Folha adianta texto inédito de James Joyce, "Finn's Hotel", que faz ponte entre suas obras-primas
CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOUm espectro rondou Frankfurt em outubro passado. O espectro de James Joyce.No barulhento e glamouroso lobby do hotel Frankfurter Hof, onde, nos finais de noite da feira local, se reúnem há décadas editores de todo o mundo, comentava-se, à boca miúda, que um inédito de Joyce estava à caminho.
Não seria um texto qualquer. Uma pequena editora irlandesa estava oferecendo a seletas casas editoriais um livro que ajudaria a entender a mais enigmática das obras joyceanas, o romance "Finnegans Wake" (1939).
Do tal inédito sabia-se quase nada: o título, "Finn's Hotel", e o nome da editora, Ithys Press. Criada em 2011, a editora de Dublin publicara apenas dois títulos: o segundo deles também um inédito de Joyce, o infantil "Os Gatos de Copenhague", lançado em janeiro deste ano.
Foi nessa data que a obra de Joyce (1882-1941) entrou em domínio público, o que permitiu que editoras do mundo todo, inclusive do Brasil, lançassem novas edições do astro modernista.
"Finn's Hotel", porém, seria uma obra desconhecida mesmo entre estudiosos de vida toda do escritor.
A editora irlandesa que o lançará cercou de mistério o projeto, que será apresentado publicamente em janeiro. Mas a Folha obteve o livro em primeira mão.
A obra, que na edição da Ithys Press deverá ter pouco mais de cem páginas, é composto por 11 fábulas, que giram em torno de episódios históricos da Irlanda, expediente comum a quase tudo o que Joyce escreveu.
No trabalho inédito, o escritor também aproveitou para tatuar -como em suas obras mais célebres, "Ulysses" e "Finnegans Wake"- a sua grande história de amor.
O hotel Finn's, que dá título à coletânea, é o estabelecimento de Dublin onde Nora Barnacle trabalhava como camareira quando Joyce a conheceu, em junho de 1904.
Como bem sabe todo o universo da literatura, Joyce e Nora saíram a primeira vez no dia 16 do mês em questão, razão pela qual todo o romance "Ulysses" se passa num dia 16 de junho. Já "Finn's Hotel" é ambientado ao longo de 1.500 anos de história.
No texto de apresentação do livro, o responsável pela edição, o polêmico joyceano irlandês Danis Rose, sustenta que as 11 fábulas de "Finn's" foram escritas num curto período, entre a primavera e o inverno de 1923. À época, Joyce havia publicado "Ulysses" (saiu em 1922).
Tradutor da mais recente edição de "Ulysses" no Brasil, o professor Caetano Waldrigues Galindo analisou "Finn's Hotel" a pedido da Folha. "É um texto extremamente interessante, uma espécie de 'elo perdido' em vários sentidos, entre a linguagem do 'Ulysses' e a do 'Wake'."
Inédito teve publicação embargada em 92
Descobertos por pesquisador de Joyce menos conhecido, textos geraram reação violenta da academia britânica
"Nenhum estudioso que se preze poderá ignorar este livro", diz tradutor sobre obra apresentada por Danis Rose
Toby Hook/Divulgação | ||
Lateral do Finn's Hotel, em Dublin, onde Nora, mulher de James Joyce, trabalhava quando eles se conheceram |
Em outubro de 1992, a prestigiosa editora norte-americana Viking, do grupo Penguin, anunciou que publicaria um inédito de Joyce. A obra em questão seria "Finn's Hotel", estabelecida e apresentada por Danis Rose.
Toda a "joycesfera" entrou em ebulição. Sabia-se que Rose, um acadêmico pouco conhecido à época, trabalhava há 16 anos para realizar uma edição crítica de "Finnegans Wake", livro sobre o qual ele havia publicado um ensaio em 1982. Mas era tudo.
A reação ao "novo título" foi violenta. David Hayman, estudioso que publicara um dos livros mais importantes no estudo de "Finnegans Wake", o volume "The First Draft Version of Finnegans Wake" (1963), acusou Rose de tentar perpetrar uma "farsa".
Segundo ele, os textos apresentados à época como sendo o inédito "Finn's Hotel" seriam apenas esboços esparsos, em parte publicados no seu clássico estudo.
Diante dos questionamentos, o espólio de Joyce, que já havia assinado contrato com a Viking Press, pediu que cancelassem a publicação.
Rose argumentou em textos à época que por não ser parte do "establishment" oficial dos estudiosos de Joyce estava sendo boicotado.
E desde então veio travando algumas discussões públicas com o neto do escritor, Stephen Joyce.
Vinte anos depois dessa primeira aparição "pública", o "Finn's Hotel" que Rose publicará é uma obra diferente. Ao longo das décadas passadas, ele diz ter localizado novos episódios do conjunto.
Procurado pela Folha, Rose diz que se pronunciará sobre o livro só em janeiro.
Caetano Walfrides Galindo, professor da Universidade Federal do Paraná, diz que ainda que se possa questionar se "Finn's Hotel" era ou não um conjunto acabado que Joyce cogitou publicar, a série de 11 episódios é de importância fundamental.
"Nenhum estudioso de Joyce que se preze poderá ignorar esse livro."
Segundo Galindo -que pretende traduzir "Finnegans Wake"-, quando escreveu "Finn's Hotel", Joyce estava "tateando". "Hoje se sabe que ele começou a estruturar o 'Wake' em torno da história de Tristão e Isolda, e 'Finn's Hotel' é, de várias maneiras, um esqueleto do que 'Wake' viria a ser, uma forma de encaixar esse mito num quadro maior."
Rose brinca, em sua introdução, que se "Finnegans Wake" é uma cortina "Finn's Hotel" "é um furo nesta cortina". O estudioso afirma que todas as grandes obras de Joyce foram feitas "em dois passos". "Primeiro ele criava um texto ou conjunto de textos, no qual já apareciam seus personagens, depois ele abandonava tudo."
Em seguida, Joyce criava outro texto do zero, e "assaltava o armário" das ficções anteriores. "Finn's Hotel" seria destes textos "assaltados". Nele, aparece pela primeira vez, por exemplo, o personagem HCE (ou Here Comes Everybody), o "protagonista" de "Finnegans Wake".
"A estrutura de 'Finn's' pode ser vista como um microcosmo daquela de 'Wake'", diz Galindo. "É uma forma de ler um material curto, escrito numa linguagem mais simples que a de 'Wake', e que apresenta temas, personagens, e até elementos da 'trama'."
Brasil terá correspondência inédita publicada
DE SÃO PAULODesde que a obra de Joyce entrou em domínio público, em janeiro deste ano, o mercado brasileiro já recebeu novas edições tanto de obras célebres de Joyce, como a bem-sucedida nova tradução de "Ulysses" (Penguin-Companhia), quanto de inéditos e desconhecidos.É o caso de "Epifanias" e de "Cartas a Nora". As duas obras foram lançadas em outubro pela Iluminuras. A editora, que completou 25 anos esta semana, lançará até o final do ano dois trabalhos infantis de Joyce: "O Gato e o Diabo" e "Os Gatos de Copenhague", cuja edição original foi da Ithys Press, a mesma de "Finn's Hotel".
Tradutora das duas obras, e da correspondência de Joyce com Nora Barnacle, Dirce Waltrick do Amarante está vertendo atualmente as cartas do escritor para seu irmão Stanislaus, inéditas no Brasil, que devem sair em 2013. "Elas trazem luz sobre os métodos de edição de Joyce", diz ela.
TRECHOS
"Trate Bem os Peixinhos"
Logo após chegar a nado nesse vale lacrimoso o estrangeirim do Kevineen se deliciava se ostentando com a esponja toda noite da banheira.Já menino inebriado pelo zelo da santa religião que lhe fora instilado atravessado no joelho da avó a velha senhora Jones ficou cada vez mais pio e abstraído como quando sabe Deus quando, ejaculando por uma indulgência de quarenta dias e dez quarentenas, sentou na pratada de caldo de cordeiro.
Ele simplesmente não tinha tempo para as moças ou coisas e tais e sempre dizia à caríssima mãe e às caras irmãs como o quanto a caríssima mãe e as caras irmãs lhe bastavam e pronto. Dele mais se nos diz que aos seis anos de idade escreveu uma redação premiada sobre bons-tratos para com os peixinhos de água doce.
"Uma história de um tonel"
Kevin nato na ilha da Irlanda oceano irlandês tendo em privilégio recebido altar portátil mais banheira vai ao Lough Glenadlough entre rios onde sozinho vive pio Kevin numa ínsula do lago em cuja ilha, ponto por cinco cursos d'água perimetrado, há lagoa onde resta uma ilha sobre a qual constrói santo Kevin uma cabana-colmeia cujo piso o santíssimo Kevin escava a fundura de um pé isso feito vai à margem do lago venerável Kevin e repetidas vezes enche de água a banheira que repetidas vezes verte venerabilíssimo Kevin na cavidade da cabana assim fazendo uma poça isso feito o beato Kevin semi-enche uma veza banheira de água banheira que então beatíssimo Kevin acomoda no centro da poça depois do que são Kevin cinta a batina nas pudendas e senta, beato santo Kevin, em tonelado banho de assento circunféreo onde, doctor solitarius, medita com ardor sobre o sacramento do batismo ou a regeneração do homem pela água.
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