Frei Betto
Estado de Minas: 05/12/2012
Conheci Joelmir Beting na década de 1980. Devido a seus sutis comentários econômicos críticos à ditadura, recheados de metáforas e tiradas brilhantes, convidei-o a proferir palestra na Semana do Trabalhador, em São Bernardo do Campo.
Pouco depois, sugeri a Fidel Castro, interessado em conhecer melhor a economia brasileira, convidar Joelmir Beting para visitar Cuba. Desembarcamos em Havana na quinta, 9 de maio de 1985.
Fidel perguntou ao jornalista brasileiro:
— Qual o seu trabalho diário?
— Faço uma hora e meia de programa de rádio e, à noite, meia hora de TV. Escrevo também uma coluna diária, reproduzida em 28 jornais.
Joelmir narrou-lhe sua história: era filho de um boia-fria morto, como tantos outros lavradores ainda hoje, devido à queda do caminhão que o levava ao trabalho. Cresceu entre lavouras de cana e café, criado pelo venerável padre Donizetti, em Tambaú, interior de São Paulo. Estudou ciências sociais na Universidade de São Paulo e trabalhou como professor primário – o que lhe deu facilidade para traduzir o economês em linguagem acessível ao grande público.
— São Paulo tem muita cana? – perguntou Fidel.
— Produz 70% da cana-de-açúcar do Brasil – esclareceu Joelmir, que aproveitou a deixa para fazer uma pergunta:
— O que o senhor lê todos os dias?
— O que o senhor lê todos os dias?
— Todas as manhãs recebo uma pasta com as notícias do dia selecionadas por índice: Cuba, açúcar, Estados Unidos etc. Primeiro, confiro as fontes. Sei que as agências dos Estados Unidos não são imparciais. Gasto nisso entre uma hora e uma hora e meia. Assim, tenho uma visão global de tudo que as agências internacionais informam sobre cada item.
— Ninguém conhece o computador que o ser humano tem na cabeça – comentou Joelmir. — Como é o seu trabalho?
— É um trabalho tenso, difícil, que encerra uma responsabilidade muito grande. Mas se habitua. Trato de aprender em conversas com visitantes. Através de amigos, sei como se pensa em muitos países.
— Mas o senhor gosta de falar em público?
— Tenho medo cênico. Falo de improviso, porque o povo não gosta de discursos escritos. Parto de argumentos. É claro que chego tenso, mas a reação do público estimula. Chego como quem se apresenta a um exame. Quando devo falar de saúde, por exemplo, preciso memorizar as cifras. Se trata de gravar os índices de mortalidade infantil, consigo-o rápido. É mais difícil quando o problema está determinado por 15 ou mais fatores. Tenho que dominar o tema e ordená-los. Há gente que explica o que não entende. Se não domino um tema, não procuro explicá-lo.
— Em Cuba, o projeto social está realizado? – quis saber Joelmir Beting.
— Sim, no essencial.
—Este é o modelo cubano?
— Há muito de cubano. O sistema eleitoral é todo cubano. Cada circunscrição, com 10 mil eleitores, elege seu delegado ao Poder Popular. São os vizinhos que votam. E são eles que propõem um nome para delegado. Sugerem o máximo de oito nomes e o mínimo de dois. O partido não se mete nisso. São eleitos aqueles que obtêm mais de 50% dos votos. Esses delegados formam a Assembleia Municipal e elegem o Poder Executivo municipal. Depois, se reúnem as comissões, integradas pelo partido e pelas organizações de massa, para eleger os delegados da província e os 500 deputados da Assembleia Nacional. Mais da metade desses deputados sai da base. A cada três meses, os vizinhos se reúnem com o delegado da circunscrição para avaliar o seu desempenho. E podem inclusive cassá-lo. Esse sistema de a população apontar os candidatos que integram metade da Assembleia Nacional é a democracia de baixo para cima. Não é como um político burguês que, depois de eleito, passa quatro anos sem prestar contas e sem que possam cobrar dele. O Poder Popular nomeia o responsável pela saúde na província, mas, para evitar choques, consulta antes o ministério. É uma forma de evitar tensões entre o Poder Popular e o poder central.
O diálogo entre Fidel e Joelmir Beting foi reproduzido em forma de entrevista em todos os jornais brasileiros para os quais Joelmir Beting colaborava na época e, em agosto de 1985, editado em livro pela Brasiliense, sob o título Os juros subversivos.
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