Zero Hora: 26/12/2012
Ontem faleceu, aos 105 anos (a mesma idade em que se foi o grande
Niemeyer), dona Canô, cuja trajetória acompanhávamos como se fosse a
avozinha do Brasil. De onde surgiu sua fama? Nem ela sabia explicar:
“Apenas fiquei conhecida por causa de meus dois filhos que nunca se
esqueceram de onde vieram nem da mãe que têm”. O curioso é que ninguém
nunca ouviu falar sobre a mãe de Gilberto Gil ou de Gal Costa, pra citar
os outros “doces bárbaros”. O que é que dona Canô tinha, afinal?
Sem possuir a exuberância dos filhos cantores, dona Canô era, ao
contrário, fisicamente minguada, discreta, pequena em estatura. Porém
exalava força moral, trabalhava por benfeitorias para sua Santo Amaro e
era uma mulher posicionada politicamente, gostassem ou não de suas
escolhas – foi íntima amiga do senador Antonio Carlos Magalhães e depois
se rendeu a Lula, defendendo-o publicamente, como no episódio em que
rebateu as críticas feitas por Caetano, quando esse declarou apoio a
Marina Silva dizendo que ela sabia falar, ao contrário do líder petista,
que era grosseiro. “Caetano é só um cantor, não precisa ofender nem
procurar confusão”, declarou ela na época. Arretada, a velhinha.
Dona Canô era uma mulher de personalidade forte, mas de hábitos
simples. Aliás, como Niemeyer. Lógico que o arquiteto está eternizado
pela importância incomparável à da baiana que ficou conhecida apenas por
ter dado à luz dois filhos talentosos, mas ele compartilhava com ela ao
menos uma afinidade: a visão de mundo extremamente humanista e sem
afetações.
Quem sabe não está aí o segredo da longevidade? Na surrada lista de
atitudes para atingirmos os cem anos (a saber: não fumar, não beber,
praticar exercícios, seguir uma dieta balanceada, manter um hobby,
conviver mais com os amigos e demais resoluções que, aposto, você pautou
para 2013), talvez esteja na hora de incluirmos os cuidados com nosso
estado de espírito a fim de envelhecermos com juventude na alma.
Morrer aos 80, que não faz muito tempo parecia pra lá de razoável,
está ganhando ares de infanticídio. Dona Canô, Niemeyer e mais uma penca
de centenários anônimos têm mostrado que é possível esticar essa corda e
seguir contribuindo para a sociedade. O segredo?
Nem tanto as regrinhas de manual, e sim a consciência de que gostar
do que se faz, posicionar-se frente às questões cotidianas, enxergar a
beleza das coisas prosaicas, se despreocupar diante do que não temos
controle, investir nos afetos verdadeiros, cercar-se de gente do bem,
amar sem restrições, deixar a vaidade de lado e valorizar aquilo que
traz substância à nossa existência formam um conjunto de medidas tão
eficaz quanto apagar o cigarro ou comer mais espinafre.
Em tempos de balanço e planos para o futuro, fica a dica da dona
Canô, em frase dita por ela em seu último aniversário: “Viver é muito
bom, mas saber viver é muito melhor”.
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