Estado de Minas: 20/12/2012
Considerado um gênio da matemática, John Forbes Nash começou a mostrar sinais de esquizofrenia em 1958, quando estudava. Logo depois, foi diagnosticado com esquizofrenia paranoica, depressão e baixa autoestima. Os medicamentos antipsicóticos prescritos nos hospitais psiquiátricos em que o matemático se internou não surtiram efeito. Depois da frustração vivenciada pela falta de resultados, ele parou completamente com a medicação e, segundo Nasar, biógrafa de Nash, começou a se recuperar do mal gradativamente. A história de Nash, retratada no filme Uma mente brilhante, repete-se com certa frequência. A doença mental devastadora afeta 1% da população mundial, sendo que 30% dos pacientes não respondem aos tratamentos disponíveis.
Com o objetivo de verificar a razão de a eficácia dos antipsicóticos ser comprometida, pesquisadores da Escola de Medicina de Mount Sinai, dos Estados Unidos, analisaram fatores externos e epigenéticos, aqueles que resultam em mudanças funcionais na maneira como os genes se expressam, envolvidos na resistência ao tratamento padrão da esquizofrenia. Eles descobriram que, com o tempo, uma enzima do cérebro dos pacientes com o transtorno psiquiátrico começou a compensar as mudanças químicas causadas pela ingestão prolongada dos medicamentos, resultando em uma redução na eficiência do remédio.
“Esses resultados são inovadores porque mostram que a resistência à droga pode ser causada pelos medicamentos prescritos para tratar a doença quando administrados cronicamente”, diz Javier Gonzalez-Maeso, professor assistente de psiquiatra e de neurologia e coordenador do estudo. As conclusões foram feitas depois da autópsia em cadáveres de esquizofrênicos.
Os pesquisadores descobriram ainda que a enzima HDAC2 é altamente expressada no cérebro de pacientes tratados com drogas antipsicóticas, resultando em expressões mais baixas do receptor Mglu2 e, consequentemente, na recorrência dos sintomas psicóticos. O mesmo cenário foi confirmado em ratos. Nesse caso, eles administraram o produto químico suberoylanilide hydroxamic acid (SAHA) para inibir a ação de toda a família de HDAC. O tratamento evitou o efeito prejudicial do antipisicótico clozapina, utilizado no tratamento da doença em casos de pacientes que não respondem bem aos antipsicóticos mais comuns, e ainda melhorou os efeitos terapêuticos do medicamento.
“Em outras pesquisas, descobrimos que a administração crônica de drogas antipsicóticas causa mudanças bioquímicas no cérebro que podem limitar os efeitos terapêuticos dessas drogas”, diz Gonzalez-Maeso. A ação reprime a expressão do Mglu2 no córtex frontal de ratos, uma área cerebral importante para a cognição e a percepção. “Nós queríamos identificar o mecanismo molecular responsável por essa mudança bioquímica e explorar isso como um alvo para novas drogas que possam alcançar a eficácia terapêutica dos antipsicóticos”, completa o professor.
O outro lado Hélio Élkis, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador do Projeto Esquizofrenia (Projesq) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da faculdade, observa que o estudo deve ser visto sob duas óticas: “Trata-se de um projeto em que as conclusões são experimentais. Eles realizaram o estudo com ratos. Vendo a pesquisa pelo aspecto da bancada, é muito interessante, mas as afirmações clínicas do pesquisador vão além das evidências da literatura”.
Élkis questiona ainda a conclusão de que, depois de um tempo, as drogas não trabalham bem. “Temos pacientes que tomam antipsicóticos há anos e levam uma vida absolutamente normal. Quando um paciente não apresenta respostas, vemos isso desde o início. É o caso da pessoa que começa o tratamento com um antipsicótico e precisa trocá-lo. Ela experimenta o B, o C e não melhora. Chamamos essas pessoas de pacientes refratários. Geralmente, nesses casos, a clozapina funciona muito bem”, explica.
Élkis pondera que a clozapina, como todos os antipsicóticos, tem vários efeitos colaterais: “O paciente pode ganhar peso, aumentar a salivação, que são os mais comuns. Mas há pessoas que tomam clozapina e não apresentam efeito colateral.”
Leonardo Palmeira, autor do livro Entendendo a esquizofrenia – Como a família pode ajudar no tratamento, afirma que há estudos em fases intermediárias com moléculas que agem nos receptores de glupamato, o principal neurotransmissor de estímulo do cérebro. “Essas moléculas poderiam substituir os antipsicóticos, mas estão em fase de pesquisa”, explica Palmeira.
“O que esse estudo traz de animador é que, com essa descoberta, você pode cogitar a formação de novas moléculas que atuem nos receptores ou inibam a enzima, aumentando os receptores de glupamato, que são importantes no processo de tratamento da esquizofrenia.”
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