Max Milliano Melo
Estado de Minas: 27/12/2012
Brasília – Se alguém, por um motivo qualquer, tivesse passado os últimos 10 anos dormindo e acordasse no fim de 2012, certamente teria uma surpresa com o destaque dado a personalidades negras no país e no mundo. Essa pessoa veria o rosto de Barack Obama estampado na capa da revista Time, e descobriria que o homem de raízes africanas, eleito personalidade do ano pela publicação, comanda a mais poderosa nação do mundo. No Brasil, ela testemunharia os elogios frequentes feitos nas ruas e nas redes sociais a Joaquim Barbosa, e saberia que um afrodescendente preside hoje a mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal (STF).
Mesmo que Obama e Barbosa possam ainda ser considerados casos excepcionais, suas histórias estão conectadas a um movimento real – ainda que lento – de ascensão dos negros em vários países. Aos poucos, eles deixam de ser importantes apenas nas artes e nos esportes (áreas às quais pareciam limitados pelo preconceito social) e passam a influenciar os destinos da economia, da política e do pensamento mundial. Esse processo dá esperanças de que uma sociedade mais igualitária esteja se formando e, a curto prazo, tem um impacto direto na autoestima dessa população, que passa a não ter mais vergonha de assumir sua origem.
No Brasil, esse fenômeno é nítido. “Durante muito tempo, persistiu o absurdo de pessoas com a tez negra ou com os traços afros se declararem como brancas”, afirma Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) da Universidade de Brasília. “À medida que a situação social melhora, mais pessoas assumem sua identidade”, completa. A fala de Inocêncio é amparada por dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No último censo, de 2010, pela primeira vez na história, o percentual de pessoas que se declararam de cor preta ou parda (50,7%) foi maior do que o de indivíduos que se consideravam brancos (47%).
O estudo Dinâmica demográfica da população negra brasileira, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que esse fenômeno pode ser em parte explicado pela maior fecundidade das mulheres negras em relação às brancas. Contudo, ressalta a pesquisa, é fato que houve um aumento do número de pessoas que agora se declaram pardas e que antes preferiam dizer que eram brancas.
Desafios Apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Embora 75% das pessoas que ingressaram na classe média nos últimos anos sejam negras, segundo dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, essa parcela da população ainda ganha menos, enfrenta maior desemprego e tem menor escolaridade. Ainda segundo o Censo 2010, os rendimentos mensais médios de brancos (R$ 1.538) e amarelos (R$ 1.574) são quase o dobro dos de pretos (R$ 834), pardos (R$ 845) e indígenas (R$ 735).
A realidade ainda desigual, reproduzida em maior ou menor escala em diversas outras nações, justifica a decisão das Nações Unidas de declarar os próximos 10 anos a Década das Pessoas com Ascendência Africana. Com a iniciativa, a ONU espera acelerar o processo de construção de uma sociedade mais igualitária e ajudar no reconhecimento internacional da importância do continente africano na constituição do mundo contemporâneo.
Para o antropólogo Milton Guran, pesquisador do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) da Universidade Federal Fluminense (UFF), a África vem tendo, aos poucos, esse destaque. “A presença da África no mundo, em todos os campos, será cada vez maior. O mundo ocidental não existiria sem a incomensurável contribuição dos africanos, tanto no campo econômico como nos planos espirituais e culturais”, afirma. “O reconhecimento da África como protagonista maior da construção do mundo ocidental é um processo irreversível”, completa o professor.
História Assim, a visão eurocêntrica da história, ou seja, contada a partir do ponto de vista europeu, ganha contornos mais diversos, seja fora ou dentro do Brasil. “O país é tão negro quanto indígena e europeu. Como se diz à exaustão, é essa multiplicidade de raízes que faz a nossa força, a nossa singularidade como nação”, afirma Guran. Essa diversidade vem deixando de ser mero discurso para virar instrumento de transformação social do Brasil. “Nas últimas décadas, temos assistido a um aumento progressivo da consciência e da ação reivindicatória dos afrodescendentes e dos povos indígenas, com um apoio cada vez mais amplo do conjunto da sociedade, apesar da resistência de setores mais conservadores.”
Independentemente da cor da pele ou das origens de seus antepassados, reescrever a história do país e do mundo de maneira mais democrática é um processo que interessa a todos. “A reconstrução de uma memória coletiva – não só dos afrodescendentes diretos, mas de toda a nação – deve induzir toda a sociedade a reavaliar seus valores e preconceitos. Repensar a história da escravidão e das suas consequências é repensar toda a história do Brasil, nossa trajetória como nação”, afirma Guran, que é o representante brasileiro no Comitê Científico Internacional do Projeto Rota do Escravo, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Hoje, temos uma memória nacional que não se sustenta completamente por subdimensionar ou mesmo deixar de lado a força positiva da contribuição dos africanos e de seus descendentes para a construção do país e da nossa identidade nacional”, completa.
Assim, não faz sentido valorizar tantos aspectos ricos da cultura brasileira, como a música, a dança, a culinária, a agricultura e a engenharia sem valorizar aqueles que contribuíram de maneira direta para o desenvolvimento dessas áreas. “Mesmo com toda a violência que foi a escravidão, é inegável que ela produziu uma troca sem precedentes entre os diversos povos envolvidos nesse processo”, afirma Irina Bokova, diretora-geral da Unesco. “Assim, é preciso dar um lugar mais positivo e respeitoso para o continente africano.”
Mesmo que Obama e Barbosa possam ainda ser considerados casos excepcionais, suas histórias estão conectadas a um movimento real – ainda que lento – de ascensão dos negros em vários países. Aos poucos, eles deixam de ser importantes apenas nas artes e nos esportes (áreas às quais pareciam limitados pelo preconceito social) e passam a influenciar os destinos da economia, da política e do pensamento mundial. Esse processo dá esperanças de que uma sociedade mais igualitária esteja se formando e, a curto prazo, tem um impacto direto na autoestima dessa população, que passa a não ter mais vergonha de assumir sua origem.
No Brasil, esse fenômeno é nítido. “Durante muito tempo, persistiu o absurdo de pessoas com a tez negra ou com os traços afros se declararem como brancas”, afirma Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) da Universidade de Brasília. “À medida que a situação social melhora, mais pessoas assumem sua identidade”, completa. A fala de Inocêncio é amparada por dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No último censo, de 2010, pela primeira vez na história, o percentual de pessoas que se declararam de cor preta ou parda (50,7%) foi maior do que o de indivíduos que se consideravam brancos (47%).
O estudo Dinâmica demográfica da população negra brasileira, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que esse fenômeno pode ser em parte explicado pela maior fecundidade das mulheres negras em relação às brancas. Contudo, ressalta a pesquisa, é fato que houve um aumento do número de pessoas que agora se declaram pardas e que antes preferiam dizer que eram brancas.
Desafios Apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Embora 75% das pessoas que ingressaram na classe média nos últimos anos sejam negras, segundo dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, essa parcela da população ainda ganha menos, enfrenta maior desemprego e tem menor escolaridade. Ainda segundo o Censo 2010, os rendimentos mensais médios de brancos (R$ 1.538) e amarelos (R$ 1.574) são quase o dobro dos de pretos (R$ 834), pardos (R$ 845) e indígenas (R$ 735).
A realidade ainda desigual, reproduzida em maior ou menor escala em diversas outras nações, justifica a decisão das Nações Unidas de declarar os próximos 10 anos a Década das Pessoas com Ascendência Africana. Com a iniciativa, a ONU espera acelerar o processo de construção de uma sociedade mais igualitária e ajudar no reconhecimento internacional da importância do continente africano na constituição do mundo contemporâneo.
Para o antropólogo Milton Guran, pesquisador do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) da Universidade Federal Fluminense (UFF), a África vem tendo, aos poucos, esse destaque. “A presença da África no mundo, em todos os campos, será cada vez maior. O mundo ocidental não existiria sem a incomensurável contribuição dos africanos, tanto no campo econômico como nos planos espirituais e culturais”, afirma. “O reconhecimento da África como protagonista maior da construção do mundo ocidental é um processo irreversível”, completa o professor.
História Assim, a visão eurocêntrica da história, ou seja, contada a partir do ponto de vista europeu, ganha contornos mais diversos, seja fora ou dentro do Brasil. “O país é tão negro quanto indígena e europeu. Como se diz à exaustão, é essa multiplicidade de raízes que faz a nossa força, a nossa singularidade como nação”, afirma Guran. Essa diversidade vem deixando de ser mero discurso para virar instrumento de transformação social do Brasil. “Nas últimas décadas, temos assistido a um aumento progressivo da consciência e da ação reivindicatória dos afrodescendentes e dos povos indígenas, com um apoio cada vez mais amplo do conjunto da sociedade, apesar da resistência de setores mais conservadores.”
Independentemente da cor da pele ou das origens de seus antepassados, reescrever a história do país e do mundo de maneira mais democrática é um processo que interessa a todos. “A reconstrução de uma memória coletiva – não só dos afrodescendentes diretos, mas de toda a nação – deve induzir toda a sociedade a reavaliar seus valores e preconceitos. Repensar a história da escravidão e das suas consequências é repensar toda a história do Brasil, nossa trajetória como nação”, afirma Guran, que é o representante brasileiro no Comitê Científico Internacional do Projeto Rota do Escravo, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Hoje, temos uma memória nacional que não se sustenta completamente por subdimensionar ou mesmo deixar de lado a força positiva da contribuição dos africanos e de seus descendentes para a construção do país e da nossa identidade nacional”, completa.
Assim, não faz sentido valorizar tantos aspectos ricos da cultura brasileira, como a música, a dança, a culinária, a agricultura e a engenharia sem valorizar aqueles que contribuíram de maneira direta para o desenvolvimento dessas áreas. “Mesmo com toda a violência que foi a escravidão, é inegável que ela produziu uma troca sem precedentes entre os diversos povos envolvidos nesse processo”, afirma Irina Bokova, diretora-geral da Unesco. “Assim, é preciso dar um lugar mais positivo e respeitoso para o continente africano.”
O segundo
Barack Obama, que já havia sido escolhido a personalidade do ano pela Time quando foi eleito presidente dos Estados Unidos pela primeira vez, é a segunda pessoa negra a receber essa homenagem nos 86 anos da publicação.
A outra foi o ativista americano Martin Luther King Jr., assassinado em 1968.
Barack Obama, que já havia sido escolhido a personalidade do ano pela Time quando foi eleito presidente dos Estados Unidos pela primeira vez, é a segunda pessoa negra a receber essa homenagem nos 86 anos da publicação.
A outra foi o ativista americano Martin Luther King Jr., assassinado em 1968.
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