Folha de São Paulo
Diretora de documentário foi atingida por síndrome que afeta membros, assim como 800 brasileiros ainda vivos
País é o único onde há três gerações de vítimas do medicamento, que era receitado contra enjoos e causava danos a fetos
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Claudia Marques Maximino, que dirigiu documentário sobre efeitos da talidomida |
A talidomida chegou ao mercado há 55 anos e, além de ser usada como sedativo, também era receitada contra o enjoo das grávidas. No anos 1960, foi responsável pelo nascimento de ao menos 12 mil crianças com deficiência, principalmente pelo encurtamento de braços e pernas.
Em 1961, vários países retiraram a droga de circulação, o que só ocorreu após quatro anos no Brasil. No entanto, o país voltou a utilizá-la no tratamento da hanseníase.
Desde 1997, a substância passou a ser restringida no caso das mulheres em idade fértil e só pode ser usada em determinados casos de hanseníase e outros males, como a doença de Crohn.
O país teve a segunda e, agora, a terceira geração de vítimas da talidomida -fato inédito no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Ao todo, são 800 pessoas ainda vivas, a última diagnosticada há dois anos.
"É uma vergonha. O mundo tem de saber disso", diz o agente de viagens Luiz Otávio Falcão, 51, que nasceu com deficiência nos braços.
Além de depoimentos das vítimas, o documentário "Tá Faltando Alguma Coisa" (1h15 de duração) traz relatos de técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e do INSS, de advogados e promotores, por exemplo.
"O documentário mostra essa visão crítica do sistema, a luta diária em busca dos nossos direitos", afirma Claudia Marques Maximino, presidente da ABPST (Associação Brasileira dos Portadores da Síndrome da Talidomida) e diretora do filme.
Cláudia nasceu em 1962 sem as duas pernas e um braço-o outro braço é defeituoso. Formada em administração de empresas e pós-graduada em recursos humanos, dirige a associação, criada com a ajuda do então governador Mario Covas (1930-2001), desde 1991.
"Naquela época, não tínhamos direito a quase nada. Conseguimos mudar a lei [em 1993], estabelecendo uma pensão de um a oito salários [dependendo do grau da deficiência] e incluindo o direito a próteses. Ainda hoje, às vezes, só se ganha no grito."
PRESSÃO
Em 1993, na Câmara dos Deputados, Cláudia chegou a ameaçar tirar as pernas mecânicas e pular de mesa em mesa para caso os parlamentares não aprovassem o projeto- que acabou sendo aprovado por unanimidade.
A carioca Wanda Soares Santos, 48, outra vítima que aparece no documentário, lembra-se bem das dificuldades que enfrentou até conseguir o direito à pensão.
Nascida com defeitos nos dois braços, conseguiu terminar o ensino fundamental com a ajuda das professoras. "Não tinha coordenação porque nunca fiz fisioterapia. Minha família era muito pobre."
Em 2010, as vítimas da talidomida ganharam direito a indenização por danos morais. O valor varia de R$ 50 mil a R$ 400 mil. Das 650 pessoas com direito ao benefício, 150 ainda não o receberam.
A ideia de Cláudia é distribuir o documentário em escolas médicas e de direito. "Precisávamos desse registro histórico para que uma tragédia não aconteça mais." Mais informações no site www.talidomida.org.br.
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