Folha de São Paulo
MARCIO FERNANDO ELIAS ROSA E CHRISTIANO JORGE SANTOS
O ASSUNTO DE HOJE: O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Todo o poder à polícia?
Há delitos de polícias e políticos que só foram revelados graças ao Ministério Público. Esperamos que a ideia de enfraquecê-lo não seja consequência do mensalão
É uma questão essencial à democracia brasileira. Historicamente, muitos crimes praticados por políticos, policiais ou outros delitos intrincados somente puderam ser desvendados graças à atuação firme e independente de promotores de Justiça e procuradores da República.
A Constituição prevê em seu artigo 129, inciso VII, ser função institucional do Ministério Público "exercer o controle externo da atividade policial". Só é possível cumprir o mandamento constitucional a contento complementando as investigações policiais ou realizando investigações independentes, quando houver necessidade.
Nos EUA e nos principais países europeus, é o Ministério Público quem preside ou coordena as investigações.
No Brasil, ao tempo da ditadura militar, valorosos promotores de Justiça desbarataram o "esquadrão da morte" comandado por policiais. Recentemente, promotores já presidiram diversas investigações bem sucedidas, dentre elas abusos sexuais de crianças -investigação reconhecida como válida pelo STF (habeas corpus 82.865).
No caso da morte do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, a polícia concluíra ser um crime ocasional. A tese dos promotores de que houve "crime de mando" com motivação política já foi vitoriosa em quatro julgamentos do tribunal do júri, com seis réus já condenados (três deles, em definitivo). O mandante terá seu destino estabelecido -espera-se- num futuro breve.
No Supremo Tribunal Federal, a questão está pendente de julgamento, já com cinco votos favoráveis ao poder de investigar pelos promotores (habeas corpus 84.548).
A prevalecer a ideia de que cabe apenas às polícias o poder investigatório, processos poderão ser anulados, criminosos serão libertados e ficarão impunes. Há de se recordar que casos como o do bar Bodega e o da Escola Base teriam gerado injustiças se não tivesse o Ministério Público se recusado a acusar os incriminados pela polícia.
Tão relevante quanto os aspectos jurídicos da questão é a análise de suas consequências práticas.
Ao se entender que somente a polícia pode investigar, ficarão impossibilitados de atuar não só o Ministério Público, mas também as próprias vítimas ficarão de mãos atadas, por si ou por seus advogados.
Também não poderão investigar as polícias militares, as Forças Armadas e seus serviços reservados, bem como a Abin, a Receita Federal, o TCU, o Coaf, a Controladoria-Geral da União, a imprensa, os detetives profissionais e até os políticos, por meio das CPIs (embora parlamentares da comissão especial da Câmara Federal defendam que não).
Também cabe perguntar: quem, além da polícia, poderá apurar eventuais crimes praticados por maus agentes públicos federais ou civis? A assustadora resposta é: ninguém.
O Ministério Público, graças à inamovibilidade, possui independência para investigar, inclusive, desvios do erário, e tem agido com muita competência. Aliás, os índices baixíssimos de apuração de crimes de autoria desconhecida por parte da polícia brasileira não justifica que tenham tais agentes públicos o monopólio da investigação criminal.
O Ministério Público não quer retirar da polícia tal função, mas não vê motivos para ser alijado da investigação criminal na defesa do patrimônio público e da sociedade livre e transparente.
Há quem atribua a aprovação da PEC 37 à competente atuação do Ministério Público no caso da ação penal 470, o chamado processo do "mensalão". Esperamos que tenha sido algo diverso.
Aguarda-se, portanto, com serenidade, que os parlamentares brasileiros rejeitem a mencionada proposta de emenda constitucional e confirmem o Ministério Público como atribuído do poder de investigar. A sociedade brasileira merece o efetivo combate à impunidade.
LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKY
O ASSUNTO DE HOJE: O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Investigações arbitrárias
Promotores e procuradores, ao agir como polícia, em geral são autoritários. E não é raro o Ministério Público selecionar casos pela presença de mídia
Dentre elas, são elencadas a promoção da ação penal de iniciativa pública (inciso I), a requisições de documentos e informações em procedimentos administrativos (VI) e a requisição de diligências investigatórias e de inquéritos policiais (VII).
A Constituição, tal como se expôs, versou especificamente sobre a possibilidade de instauração de inquéritos policiais. Consignou que o órgão ministerial poderia apenas requisitá-los, não presidi-los.
A razão pela qual o Ministério Público não pode conduzir investigações criminais é deveras singela.
Não se trata da falta de poderes constitucionais para fazê-lo nem de uma questão corporativa qualquer.
Falta à investigação conduzida pelo Ministério Público um marco normativo, ditado por lei ordinária. Afinal de contas, em matéria de direito público, os órgãos do Estado são regidos pelo princípio da legalidade estrita, fato que os fiscais da execução da lei deveriam bem conhecer.
Quando promotores de Justiça e procuradores (estaduais e federais) agem como se fossem policiais, geralmente o fazem de forma autoritária e arbitrária. Ressalta-se, ainda, o fato, não raro, de o Ministério Público selecionar a dedo os casos e investigações em que pretende atuar, violando, entre outros, o princípio do promotor natural. Em regra, esses casos são os que merecem os holofotes da mídia.
Vale, para enriquecer o debate, lembrar o julgamento do recurso extraordinário 233.072-4/RJ, em maio de 1999, pela segunda turma do STF. Por maioria, ela decidiu que o Ministério Público é parte ilegítima para realizar investigações preliminares criminais.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio de Mello afirmou:
"Aqueles que têm poder -já se disse, isso é vala comum- tendem a exorbitar no exercício desse poder. É preciso que se coloque um freio nessa tentativa.
Vejo esse processo revelador de uma precipitação do Ministério Público, que, em vez de provocar a abertura do inquérito policial, como lhe cabia fazer, já que o passo seguinte não seria a propositura de uma ação civil pública, mas de uma ação penal, resolveu ele próprio -não sei se teria desconfiado da polícia- promover as diligências para a coleta de peças, objetivando respaldar a oferta, a propositura da ação penal e a oferta, portanto, da própria denúncia."
Dentre os vários argumentos apresentados por aqueles que defendem o poder de investigação do Ministério Público, um é que se um só órgão investiga -no caso, a polícia-, poucos serão os casos a serem efetivamente apurados e julgados em razoável espaço de tempo.
Ora, ao prevalecer esta tese, não demorará muito o Ministério Público reclamará o direito de julgar, hoje exclusivo do Poder Judiciário.
Se investigações são mal feitas -e "malsucedidas", no dizer de muitos-, é necessário pugnar-se pelo aprimoramento daqueles que exercem a função investigatória, no caso a polícia judiciária, e não simplesmente atribuir a outro órgão ou Poder essa função.
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