos outros”, conta Laura. A estudante diz que na universidade passou a ter outra visão da especialidade. Diz-se tocada pela paixão dos professores, pediatras bem-sucedidos, que ensinam uma profissão “muito além do dinheiro”. Lhaiza, vinda de Ubaporanga, no Vale do Rio Doce, está igualmente feliz com o curso. Especialmente depois de vencer quase 100 candidados pela vaga na primeira turma da PUC Minas. Acaba de assistir ao primeiro parto no Hospital Regional de Betim, na Grande BH. “Acompanhei o exame clínico do bebê. A gente não pode visar só o financeiro. É preciso acreditar que você pode fazer a diferença”, emociona-se. No bolso de Lhaiza, o papel recebido das mãos do estudante de direito: “O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o e ele adora”. Um tal Karl Marx.
Daniela de Cássia Sampaio Miranda, de 19, mora na Região da Pampulha. Até o câmpus da medicina, na região metropolitana, são cerca de 4 horas diárias – somadas ida e volta – pelo sonho de formar-se pediatra. Com outras 8 horas em sala de aula, o resto é para mais estudo, alimentação, sono e, quando é possível, um pouco de lazer. A estudante, sorrindo, comenta que, pela boa formação, serão mais pelo menos oito anos assim. Tanto esforço e dedicação pelo propósito de “ajudar as crianças”. “Sinto que posso ser mais útil para a sociedade como pediatra”, diz. A opção pela especialidade, segundo Daniela, foi também influência do bom atendimento recebido, guardado na memória. “Minha pediatra, doutora Vânia, sempre foi muito boa comigo. Gostava demais de ser atendida por ela”, relembra. Outro que venceu 97 candidatos pela vaga de medicina, já pensando em pediatria, foi Jhonson Tizzo Godoy, de 20, vindo de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Foram 15 vestibulares e uma iniciação em biotecnologia. Para o estudante, que quer cuidar de crianças com câncer, a falta de pediatras é uma motivação a mais. “A medicina já é um sacerdócio e a pediatria é ainda mais que isso”, considera.
Encanto do mestre Em sala de aula, o professor Eduardo Carlos Tavares, de 63, aposentado pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da PUC Minas. Médico desde 1974, o pediatra não esconde o carinho pelos 59 alunos. Menos ainda o amor pela especialidade com a qual faz história e educou a família. “Quantro entrei para a medicina a única certeza que eu tinha era a de que não seria pediatra. No último ano, a pediatria, em três meses, foi indiscutivelmente a melhor parte do curso. Encantei-me pelas crianças e pelos meus professores”, diz. A profissão em baixa, segundo o veterano, se deve a dois fatores: “O primeiro, é o da especialização, como já acorreu com a clínica médica, quando os médicos buscaram outras áreas de atuação em busca de novas oportunidades”. O segundo, diz o professor, é, de fato, a remuneração. “Não há, na pediatria, valor agregado com exames, como ocorre com o oftamologista e com o cardiologista, por exemplo”, explica. Além disso, o doutor professor avalia que os convênios, como estão, contribuem ainda mais para a baixa remuneração do pediatra.
O retrato da vocação
No Hospital Sofia Feldman (HSF), maior maternidade de Minas Gerais – responsável por mais de 100 mil nascimentos em 30 anos, com cerca de 800 partos por mês –, a doutora Juliana Cantarelli, de 34 anos, fala da paixão pela pediatria por amor às crianças. Com jornada semanal de 54 horas, Juliana, entre pequenos – alguns com pouco mais de 1kg – no centro de tratamento intensivo (CTI) ou na unidade de cuidados intermediários (UCI), é retrato da vocação. Para a médica, o pediatra não é um profissional qualquer. “Você tem que se dedicar, estar disponível. É uma tristeza que a pessoa trabalhe por dinheiro e esqueça o próximo”, diz.
Mãe do Matheus, de 2, e do João Pedro, de 4, Juliana conta que se decidiu pela neonatologia quando – logo no início da carreira – viu morrer um recém-nascido com 7 dias, tomado por infecção. “É paixão. Quem escolhe a pediatria não escolhe pela criança apenas, escolhe a família. Vejo com entusiasmo a estrutura familiar se formando”, sorri. A maior recompensa do pediatra, segundo Juliana, não é a remuneração. “É a satisfação de ver as crianças saudáveis, se desenvolvendo... é a alegria das mães”. Mães como Karen Lopes dos Santos, de 20, há 76 dias no hospital, de plantão pela saúde do filho Kaio, prematuro, nascido com 28 semanas e 1,1kg.
De olhos iluminados, Karen, de Belo Vale, a 82 quilômetros de Belo Horizonte, comemora a recuperação de Kaio. Com o quadro agravado por pneumonia, o mocinho viveu dias difíceis no CTI. Saudável, com 40 semanas e 2,490kg, o bebê acaba de chegar à UCI e a jovem mamãe não vê a hora de ir para casa. Satisfação que a doutora Juliana não esconde ao ver a jovem mãe, feliz, embalar o rebento. Na UTI, bela e miúda, Ana Cláudia, nascida com 1,3kg e 31 semanas, espera a sorte do belo-valense Kaio.
SAIBA MAIS: sintomas diferentes
A especialidade pediatria surgiu em 1722, na Suíça. Théodore Zwinger, médico, demonstrou que os sinais e sintomas das doenças nas crianças são diferentes dos que se observam nos adultos. Os médicos, então, passaram a acentuar a necessidade de conhecer as peculiaridades das reações do organismo infantil. Com a introdução da metodologia científica na produção de conhecimentos, a pediatria delimitou-se como ramo da medicina especializado no ser humano em crescimento e desenvolvimento.
TRÊS PERGUINTAS PARA...
PAULO POGGIALI, Presidente da Sociedade Mineira de Pediatria
1) Por que os jovens médicos devem continuar optando pela pediatria?
Primeiro porque devem, no envolvimento que se deseja seja intenso com todas as matérias ministradas nas escolas de medicina, deixar acontecer a vocação. Mas também porque praticar a pediatria, com toda a sua abrangência e complexidade, com consequente exigência na formação universitária e na especialização, mas com emoção e o natural reconhecimento e respeito com que os pais e as próprias crianças retribuem, permite ser verdadeiramente médico.
2) Como o senhor vê o futuro da pediatria?
Vejo com confiança e tranquilidade. Sou muito otimista, porque percebo que a população, em todas as faixas sociais, entende ser o pediatra o profissional realmente preparado para a atenção à infância e adolescência. E os gestores de saúde pública e suplementar percebem a pressão resultante deste entendimento.
3) A insegurança dos pais, que acaba exigindo muito do pediatra (atendimento a qualquer hora, telefones, e-mails...), ajuda a afugentar os profissionais da área?
Não! O pediatra gosta do que faz, interage com grande satisfação com os pais de seus pacientes. O pediatra é o verdadeiro "médico da família". Interage com pais, avós e crianças com alegria e habitualmente com emoção.
No Hospital Sofia Feldman (HSF), maior maternidade de Minas Gerais – responsável por mais de 100 mil nascimentos em 30 anos, com cerca de 800 partos por mês –, a doutora Juliana Cantarelli, de 34 anos, fala da paixão pela pediatria por amor às crianças. Com jornada semanal de 54 horas, Juliana, entre pequenos – alguns com pouco mais de 1kg – no centro de tratamento intensivo (CTI) ou na unidade de cuidados intermediários (UCI), é retrato da vocação. Para a médica, o pediatra não é um profissional qualquer. “Você tem que se dedicar, estar disponível. É uma tristeza que a pessoa trabalhe por dinheiro e esqueça o próximo”, diz.
Mãe do Matheus, de 2, e do João Pedro, de 4, Juliana conta que se decidiu pela neonatologia quando – logo no início da carreira – viu morrer um recém-nascido com 7 dias, tomado por infecção. “É paixão. Quem escolhe a pediatria não escolhe pela criança apenas, escolhe a família. Vejo com entusiasmo a estrutura familiar se formando”, sorri. A maior recompensa do pediatra, segundo Juliana, não é a remuneração. “É a satisfação de ver as crianças saudáveis, se desenvolvendo... é a alegria das mães”. Mães como Karen Lopes dos Santos, de 20, há 76 dias no hospital, de plantão pela saúde do filho Kaio, prematuro, nascido com 28 semanas e 1,1kg.
De olhos iluminados, Karen, de Belo Vale, a 82 quilômetros de Belo Horizonte, comemora a recuperação de Kaio. Com o quadro agravado por pneumonia, o mocinho viveu dias difíceis no CTI. Saudável, com 40 semanas e 2,490kg, o bebê acaba de chegar à UCI e a jovem mamãe não vê a hora de ir para casa. Satisfação que a doutora Juliana não esconde ao ver a jovem mãe, feliz, embalar o rebento. Na UTI, bela e miúda, Ana Cláudia, nascida com 1,3kg e 31 semanas, espera a sorte do belo-valense Kaio.
SAIBA MAIS: sintomas diferentes
A especialidade pediatria surgiu em 1722, na Suíça. Théodore Zwinger, médico, demonstrou que os sinais e sintomas das doenças nas crianças são diferentes dos que se observam nos adultos. Os médicos, então, passaram a acentuar a necessidade de conhecer as peculiaridades das reações do organismo infantil. Com a introdução da metodologia científica na produção de conhecimentos, a pediatria delimitou-se como ramo da medicina especializado no ser humano em crescimento e desenvolvimento.
TRÊS PERGUINTAS PARA...
PAULO POGGIALI, Presidente da Sociedade Mineira de Pediatria
1) Por que os jovens médicos devem continuar optando pela pediatria?
Primeiro porque devem, no envolvimento que se deseja seja intenso com todas as matérias ministradas nas escolas de medicina, deixar acontecer a vocação. Mas também porque praticar a pediatria, com toda a sua abrangência e complexidade, com consequente exigência na formação universitária e na especialização, mas com emoção e o natural reconhecimento e respeito com que os pais e as próprias crianças retribuem, permite ser verdadeiramente médico.
2) Como o senhor vê o futuro da pediatria?
Vejo com confiança e tranquilidade. Sou muito otimista, porque percebo que a população, em todas as faixas sociais, entende ser o pediatra o profissional realmente preparado para a atenção à infância e adolescência. E os gestores de saúde pública e suplementar percebem a pressão resultante deste entendimento.
3) A insegurança dos pais, que acaba exigindo muito do pediatra (atendimento a qualquer hora, telefones, e-mails...), ajuda a afugentar os profissionais da área?
Não! O pediatra gosta do que faz, interage com grande satisfação com os pais de seus pacientes. O pediatra é o verdadeiro "médico da família". Interage com pais, avós e crianças com alegria e habitualmente com emoção.
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