Medicamento contra doença na medula óssea já havia sido rejeitado antes pela agência; pacientes reclamam
Tratamento com o remédio importado custa R$ 200 mil ao ano; doentes recorrem a processos judiciais
Lucas Lima/Folhapress | ||
Dorival Urino, 68, de São Paulo, passou a receber o medicamento contra mieloma de seu convênio por decisão judicial |
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) voltou a negar, na semana passada, o registro da lenalidomida no país.
O imbróglio sobre a droga, usada no tratamento do mieloma múltiplo -câncer na medula óssea- tem mais de três anos e coloca em lados opostos médicos e pacientes e técnicos do governo.
Aprovada em cerca de 80 países, incluindo os EUA, a droga é considerada um dos principais tratamentos do mieloma. A doença é incurável mas pode ser controlada.
A Anvisa já havia negado o registro do medicamento antes, em setembro de 2011.
"Hoje, um paciente que já não responde à talidomida e ao bortezomibe [drogas liberadas no Brasil] fica sem opção", diz Angelo Maiolino, diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular e membro da Fundação Internacional do Mieloma, que reúne especialistas na doença.
A entidade, que tem entre os seus patrocinadores o laboratório que fabrica a droga, faz uma movimentação pública para a aprovação da lenalidomida. Em 2011, a fundação entregou à Anvisa um abaixo-assinado com mais de 22 mil nomes pedindo a liberação do medicamento.
Na internet, a movimentação dos pacientes continua. Uma petição on-line já tem quase 26 mil assinaturas, e há uma campanha dos pacientes em fóruns e blogs.
Segundo Maiolino, há 30 mil pessoas em tratamento no país. Os casos de mieloma correspondem a 1% de todos os tipos de câncer
O diretor-presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, afirma que o registro não foi concedido porque a empresa não apresentou um estudo clínico comparando o produto a outro com igual indicação terapêutica já no mercado.
"Você não pode aprovar um produto se ele tem um perfil clínico inferior a outro disponível." Segundo Barbano, a decisão foi sobre um recurso de um pedido já negado e, nesse intervalo, a empresa poderia ter apresentado os estudos demandados.
"Não é bom reprovar produtos que possam ter utilidade. Mas não é bom para as pessoas que um produto seja registrado sob dúvida"
Outro problema, afirma, é que a lenalidomida é semelhante à talidomida. Assim, é necessário que a empresa apresente um plano de minimização de riscos, como de nascimento de crianças com malformação.
Maiolino diz, no entanto, que o mieloma atinge mais os idosos, por isso dificilmente a droga seria usada por mulheres em idade fértil.
"Há algo de errado com a decisão da Anvisa. Todos os países que já usam o remédio estão errados? E os maiores especialistas do mundo na doença? O tipo de comparação exigido pela Anvisa é desnecessário", diz o médico.
CUSTO ALTO
Enquanto o governo e a indústria travam a queda de braço, pacientes precisam recorrer à Justiça para ter acesso à lenalidomida importada.
O preço é proibitivo: o tratamento custa cerca de R$ 200 mil ao ano.
Dorival Urino, 68, foi um dos beneficiados por decisões judiciais. Há quatro meses, seu convênio médico é obrigado a fornecer a droga.
"Cheguei a ficar na cama, sem condições de levantar. Agora, consigo fazer quase tudo. Inclusive cuidar das minhas dez gaiolas de passarinho e dos quase 40 vasos de planta", diz o aposentado.
Apesar dos bons resultados, o uso de lenalidomida não é isento de riscos. Estudos apontam a maior chance de desenvolver outros cânceres em alguns usos do medicamento. Especialistas em mieloma, porém, dizem que o benefício supera os riscos.
Há menos de duas semanas, a FDA (agência reguladora de remédios nos EUA), anunciou a liberação da pomalidomida, terceira geração do princípio ativo.
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