A última negociata
CPI que investigou ligações de políticos com Cachoeira foge de pedir indiciamento de suspeitos, desfecho lamentável, mas previsível
Quem acompanha o noticiário da política brasileira não poderá se dizer surpreendido pelo final vergonhoso da CPI do caso Cachoeira. Havia meses que ninguém mais esperava que a comissão parlamentar pudesse produzir alguma investigação proveitosa.
Nem por isso deixa de ser consternador que o relatório que encerra oito meses de trabalho da CPI não chegue a preencher duas páginas. O documento, elaborado pelo deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF) e aprovado por 21 a 7, não pede nenhum indiciamento.
Produzida como relatório alternativo, a peça de Pitiman foi a opção dos parlamentares diante do texto de Odair Cunha (PT-MG), que pecava pelo desequilíbrio, mas sugeria o indiciamento de 29 pessoas e a responsabilização penal de 12 políticos com foro privilegiado.
Na lista de Cunha estavam, por exemplo, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), o prefeito de Palmas, Raul Filho (PT), o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), o ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) e o empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta.
Ficava de fora pelo menos um personagem que mereceria mais averiguações: o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT). Apesar de ter sido investigado pelo Superior Tribunal de Justiça, terminou blindado na CPI.
Cunha procurava, assim, manter a comissão dentro do plano traçado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que via no inquérito uma oportunidade de apurar ligações de membros da oposição com Carlos Augusto Ramos, o famigerado Carlinhos Cachoeira.
A ideia era fustigar oposicionistas e desviar a atenção do julgamento do mensalão. Entretanto, não deram certo as maquinações de Lula, já que os tentáculos de Cachoeira, revelados por operações da Polícia Federal, também alcançavam aliados do governo.
Dado esse caráter eclético, não estranha que os deputados tenham não só esterilizado os instrumentos de investigação como também interrompido os trabalhos da comissão por mais de um mês. Vê-se, ainda, por que um relatório desequilibrado estava fadado a ser substituído por um documento inócuo.
PMDB e PSDB ainda se entregaram a uma derradeira negociata. Em troca do apoio tucano à eleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) à presidência do Senado no ano que vem, uniram votos contra o relatório de Cunha e livraram Marconi Perillo e Fernando Cavendish.
Após ter seu texto rejeitado, Cunha vociferou: "[A CPI] se nega a fazer aquilo que é a sua missão essencial. Levantar provas, identificar indícios e apresentar conclusões. As conclusões aqui são nada, um vazio, uma pizza geral".
Cunha tem razão. Mas ele não pode dizer que não tenha contribuído para esse desfecho lamentável.
O transtorno dos vistos
No dia 25 de outubro, a Justiça concedeu liminar à estatal Correios e suspendeu a contratação de uma empresa privada pelo consulado dos Estados Unidos em São Paulo para devolver passaportes às pessoas que haviam requerido visto de entrada naquele país.Em consequência, os documentos ficaram retidos, gerando transtornos para os solicitantes. A liminar foi suspensa em 27 de novembro, mas somente agora a situação parece voltar ao normal.
A regularização do serviço não resolve, porém, dois problemas de fundo. O primeiro é a própria obrigatoriedade do visto para os EUA. Os argumentos sobre imigração ilegal, se já eram duvidosos, são agora indefensáveis. O Brasil de hoje não é um país do qual os cidadãos queiram sair a todo custo.
Não por acaso, muitas vozes se levantam nos EUA contra essa exigência. O fluxo de turistas brasileiros dispostos a gastar em cidades americanas só tem aumentado.
De 2005 a 2011, a quantidade de visitantes brasileiros nos EUA triplicou, passando de 485 mil para estimados 1,4 milhão. Pode chegar a 3 milhões em 2016.
Cada viajante desembolsa nos EUA, em média, US$ 5.918 (cerca de R$ 12 mil) -aumento de 250% desde 2003. Os brasileiros já estão em terceiro lugar entre os que mais deixam dólares em solo americano.
Se, há dez anos, 40% dos brasileiros que pediam visto eram rejeitados, hoje nem 5% o são. Diante desse cenário, autoridades dos dois países já buscam entendimentos para suspender a exigência. Espera-se que um acordo não tarde.
O outro aspecto do imbróglio é o estatuto monopolista dos Correios. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal autorizou que empresas privadas atuassem em alguns setores, como entregas rápidas, mas confirmou o monopólio da estatal na emissão de selos e serviços postais de cartas pessoais e comerciais, além de faturas, talões de cheques e cobrança de tributos.
Se tal exclusividade pode ter sido justificável no passado, a fim de alcançar economia de escala e assegurar preços baixos para a troca de mensagens entre particulares, ela perdeu muito do sentido numa época em que predomina a comunicação eletrônica.
Grandes organizações dão preferência a serviços de encomendas porque confiam mais neles do que nos Correios para entrega de documentos e objetos. Ganhariam todos se a estatal fosse mantida nesse salutar regime de competição.
- folha de são paulo
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