Estado de Minas: 20/12/2012
Amanhã o mundo termina, dizem alguns. Pergunto-me que mundo. Não há de ser o fim súbito de todas as estrelas, planetas, galáxias, o iluminar-se dos buracos negros, não há de ser o momento em que as paralelas se desencontram para sempre no infinito. Não há de ser o fim do “sempre” ou do infinito.
Se for apenas o fim deste mundinho nosso, deste planeta pequeno e ameaçado que habitamos, e que com nossa mania antropocêntrica chamamos mundo, não creio que o resto do universo se abale grandemente.
Sempre foi assim, mundos terminam, enquanto o resto segue à frente. Minha geração viu o fim de vários mundos e, mais de uma vez, pequenas ou grandes partes do mundo de cada um também terminaram.
Terminou a era colonial, e eram vários mundos que a formavam. Os ingleses perderam gorda fatia do império de que tanto se orgulhavam, foi-se a Índia, foi-se aquele clima tão Kipling de chá das cinco em pleno calor, ter um mangusto no jardim para espantar as najas, caçar tigres com um marajá do alto de um elefante. Foram-se as lembranças exóticas, às quais era tão elegante referir-se depois no clube londrino mergulhado em fog. O mundo de Marguerite Duras na Indochina acabou com a batalha de Dien Bien Phu, enquanto nós continuamos dançando rock and roll. E o mundo dos europeus que haviam ido plantar seu futuro em terra alheia, e o dos seus filhos que em terra alheia haviam crescido e já não a consideravam alheia, foi puxado debaixo dos seus pés. Retornaram os portugueses a Lisboa.
Tudo tão recente, mas já tão longe.
E terminaram tantas ditaduras. E o mundo comunista acabou. Eu estava em Moscou na noite de agosto de 1991, quando a estátua de Dzerjiski, fundador da KGB, foi derrubada por dois guindastes, sob os aplausos do povo – eram Krupp, os guindastes, lembrança alemã de um mundo nazista que também acabou. Ao fundo, o enorme prédio da KGB estava apagado, silencioso, e lembro-me de ter pensado que ali estava um mundo feito de segredos e de ratos, que agora se evadiam.
E nem bem vimos terminar o mundo de Mao, já nos perguntamos que mundo é esse novo da China, que ainda não é o que será, e que assustadoramente cresce.
Todos os dias, oculto ou visível, começa o processo que levará à morte de um mundo. Pode ser o dos corais, ou o de uma cultura, pode ser uma água que seca e levará inteiras populações à morte, ou um vírus que se fortalece e semeará a peste. Pode ser, apenas e rotineiramente, o desgaste de um corpo.
Amanhã, muitas coisas vão morrer sem alarido, como sempre morrem. Mas há os que acreditam na precisão matemática das profecias, e se preparam para o ruído grandíssimo ou para o grandíssimo silêncio.
Meu amigo Ignácio de Loyola Brandão me escreve, enfrentando com humor as previsões: “Por via das dúvidas organizei minha vidinha, paguei minhas continhas, lavei e encerei a casa, fiz a barba, tomei banho, passei gel no que resta dos cabelos (...) e fiz um docinho de laranja e comprei queijo branco....”. É um homem digno o Ignácio, que me leva a perceber minha futilidade. Pois se o fim do mundo tivesse se adiantado uns dias, teria me flagrado debruçada sobre a mesa de jantar, cortando em seda cor de fumaça a pantalona que pretendo usar amanhã, para estar em harmonia com a cor que pode se tornar geral.
Se for apenas o fim deste mundinho nosso, deste planeta pequeno e ameaçado que habitamos, e que com nossa mania antropocêntrica chamamos mundo, não creio que o resto do universo se abale grandemente.
Sempre foi assim, mundos terminam, enquanto o resto segue à frente. Minha geração viu o fim de vários mundos e, mais de uma vez, pequenas ou grandes partes do mundo de cada um também terminaram.
Terminou a era colonial, e eram vários mundos que a formavam. Os ingleses perderam gorda fatia do império de que tanto se orgulhavam, foi-se a Índia, foi-se aquele clima tão Kipling de chá das cinco em pleno calor, ter um mangusto no jardim para espantar as najas, caçar tigres com um marajá do alto de um elefante. Foram-se as lembranças exóticas, às quais era tão elegante referir-se depois no clube londrino mergulhado em fog. O mundo de Marguerite Duras na Indochina acabou com a batalha de Dien Bien Phu, enquanto nós continuamos dançando rock and roll. E o mundo dos europeus que haviam ido plantar seu futuro em terra alheia, e o dos seus filhos que em terra alheia haviam crescido e já não a consideravam alheia, foi puxado debaixo dos seus pés. Retornaram os portugueses a Lisboa.
Tudo tão recente, mas já tão longe.
E terminaram tantas ditaduras. E o mundo comunista acabou. Eu estava em Moscou na noite de agosto de 1991, quando a estátua de Dzerjiski, fundador da KGB, foi derrubada por dois guindastes, sob os aplausos do povo – eram Krupp, os guindastes, lembrança alemã de um mundo nazista que também acabou. Ao fundo, o enorme prédio da KGB estava apagado, silencioso, e lembro-me de ter pensado que ali estava um mundo feito de segredos e de ratos, que agora se evadiam.
E nem bem vimos terminar o mundo de Mao, já nos perguntamos que mundo é esse novo da China, que ainda não é o que será, e que assustadoramente cresce.
Todos os dias, oculto ou visível, começa o processo que levará à morte de um mundo. Pode ser o dos corais, ou o de uma cultura, pode ser uma água que seca e levará inteiras populações à morte, ou um vírus que se fortalece e semeará a peste. Pode ser, apenas e rotineiramente, o desgaste de um corpo.
Amanhã, muitas coisas vão morrer sem alarido, como sempre morrem. Mas há os que acreditam na precisão matemática das profecias, e se preparam para o ruído grandíssimo ou para o grandíssimo silêncio.
Meu amigo Ignácio de Loyola Brandão me escreve, enfrentando com humor as previsões: “Por via das dúvidas organizei minha vidinha, paguei minhas continhas, lavei e encerei a casa, fiz a barba, tomei banho, passei gel no que resta dos cabelos (...) e fiz um docinho de laranja e comprei queijo branco....”. É um homem digno o Ignácio, que me leva a perceber minha futilidade. Pois se o fim do mundo tivesse se adiantado uns dias, teria me flagrado debruçada sobre a mesa de jantar, cortando em seda cor de fumaça a pantalona que pretendo usar amanhã, para estar em harmonia com a cor que pode se tornar geral.
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