Marina Colasanti
Estado de Minas: 06/12/2012
Na França, 313 mulheres acabam de assinar um manifesto declarando ter sido estupradas. Lá, um estupro acontece a cada oito minutos. Mas só uma vitima, em cada oito, dá queixa, temendo o escândalo, a humilhação e a desconfiança. A finalidade do manifesto é justamente eliminar o silêncio que envolve esse tipo de crime.
Se você foi assaltada, se arrombaram seu carro, se arrancaram sua bolsa, você pode até não ir à polícia, mas vai desabafar contando para a família com detalhes, ligando para as amizades mais íntimas, e vai repetir sua história em mesa de bar ou em churrasco de fim de semana, porque ser vítima de violência urbana é uma forma de modernidade, de pertencimento à cidade e, certamente, haverá no seu grupo social muitos outros que já passaram por coisa semelhante. Mas eu própria, em tantos anos de vida, frequentando tantos ambientes diferentes, de trabalho e sociais, só uma vez ouvi uma mulher contar o drama do seu estupro e o fazia em voz baixa, secreta e doloridamente, buscando o acolhimento da minha mãe sem saber que atrás da porta uma menininha ouvia sem entender.
Vou em busca de estatísticas brasileiras recentes e comprovo, a situação aqui é bem pior: a cada 12 segundos um homem submete uma mulher à violência sexual. É coisa demais para mim, não quero acreditar, vou em busca de outros dados. Encontro outra estatística, segundo a qual, no ano passado, mais de quatro mulheres foram estupradas por dia no Rio e mais de seis em São Paulo. A pesquisa dá os números exatos, vírgula e tal, mas porque esses números me doem tanto, os arredondo dessa forma incompleta. A partir das duas cidades tento fazer grosseiramente as contas, desisto, nosso país é tão grande, tão cheio de cidades e de povoados e de ajuntamentos. Basta uma casa para que o mal ocorra. E todo mundo sabe, esses números apavorantes são apenas uma parte do que realmente ocorre, porque outra parte, a maior, fica encoberta.
Mundo afora há variantes. No Japão, por exemplo, só 6% das mulheres sofrem violência sexual; em contrapartida, são 59% na Etiópia. Mas o quadro geral é que mulheres de 15 a 44 anos correm mais risco de sofrer estupro do que de ter um câncer, de serem vítimas de um acidente de carro, da guerra ou da malária. É o que dizem estudos da Organização das Nações Unidas (ONU). E só não acrescentaram a peste porque a peste foi debelada. Ou porque o estupro é a peste que nos sobrou.
Dos vários depoimentos que se seguiram ao manifesto, um é mais emblemático: “Na minha família, há quatro gerações somos estupradas. Minha bisavó foi estuprada por seu marido, minha avó foi estuprada por seu pai, minha mãe foi estuprada por seu primo e eu fui estuprada por meus primos (...) Não houve prisão nem sanção para os estupradores. Nada. (...) Minha bisavó nasceu em 1895, minha avó em 1917, minha mãe em 1957 e eu em 1983. Desde 1895, portanto, a justiça e a ação pública foram ausentes para nós”.
Jeannie, que assina o depoimento, poderia recuar muito mais sem encontrar a presença da defesa social que até hoje não a ampara. Nem todas as mulheres da sua estirpe terão sido violadas. Mas das que foram consideradas butim de guerra, das que tiveram que se submeter ao jus primae noctis, ou das que foram pegas no campo por um patrão, ninguém escutou a voz.
Se você foi assaltada, se arrombaram seu carro, se arrancaram sua bolsa, você pode até não ir à polícia, mas vai desabafar contando para a família com detalhes, ligando para as amizades mais íntimas, e vai repetir sua história em mesa de bar ou em churrasco de fim de semana, porque ser vítima de violência urbana é uma forma de modernidade, de pertencimento à cidade e, certamente, haverá no seu grupo social muitos outros que já passaram por coisa semelhante. Mas eu própria, em tantos anos de vida, frequentando tantos ambientes diferentes, de trabalho e sociais, só uma vez ouvi uma mulher contar o drama do seu estupro e o fazia em voz baixa, secreta e doloridamente, buscando o acolhimento da minha mãe sem saber que atrás da porta uma menininha ouvia sem entender.
Vou em busca de estatísticas brasileiras recentes e comprovo, a situação aqui é bem pior: a cada 12 segundos um homem submete uma mulher à violência sexual. É coisa demais para mim, não quero acreditar, vou em busca de outros dados. Encontro outra estatística, segundo a qual, no ano passado, mais de quatro mulheres foram estupradas por dia no Rio e mais de seis em São Paulo. A pesquisa dá os números exatos, vírgula e tal, mas porque esses números me doem tanto, os arredondo dessa forma incompleta. A partir das duas cidades tento fazer grosseiramente as contas, desisto, nosso país é tão grande, tão cheio de cidades e de povoados e de ajuntamentos. Basta uma casa para que o mal ocorra. E todo mundo sabe, esses números apavorantes são apenas uma parte do que realmente ocorre, porque outra parte, a maior, fica encoberta.
Mundo afora há variantes. No Japão, por exemplo, só 6% das mulheres sofrem violência sexual; em contrapartida, são 59% na Etiópia. Mas o quadro geral é que mulheres de 15 a 44 anos correm mais risco de sofrer estupro do que de ter um câncer, de serem vítimas de um acidente de carro, da guerra ou da malária. É o que dizem estudos da Organização das Nações Unidas (ONU). E só não acrescentaram a peste porque a peste foi debelada. Ou porque o estupro é a peste que nos sobrou.
Dos vários depoimentos que se seguiram ao manifesto, um é mais emblemático: “Na minha família, há quatro gerações somos estupradas. Minha bisavó foi estuprada por seu marido, minha avó foi estuprada por seu pai, minha mãe foi estuprada por seu primo e eu fui estuprada por meus primos (...) Não houve prisão nem sanção para os estupradores. Nada. (...) Minha bisavó nasceu em 1895, minha avó em 1917, minha mãe em 1957 e eu em 1983. Desde 1895, portanto, a justiça e a ação pública foram ausentes para nós”.
Jeannie, que assina o depoimento, poderia recuar muito mais sem encontrar a presença da defesa social que até hoje não a ampara. Nem todas as mulheres da sua estirpe terão sido violadas. Mas das que foram consideradas butim de guerra, das que tiveram que se submeter ao jus primae noctis, ou das que foram pegas no campo por um patrão, ninguém escutou a voz.
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