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Israel insiste no erro
Quando a Assembleia-Geral da ONU aprovou a elevação de status da Autoridade Palestina de "entidade observadora" a "Estado observador não membro", o governo de Israel poderia ter identificado ali mais um sinal de que sua posição belicista é cada vez menos defensável.Na votação da semana passada, 138 países apoiaram o pleito palestino e apenas 9 foram contrários a ele (41 se abstiveram). Ainda que a nova condição não dê poder de voto à Palestina, o efeito simbólico do reconhecimento como Estado não deve ser desprezado.
À revelia do recado da ONU, porém, Israel resolveu retaliar a Palestina e aprovou a construção de 3.000 unidades habitacionais em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia -áreas ocupadas desde 1967.
Em seguida, o Estado judeu congelou fundos que deveria repassar à Autoridade Nacional Palestina -oriundos de impostos de novembro sobre produtos que entram no território palestino sob controle de Israel.
Na segunda-feira, Reino Unido, França, Espanha, Suécia e Dinamarca convocaram os embaixadores israelenses em suas respectivas capitais para dar explicações sobre as medidas anunciadas por Israel. Ontem, o Brasil fez o mesmo.
Os Estados Unidos, tradicionais aliados de Israel, não tomaram iniciativa tão categórica (na diplomacia, a convocação de um embaixador representa séria insatisfação de um país com o outro), mas criticaram as decisões do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.
As reações desses países decorrem, sobretudo, do injustificável plano israelense de ampliar a colonização. Uma parcela das novas habitações ficará num corredor entre Jerusalém Oriental e o assentamento judaico de Maale Adumim, dividindo a Cisjordânia em duas partes e dificultando ainda mais a viabilidade do Estado palestino.
Verdade que as 3.000 unidades anunciadas não representam um grande avanço de Israel. Iniciados há quase 45 anos, os assentamentos já são moradia para mais de 500 mil judeus na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.
A gravidade do gesto está mais na localização e no momento escolhidos. Uma vez estabelecidas, as colônias dificultam negociações sobre o território em que se implantaram. São, portanto, um retrocesso. A pretexto de defender os israelenses, a política de Netanyahu complica a situação com a Palestina e sugere que a seu governo interessa antes acirrar o conflito que buscar a paz na região.
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Herança maldita
Sucessivos escândalos de corrupção solapam imagem de Lula; ex-presidente ainda deve explicações satisfatórias sobre todos esses episódios
Nos seus aspectos constrangedores e diminutos, o caso Rosemary Noronha comprova, para além de qualquer dúvida, o tipo de legado que o ex-presidente Lula deixou à sua sucessora no Planalto.Ainda que tenham sido significativos os avanços econômicos e sociais ao longo de seu governo, Lula fez com que verdadeira herança maldita se mantivesse incrustada no aparelho de Estado brasileiro.
Nem mesmo se completam o desmantelamento e a punição da quadrilha mensaleira, outro foco de irregularidades é desvendado.
No mensalão, o escândalo estacou na figura todo-poderosa do ex-ministro José Dirceu, sem que surgissem provas do envolvimento de Lula no esquema criminoso.
Restaram, é claro, as suspeitas de conivência, reforçadas pela contínua atitude de apoio aos condenados que tanto Lula como setores ainda expressivos do petismo não têm pejo em manifestar.
Diferentemente do que ocorre em outros países, não é da tradição brasileira investigar a vida pessoal de suas figuras públicas.
Pouco importaria o tipo de relacionamento que se verificou entre Lula e Rosemary.
Entretanto impõem-se explicações sobre o fato de ela ter sido nomeada chefe do escritório da Presidência em São Paulo, exercendo a partir daí atuação diversificada no campo dos favorecimentos, das indicações, dos pareceres duvidosos e das propinas de ocasião.
Sem outras qualificações exceto a proximidade com o presidente, Rosemary conseguiu nomear Paulo Rodrigues Vieira para a diretoria da Agência Nacional de Águas e seu irmão, Rubens Carlos Vieira, para cargo equivalente na Agência Nacional de Aviação Civil.
Surge, com a ajuda de Paulo Vieira, a aprovação suspeita de um projeto portuário em Santos; surge um parecer favorável ao ex-senador Gilberto Miranda, permitindo que ocupasse uma ilha no litoral paulista; surgem laudos e diplomas falsos obtidos por Rosemary em benefício de seu grupo.
Sem dúvida, a dimensão das propinas e dos favorecimentos já descobertos autoriza a aplicação de um termo em voga, "mequetrefe", para os atos da assessora lulista.
Mas não é mequetrefe, afinal, o cargo de presidente da República. E não é inédito, muito ao contrário, o estilo de aparelhamento imposto pelo lulismo ao governo federal, que este episódio reafirma.
O ex-presidente, mais uma vez, esconde-se atrás da barreira de fumaça criada pelos correligionários.
Desmorona, aos poucos, o mito de estadista de que se quis cercar um governante que pôs o Estado a serviço de interesses partidários e que se esquiva, de modo contumaz, a assumir a responsabilidade dos atos delituosos que se cometeram sob seu poder.
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