quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A gente não quer só comida - Ailton Magioli‏

Vale-cultura é sancionado pela presidente Dilma Roussef e tem seis meses para ser regulamentado. Produtores cobram rigor na fiscalização do benefício. Público considera que R$ 50 são muito pouco

Ailton Magioli
Estado de Minas: 03/01/2013 
Depois do vale-transporte e do vale-refeição, vem aí o vale-cultura, benefício social pelo qual o trabalhador de carteira assinada terá acesso a R$ 50 mensais para a aquisição de produtos culturais. Sancionada no dia 27 pela presidente Dilma Rousseff, a lei que cria o novo benefício terá 180 dias para ser regulamentada. A previsão é de que esteja em vigor já no segundo semestre e atinja cerca de 17 milhões de brasileiros regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Na prática, o uso do vale-cultura será parecido com o de outros benefícios. O trabalhador receberá um cartão magnético, complementar ao salário, que poderá utilizar para ter acesso a teatros e cinemas, além de adquirir livros, CDs, DVDs e outros produtos culturais. Os R$ 50 serão concedidos apenas a trabalhadores contratados com carteira assinada, que ganham até cinco salários mínimos. 

Os que ganham mais que esse patamar também poderão receber o benefício, desde que esteja garantido pelo empregador o atendimento à totalidade dos empregados que ganham abaixo desse nível salarial. Ao aderir ao novo programa do governo federal, as empresas terão isenção de impostos de R$ 45 por vale doado. O trabalhador contribuirá apenas com R$ 5. A expectativa é de um impacto maior do que o da chegada da Lei Rouanet no meio cultural.

Para a ministra da Cultura, Martha Suplicy, é um benefício de duas pontas: “Na primeira, coloca na mão do trabalhador a escolha do que ele quer consumir de cultura. Já para o produtor cultural é importante porque ele vai ter mais pessoas podendo assistir à sua produção. Vale para livro, vale para dança, vale para toda atividade cultural”, destacou a ministra no ato da sanção do benefício.

“Vejo o mecanismo com bons olhos, apesar de muitos detectarem nele uma ação marqueteira”, reage Aluizer Malab, da Malab Produções, que vê na implantação do vale-cultura a possibilidade de fomento de público no meio. “Não só de incentivo, já que a questão passa pela educação também”, avalia o produtor. Para ele, ao contrário de outras iniciativas verdadeiramente marqueteiras, o vale-cultura tem uma fonte pagadora (empresariado), que será beneficiada pelo desconto no Imposto de Renda.“Já a meia-entrada tem a conta paga por nós, produtores”, protesta Malab.

Para o presidente do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas (Sinparc), Rômulo Duque, o mecanismo vem ao encontro do desejo da classe teatral. “Pode alavancar o nosso público”, acredita Rômulo Duque, ressaltando a necessidade de um controle do governo para que o trabalhador utilize o vale na compra de produtos culturais. “Os vale-transporte e o vale-alimentação, por exemplo, acabaram gerando um mercado paralelo”, aponta, cobrando mais rigidez no controle. “Afinal, o usuário vai comprar livro ou material escolar?”, interroga-se o presidente do Sinparc-MG.

Na opinião de Aluizer Malab, até que haja conscientização da classe trabalhadora de que o vale-cultura tem de ser gasto com produtos da área, é preciso um rígido controle. “O governo tem de fiscalizar”, prega o produtor, admitindo a perda do direito ao mecanismo caso ele seja desviado para compra em outras áreas. 

Falta política 

O acesso da denominada classe C à cultura é crescente no Brasil, como observa o produtor e pesquisador Hermínio Bello de Carvalho. “O assunto foi focalizado até em novela de João Emanuel Carneiro (Avenida Brasil)”, recorda ele. “Quanto ao vale-cultura, continuo com meus velhos bordões: a cultura tem que circular. Cadê a prometida volta do Projeto Pixinguinha?”, interroga-se Hermínio, admitindo que o país necessita de uma política de criação de novas e jovens plateias. “As TVs educativas e culturais também precisam ampliar seu papel, abrindo janelas para os músicos jovens”, reivindica o produtor musical, salientando a necessidade de uma política cultural nacional. 

Já o escritor e compositor Nei Lopes acredita que o mais importante para o Brasil neste momento é definir o que é cultura. “Que quase todo mundo confunde com lazer e entretenimento, mas que quase nunca é a mesma coisa. O governo tem mais é que praticar ações culturais de verdade e dar o produto de graça para o povo”, defende Nei Lopes. 

Nas ruas, apesar de muito bem recebido pela classe trabalhadora, o vale-cultura também é alvo de críticas, principalmente pela pequena quantia mensal estipulada pelo governo. “Esse dinheiro não dá para nada”, reagiu o vigilante José Carlos Antunes de Oliveira.

Projeto pioneiro pode ser ampliado
Projeto pioneiro do gênero, o vale-cultura da Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte foi criado por legislação específica de 2007 e prevê a doação anual, em outubro, de R$ 50 para o servidor que ocupa cargo público efetivo de professor municipal, pedagogo ou outros em comissão da área de atividades da educação. De acordo com a gerente de recursos materiais do órgão, Wanice Lima, no ano passado, 13 mil vales do gênero foram distribuídos aos funcionários, contabilizando R$ 650 mil de investimento.

Conforme estabelecido por decreto, livros, revistas, CDs e DVDs de assuntos técnicos e/ou especializados estão entre os produtos que poderão ser adquiridos pelos beneficiados, além de ingressos para peças teatrais e cinemas. A aquisição dos produtos é feita por meio de processo licitatório, que geralmente ocorre entre os meses de maio e julho.

 “No edital fica estabelecido que a empresa interessada em participar da licitação tem de disponibilizar no município de Belo Horizonte uma rede de estabelecimentos a serem credenciados para receber o vale”, relata Wanice, lembrando que a relação de empresas terá de ter no mínimo 35 livrarias, com no mínimo uma em cada das nove regionais municipais, além de quatro salas de cinema e dois teatros. “Com a entrada em vigor da legislação federal, pode ser até que o nosso vale-cultura também se torne mensal”, acredita o gerente.

De olho no projeto pioneiro do órgão, o Sinparc-MG acaba de aprovar, via lei estadual de incentivo à cultura, projeto para estimular o acesso do professsorado de Minas ao teatro. Trata-se do vale-teatro, que, segundo Rômulo Duque, será distribuído em escolas pré-selecionadas. “A proposta inicial é de 15 mil vales”, anuncia o representante da classe teatral, salientando que os mesmos serão trocados por ingressos nominais. “Se os professores não estão indo ao teatro, muito menos irão os alunos”, constata Rômulo Duque. O projeto depende da captação de recursos.

Voz nas ruas

O que você faria com os R$ 50 do vale-cultura?

Bruno Rangel
22 anos, desempregado, sobrevivendo de seguro-desemprego

“Isso não dá para comprar quase nada. Acho que dá para ir apenas ao cinema.”



José Carlos Antunes de Oliveira
34 anos, vigilante 

“Esse dinheiro não dá para nada. Acho muito pouco. Teria de ser pelo menos uns R$ 80.”



Tamara Augusta
22 anos, operadora de call center

“Sou apaixonada por museus e exposições que, na maioria das vezes, não cobram ingressos. Mas acho que dá para ver alguma coisa, por exemplo, no Palácio das Artes, onde tudo é muito caro.”

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