Bruna Sensêve
Estado de Minas: 06/12/2012
Setenta e cinco regiões no DNA humano podem contribuir para o entendimento das características mais básicas das hemácias, as células do sangue responsáveis pelo transporte de oxigênio aos tecidos do corpo. Para chegar a essa conclusão, cientistas trabalharam exaustivamente. Um consórcio internacional reuniu centenas deles em torno do estudo genômico de 135.367 pessoas. Antes disso, foi feito o hemograma completo de cada um deles. Os dados das duas análises foram cruzados, e pelos resultados alcançados, é possível identificar, por exemplo, quando certas doenças sanguíneas com influência genética vão se manifestar. Segundo especialistas, o estudo é a ponta do iceberg das informações sobre a função e a formação dos glóbulos vermelhos humanos.
Das 75 regiões genéticas encontradas por apresentar uma significativa associação com um ou mais características dos glóbulos vermelhos, 43 eram desconhecidas. No entanto, a identificação de 38 regiões já reconhecidas em estudos anteriores pela interferência na função e na formação de hemácias foi a primeira confirmação de que os pesquisadores estavam no caminho certo. O segundo passo foi identificar quais os genes de todas as regiões estavam realmente envolvidos nesses processos. Os estudiosos levaram em conta quatro critérios genéticos, entre eles a localização do gene na região e sua relação para o equilíbrio e a expressão da região genética, além de descobertas relatadas na literatura acadêmica.
A estratégia identificou 121 genes que conhecidamente estavam envolvidos no desenvolvimento e na função hematológica, na proliferação e na morte celular, além de processos imunológicos. Alguns deles também estariam ligados a desordens hereditárias nos glóbulos vermelhos, como a eliptocitose (em que as células têm o formato de elipse), ovalocitose (células ovais) e esferocitose (células esféricas). Relações com distúrbios como a anemia hemolítica e a deficiência ou a sobrecarga de ferro também foram identificadas.
Testes com dois tipos de modelos animais – camundongo e mosca-de-frutas – confirmaram o resultado. Nesses exames, genes foram silenciados, excluídos ou expressados em maior ou menor intensidade para que fosse possível identificar a real função deles na caracterização das hemácias. Mais uma vez, os cientistas conseguiram confirmar as primeiras suspeitas. Segundo o autor principal do estudo, John Chambers, da Faculdade Imperial de Londres, no Reino Unido, as estratégias de bioinformática usadas para a análise genômica identificaram um conjunto central de genes, regulados de diferentes formas em células hematológicas precursoras, ou seja, que futuramente se diferenciarão em hemácias. São as informações nessas células ainda imaturas as maiores candidatas a mediar os efeitos nas características biológicas dos glóbulos vermelhos do sangue.
“No entanto, apesar das nossas extensas análises genômicas, dos dados experimentais e da bioinformática, as identidades precisas das variantes causais, das regiões reguladoras e dos genes continuam a ser determinadas. A identificação definitiva vai exigir uma avaliação experimental mais detalhada”, ressalta. Ainda assim, Chambers acredita que os resultados fornecem novos insights sobre os genes e as variantes genéticas que podem influenciar os níveis de hemoglobina e os índices de células vermelhas do sangue. Um primeiro experimento paralelo já foi conduzido pela equipe.
Aplicação clínica Quase 500 pacientes com uma rara doença genética sanguínea conhecida como talassemia major participaram de experimentos complementares ao estudo principal. Popularmente conhecida como anemia do Mediterrâneo, a talassemia é um grupo de doenças genéticas caracterizadas por defeitos na produção da hemoglobina, presente nas hemácias. O tipo major é a forma grave, em que o doente recebeu dois alelos defeituosos, um do pai e outro da mãe, provocando uma anemia profunda e com necessidade de contínuas transfusões de sangue.
Com as regiões genéticas responsáveis pelas características das hemácias já conhecidas, os pesquisadores investigaram as associações entre os fenótipos dos glóbulos vermelhos dos indivíduos e a patologia. A associação com alguns dos locais identificados inicialmente foi confirmada, mas não só isso. O nível de risco genético encontrado nos pacientes modifica a gravidade da doença por meio de seu efeito sobre os níveis de hemoglobina ainda no feto, ajudando, inclusive, na previsão de quando a doença alcançará certo nível de gravidade que exigirá a primeira transfusão sanguínea.
Para a geneticista Ana Lúcia Godard, a primeira aplicação em pessoas com talassemia aponta diversas possíveis utilizações clínicas de investigações genéticas. “Se pegar um estudo como esse, focado em outra doença, como o diabetes tipo 1, que acomete crianças, por exemplo, seria possível descobrir quando a doença primeiro se manifestará.”
Segundo a professora de genética humana Ana Lúcia Brunialti Godard, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o desenho do experimento não é novo, já que a estratégia é usada há muito tempo, mas a quantidade de pessoas analisadas é fenomenal. “Eles vasculharam o genoma procurando variantes genéticas chamadas polimorfismos. São mudanças no DNA entre cada indivíduo que não necessariamente conduzem a uma doença, mas que em um todo leva a nossa variabilidade fenotípica, cor dos olhos, por exemplo”, detalha.
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