segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Entrevista da 2ª Fernando Henrique Cardoso


ENTREVISTA DA 2ª FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
'Aécio deve se lançar já ao Planalto', diz FHC
Para ex-presidente, PSDB precisa de 'autocrítica' para afinar discurso de 2014
Folha de São PauloFERNANDO RODRIGUESDE BRASÍLIAO ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acha que o pré-candidato tucano ao Planalto em 2014, o senador mineiro Aécio Neves, deve antecipar seu discurso e se assumir já como postulante ao cargo.
Em entrevista à Folha e ao UOL na última sexta-feira, o tucano disse: "Eu acho que nossos políticos precisam voltar a tomar partido em bola dividida. A busca das coisas consensuais mata a política".
Aécio deve dizer agora que é candidato? "A ideia de que você precisa esperar, porque vai ser desgastado, não adianta."
Joaquim Barbosa, presidente do STF, "tem bom senso" e "não entra nessa" de se candidatar ao Planalto. "Porque é outro caminho, não é o dele." Seria um "erro".
FHC reconhece que, no momento, é natural ganhar força a percepção geral de que o Estado precisa socorrer a economia. Só que, com crise externa, "os que estão no governo passaram a ter uma espécie de perdão para utilizar recursos públicos para reativar a economia".
O crescimento do PIB não é algo que dependa só do presidente da República. "Mas como puseram na campanha que ela [Dilma Roussef] era a boa administradora, o mau desempenho da máquina, que não dependeu dela, vai cair na cabeça dela."
Para o tucano, falta a Dilma um "brilho" na administração. "Não conseguiu ainda organizar. Não se sabe nem o nome dos ministros. Está uma coisa meio opaca."
Sobre o mensalão, disse sentir por algumas condenações, como as de José Genoino e de José Dirceu. "Eles não foram condenados pelo que eles são. Mas pelo que fizeram (...) Acho um episódio triste. Essa gente ajudou muito o Brasil no passado."
De Luiz Inácio Lula da Silva, que o sucedeu no Planalto, FHC condena a atitude complacente. "A leniência não quer dizer que participou, nem estou acusando. É que não reclamou."
Aos 81 anos, o tucano faz musculação três vezes por semana. Bebe vinho e uísque. "Durmo bem. Eu gosto da vida, gosto das pessoas." Está namorando? "Eu estou. Mas não é meio ridículo? Namorar com 81 anos? Não pode."
A seguir, trechos da entrevista.
-
Folha/UOL - A crise econômico-financeira internacional colocou na defensiva as ideias liberais. Essa onda muda a abordagem de partidos como o PSDB?
Fernando Henrique Cardoso - Os que estão no governo passaram a ter uma espécie de perdão para utilizar recursos públicos para reativar a economia.
O PSDB nunca foi um partido que tivesse muito amor pelo mercado. Como todos os partidos brasileiros, as pessoas gostam mesmo é de governo, é de Estado. Isso desde Portugal, da Península Ibérica. O grande ator, querido, é o governo.
É natural haver essa percepção de que o Estado precisa voltar a socorrer todo mundo?
Enquanto estivermos nessa conjuntura atual, sim. Mas isso muda.
O PSDB nasceu de centro-esquerda. Em eleições recentes, abordou temas morais e religiosos. Deslocou-se para a centro-direita. Por quê?
Por engano eleitoral. Esses temas são delicados. Acho que você tem que manter a convicção. Você pode ganhar, pode perder. Em termos de comportamento e de valores morais, o PSDB tem que se manter progressista. Quando não se mantém, não tem o meu apoio. Eu não vou nessa direção.
O sr. tem dito que o PSDB tem que se aproximar mais "do povo". Como fará isso?
Os partidos, por causa de uma mudança tão rápida no Brasil, ainda continuam com uma visão de sociedade anterior à atual. A atual é essa do UOL, da pessoa que fica aí navegando o tempo todo, que tem informação fragmentada. Minha tese é a seguinte: é preciso ouvir. Não é pregar. É ouvir. É reconectar com o que está acontecendo com o país.
Por exemplo?
Esse Brasil novo não quer dizer que ele seja igual ao que foi o do passado. Que vai ser todo mundo da classe média, um conceito que confunde.
Veja essa última novela da Globo, "Avenida Brasil". Coloca uma temática do que se imaginava que eram os emergentes. Eles têm uma identidade forte com o lugar de origem. Olham até com suspeita a chamada Zona Sul. Como diria o Elio [Gaspari], o andar de cima. Mas o andar de baixo subiu. Está não se sabe bem onde.
Como é a capacidade gerencial do atual governo?
Alguém me perguntou a respeito de o PIB ter crescido pouco: 'Isso quer dizer que a presidente Dilma é má administradora?'. Não. O PIB cresceu pouco por mil razões. O erro, que eu acho que houve, é que o governo se colou ao PIB. Não precisava. Não acho que se deva colar na presidente Dilma [a queda do PIB]. Ela é que pode se colar nisso. Aí fica mal para ela.
O PIB afeta a eleição?
Se não houver desemprego, a população não sente. Na campanha, para viabilizar a candidatura da presidente Dilma, ela foi apresentada como grande gestora. Responsável pelo que acontece no país. Não há mais isso. Hoje a gestão depende da máquina. Mas como puseram na campanha, o mau desempenho da máquina, que não dependeu dela, mas de um sistema, vai cair na cabeça dela.
Esse discurso é bom para a oposição?
A governança está falha. Mas campanha é outra coisa. Isso [falar da governança] pega quem? Por enquanto, não pega o povo.
Há um escândalo novo que envolve uma ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo. Por que esse tipo de escândalo ocorre com tanta frequência?
A cultura tradicional brasileira é patrimonialista. Nunca vou negar que Lula deu algumas contribuições importantes ao Brasil. Mas houve uma regressão patrimonialista. Aceitar como normal a transgressão. Na cabeça deles não é transgressão. Esse último episódio é uma consequência de uma coisa mais geral.
O sr. conviveu com alguns dos réus que foram condenados no mensalão. José Genoino, José Dirceu. O que o sr. achou dessas condenações?
Eles não foram condenados pelo que eles são. Mas pelo que eles fizeram. Uma coisa é você ser um bom homem. De repente, eu fico com raiva, dei um tiro e matei alguém. O que eu vou fazer? Vou para a cadeia.
Nunca vi nada do Genoino. É uma pessoa bastante razoável. O José Dirceu é um quadro. Eu respeito as pessoas que têm qualidade de quadro. Acho um episódio triste. Porque essa gente ajudou muito o Brasil no passado.
O PSDB está com o discurso afinado para 2014?
Não. Falta o que na esquerda costuma-se dizer "fazer a autocrítica".
Quem serão os candidatos em 2014?
Hoje, você tem o Aécio [Neves], a presidente Dilma, eventualmente, Eduardo Campos [governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB] e Marina [Silva, que foi candidata em 2010, pelo PV].
Joaquim Barbosa, do STF?
Eu acho que ele tem bom senso. Não! [risos] Eu acho que ele tem juízo, não entra nessa, não. Porque é outro caminho, não é o dele. Aí é erro.
No PSDB, Aécio é consenso?
O PSDB tem que se habituar à prévia. Se não houver combatentes... Será.
José Serra?
Ele pode, de repente, ser candidato. Neste momento, eu diria que não é a tendência. Ele poderia preencher um papel grande, político e social. Escrevendo, pregando, fazendo conferência.
Aécio deveria acelerar a busca do discurso? Está na hora?
Acho. [Deve] assumir mais publicamente posições. Falar, fazer conferência, viajar. Nossos políticos precisam voltar a tomar partido em bola dividida. A busca das coisas consensuais mata a política. E mesmo se for o caso de ser candidato, que diga que é. Acho que ele deve assumir.
Como está a saúde?
Está boa.
Algum cuidado especial?
Gostar da vida. Das pessoas. Faço um pouco de exercício, musculação. Como bem e não muito. Bebo vinho. Não muito. E, às vezes, uísque, mas raramente. E durmo bem.
Está namorando?
Isso é o que dizem por aí. Mas dizem tanto, que eu acabo acreditando [risos].
Mas está ou não?
Eu estou. Mas não estou dizendo que acabo acreditando? Mas não é meio ridículo? Namorar com 81 anos? Não pode.
Por quê?
No meu caso, eu não penso que eu tenho 81 anos. Então vai [risos].

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário