"Dilma ou Lula venceriam"
Muitas vezes, a opção pela flexão verbal é contextual e pode revelar a posição de quem fala ou escreve
Chego para trabalhar, e a amiga e colega Thaís Nicoleti me fala de leitores que escreveram para contestar a concordância empregada na manchete da edição do último domingo da Folha ("Se a eleição fosse hoje, Dilma ou Lula venceriam").
"A concordância está errada", disseram alguns desses leitores. A razão do erro citada por eles? "Só um dos dois pode vencer a eleição; esse 'ou' é excludente." Devagar com o andor, caros leitores.
Pois bem. Em muitos casos, a opção pela flexão verbal é essencialmente contextual. O título da Folha se enquadra nesse "perfil". Antes de entrar no mérito da questão em si, lembro que, quando os núcleos do sujeito são unidos por "ou", há duas hipóteses: a) o verbo fica no singular quando o "ou" é excludente: "Arranca Toco ou Bala Mistura será rebaixado" (só um dos dois será rebaixado); b) o verbo fica no plural quando o "ou" não é excludente: "Pedro ou Paulo podem substituir o contundido João" (embora só um dos dois vá substituir o titular, ambos têm condição de fazê-lo).
Posto isso, volto ao título da Folha. Para começar a entrar na contextualização, lembro o que se lê no início do subtítulo, que nos ajuda na compreensão do contexto: "Datafolha revela que petistas seriam eleitos no primeiro turno". Quem são os "petistas" do subtítulo? São exatamente Dilma e Lula.
Quem leu a matéria toda viu que em nenhum momento Dilma e Lula aparecem como hipotéticos adversários na pesquisa. Sim, eles são excludentes como candidatos do partido, ou seja, Dilma ou Lula será o nome do PT em 2014 (aí, sim, o verbo fica no singular, ao menos por enquanto, já que política e intestino de crianças sempre podem apresentar "surpresas"...).
O fato é que a pesquisa indica a vitória do PT na eleição de 2014, qualquer que seja o candidato do partido (Dilma ou Lula). Em suma, embora se saiba que só um dos dois será candidato, o que se quer dizer é que neste momento ambos são imbatíveis.
É como dizer que pizza ou macarrão agradam. Explico: você recebe um convite para jantar na casa de alguém. Essa pessoa lhe pergunta o que você gostaria de comer, e você diz que prefere a culinária italiana. Aí vêm as propostas da/o anfitriã/o: pizza ou macarrão? E você diz: "Escolha você. Pizza ou macarrão me agradam muito". Por que o plural, embora se saiba que só um dos pratos será escolhido? Porque os dois agradam.
O que está no título do jornal é semelhante, visto que o que se quer dizer é que Dilma venceria, se fosse a candidata do PT, e Lula venceria, se fosse o candidato do PT. Então, "Dilma venceria" + "Lula venceria" = "Dilma ou Lula venceriam".
Se a pesquisa revelasse outro panorama (por exemplo, o candidato do PT, qualquer que fosse, em empate técnico com outro candidato, de outro partido), a história e a manchete seriam diferentes. Seria o caso, por exemplo, de publicar algo como "Se as eleições fossem hoje, o candidato do PT ou o do PSB (ou 'o do PSDB' etc.) venceria".
Por fim, caro leitor, lembro que tratei essencialmente da comprovação da correção da forma verbal escolhida. Em nenhum momento afirmei que não seria correto optar pelo singular, o que também seria possível, se se levasse a ferro e fogo a premissa de que só um dos dois ocuparia a Presidência, ainda que um não concorresse com o outro na eleição. Como afirmei, a escolha é contextual. Se se quer pôr em relevo o fato de que os dois são imbatíveis e que não existe a hipótese de serem adversários, a opção pelo plural parece a mais adequada. É isso.
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