quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Riso muda de canal - Carolina Braga

Humor feito especialmente para a internet se profissionaliza e ganha produtoras voltadas para o mercado na rede. Programas com linguagem própria alcançam milhões de espectadores 

Carolina Braga
Estado de Minas: 14/11/2012 

Daniel Curi, do Parafernalha, dirige vídeo para o YouTube com os atores Sílvio Mattos e Cezar Maracujá


A primeira sensação foi animadora para quem gosta de criar: liberou geral. Poder fazer e publicar vídeos de todo tipo transformou o YouTube na plataforma ideal para realizar a máxima de Andy Warhol. Afinal, no meio artístico, quem não quer seus 15 minutos de fama? Qualidade de acabamento não parecia algo a se levar em conta. Mas o tempo tem dado sinais de que o site evoluiu para se manter vivo. O amadorismo dos primeiros anos passou a dividir espaço com o profissionalismo e o nível das produções tem respondido a essa nova realidade.

Começam a surgir no Brasil as primeiras produtoras de vídeo especializadas em criar filmes de humor para a rede. O YouTube, claro, é a casa de todo mundo. A safra no ar tem se revelado interessante. Estão na rede apostas de linguagem e muita experimentação. Gostando ou não do gênero, é impossível não constatar diversidade e qualidade do que foi feito e pensando especificamente na lógica da web. 

“Calhou juntar a fome com a vontade de comer”. É assim que o ator Gregório Duvivier explica a criação da Porta dos Fundos. A produtora com sede no Rio de Janeiro é uma invenção dele, do também ator Fábio Porchat, de Antônio Tabet, criador do blog Kibeloco, e de Ian SBF. Como eles já adoravam fazer as coisas para a internet, alcançar um patamar profissional foi um passo natural. 

Oficialmente, a Porta dos Fundos foi fundada no início deste ano. “Ficamos seis meses filmando para conseguir estrear com uma frente de trabalhos prontos. Isso para não ficar no sufoco de ter que produzir para o dia seguinte”, detalha Gregório. Em 6 de agosto, o canal entrou no ar no YouTube e os números começaram a crescer. O vídeo inaugural, com cerca de 15 minutos, ultrapassou a marca de 1,3 milhão de visualizações. E tem sido assim.

Em apenas três meses, a Porta dos Fundos conquistou um público cativo na internet e tem aprimorado a própria linguagem. É – e tem que ser – um humor rápido. “Basicamente, fazemos o que a gente gosta. Somos o parâmetro para a linguagem, não temos muitas referências pensadas. Temos um humor estranho, esquisito”, reconhece Duvivier. Todas as segundas e quintas-feiras material novo entra na rede. Uma vez por mês é publicado um programa maior, de 15 minutos, com episódios inéditos. 

Os mais vistos satirizam relacionamentos amorosos, filmes eróticos e programas políticos. O campeão da Porta dos Fundos, com mais de 2 milhões de visualizações, é uma brincadeira com o modelo de atendimento de uma rede de comida fast food, a italiana Spoleto. O sucesso foi tanto que a empresa resolveu patrocinar outros episódios no mesmo formato. O conteúdo dos vídeos responde por boa parte do êxito alcançado, mas o profissionalismo da realização também contribui – e muito. 

“O set de filmagem, em geral, tem três ou quatro pessoas. Isso é minúsculo se comparado com o cinema ou a televisão. É pouca gente desempenhando várias funções. Parece difícil fazer assim, mas é mais fácil, tem menos gente para administrar”, comenta Gregório. Cada filme que entra no ar passa por todas as etapas da cadeia convencional do audiovisual: elaboração de roteiro, produção, edição e pós-produção. “Lógico que o YouTube vai continuar tendo de tudo, a diversidade é a alma do negócio. Por outro lado, é importante dar espaço para a profissionalização e a rentabilidade dos vídeos. O caminho é que as produções fiquem cada vez menos amadoras”, prevê o ator. 


Fábio Porchat, do Porta dos Fundos, rosto também conhecido em programas de humor na televisão Fábio Porchat, do Porta dos Fundos, rosto também conhecido em programas de humor na televisão Porta dos Fundos/Divulgação


Em equipe


O surgimento de várias produtoras dedicadas a esse filão é um sinal. Celebridade na rede, o blogueiro Felipe Neto foi pioneiro na criação de uma empresa dedicada a fazer vídeos profissionais de humor para a internet. A Parafernalha surgiu em julho do ano passado, com uma equipe de seis funcionários. Atualmente, já são 20 pessoas envolvidas no processo de criação, divulgação e circulação dos filmes. Na hora da filmagem, a equipe é de cinema: tem produtor, diretor, fotógrafo e o responsável pelo áudio, além do elenco. 

Em pouco mais de um ano foram lançados 79 trabalhos. Juntos, contabilizam 80 bilhões de visualizações. “O Parafernalha é o terceiro maior canal do YouTube brasileiro”, informa Fellipe Lourenço, o braço direito de Neto na produtora. Foi convocado para entrar para o time somente para cuidar da gestão administrativa da produtora, já que o crescimento foi assustador. 

“As pessoas estão migrando da televisão”, garante o administrador. O formato para a web, no entanto, é diferente da telinha. Em geral, os vídeos desenvolvem a narrativa, com início, meio e fim, em um tempo muito reduzido se comparado aos outros padrões. “Funciona como um tiro curto, porque tem que fisgar o espectador rápido. As pessoas não têm paciência de ver programas de meia hora”, diz Lourenço.

Cotidiano

Na websérie Histórias da Ana, os episódios têm, no máximo, cinco minutos. Na criação da publicitária e atriz paulistana Ana Paula Dias e da mineira Fernanda Soares, formada em cinema, a personagem-título narra, com peculiar senso de humor, passagens da própria vida. “Conto as histórias da mesma forma que contaria se estivesse com você em um bar. A Fê experimenta a linguagem na edição”, explica. 

O primeiro vídeo foi publicado em 8 de março. “Nos surpreendemos: no primeiro dia, as pessoas já pediam o próximo”, lembra Ana. Assim tem sido feito. Entre as qualidades da série está justamente a agilidade da linguagem e o espaço para o improviso. “Tem um roteiro-base com as coisas que precisam ser ditas. Dentro disso, sempre convido atores como os quais gosto de trabalhar ou que tenham vontade de dividir a cena”, explica. 

Desde então, Ana Paula e Fernanda lançam dois episódios por mês. Para a atriz, Histórias da Ana difere das criações da Porta dos Fundos justamente pelo estilo de humor. E como na internet cabe de tudo, tem público para todos. Mesmo com a liberdade da rede, as criadoras não descartam possibilidades de experimentar outros meios. “Faço para poder trabalhar com essa linguagem. Está servindo para experimentar coisas como atriz”, comemora. 

Além de manter a produção de vídeos, a turma da Parafernalha pretende investir no modelo de criação voltada para a rede, já pensando em consultoria. O modelo que perseguem, inspirado em experiências americanas, transformaria a produtora em um centro de produção de conteúdo. Já na Porta dos Fundos, o sucesso tem despertado nos criadores a vontade de migrar para outras mídias. “Estamos começando a pensar em um longa-metragem. É um passo importante”, adianta Gregório Duvivier.

Saiba mais
Canais no Youtube


O formato de canais no YouTube foi estratégia do site para fazer frente à televisão. É um centro de transmissão que funciona 24 horas por dia, no qual os usuários podem assistir e compartilhar os vídeos. O espaço pode ser personalizado e oferece ao administrador acesso a dados que facilitam o desenho do público visitante. Mesmo que popularidade seja algo inquestionável na produção voltada para a internet, principalmente nos canais, os modelos de financiamento ainda rendem especulações. No momento, tanto a Parafernalha como a Porta dos Fundos têm parte da renda vinda de anúncios do Google e também de vídeos publicitários exibidos antes do filme.

Porta dos Fundos 

201.598 
inscritos

28.595.378 
exibições

Parafernalha

717.457 
inscritos

82.529.702 
exibições

Sucesso

O programa #4, da Porta dos Fundos, lançado segunda-feira, aparece na lista dos mais populares da semana. Foi visualizado mais de 1.696.660 vezes em cerca de 24 horas.

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