Roberta Machado
Estado de Minas: 24/01/2013
Brasília – Dos grandes rolos de fita magnética para os DVDs e Blu-Rays, o registro permanente de arquivos passou por muitas tecnologias até chegar ao padrão de alta qualidade e à impressionante capacidade de armazenamento que existem hoje. Mas os pesquisadores não estão satisfeitos e continuam à procura de mídias com memórias ainda mais densas e duradouras. Ainda não é certo qual será o substituto para os discos com leitura a laser, mas um grupo de pesquisadores no Reino Unido aposta na forma de arquivamento mais eficiente e antiga da história: o DNA. A ideia é tema de um artigo publicado hoje na revista científica Nature e pode revolucionar o modo como se pensa a conservação de arquivos.
Foi no código genético dos seres vivos que os cientistas do Instituto Europeu de Bioinformática encontraram uma solução para as salas de laboratório abarrotadas de fitas magnéticas. Nesses rolos, estão gravadas informações importantes que precisam ser copiadas em novas fitas regularmente. “Estávamos em um pub em Hamburgo, há alguns meses, falando das dificuldades de guardar informações biológicas em nosso arquivo, e imaginamos quais seriam as alternativas aos caros HDs ou fitas magnéticas que usamos”, conta Nick Goldman, líder da pesquisa. “As bases de dados que consultamos estão crescendo exponencialmente, mas, infelizmente, nosso orçamento não. Então pensamos que o DNA é uma forma muito compacta de guardar informações.”
Assim como o corpo interpreta uma sequência de nucleotídeos a partir de um genoma, um computador vê cada arquivo seu como um grupo muito longo de números zeros e uns. O cientistas, então, criaram um código que traduzisse os conjuntos numéricos nas cinco letras do alfabeto que representam os blocos que formam uma sequência genética: A, C, T, G e U. Depois de transformar cada sequência de oito numerais em uma letra, bastou usar a receita para construir a cadeia de dupla hélice em um laboratório.
O método foi testado em uma série de arquivos codificados: um áudio em MP3 do famoso discurso de Martin Luther King; uma foto em JPG do instituto, um PDF do artigo que descreveu o DNA pela primeira vez na revista Nature, em 1953; uma série de sonetos de Shakespeare em TXT; e as próprias instruções de como fazer a codificação. Os registros foram enviados pela internet para um laboratório na Califórnia, que os utilizou para criar sequências reais de DNA a partir dos dados. As moléculas, pesando menos de meio grama, foram enviadas por correio de volta à Europa, onde os cientistas conseguiram decodificar o material e recuperar os arquivos.
Sem riscos O processo de sintetização de DNA já existe há alguns anos e usa nucleotídeos artificiais para montar em poucos minutos hélices iguais às duplicadas por enzimas no corpo humano. “Temos uma tecnologia similar à de jato de tinta. Da mesma maneira que a impressora imprime a partir de quatro tintas, uma cabeça de pressão vai depositando as bases uma a uma numa lâmina de vidro, criando uma reação química”, explica Yuri Moreira, especialista em genômica da Agilent Technologies, a empresa que produziu os DNAs de memória para o grupo britânico. O processo de montagem dos nucleotídeos leva alguns minutos e produz 100 mil sequências de uma só vez.
De acordo com Moreira, há 30 anos é possível criar nucleotídeos em laboratório, e eles são usados para a síntese de DNA em grande escala, mas geralmente com objetivos médicos ou de pesquisa. “Usamos para fazer sequências de regiões específicas do genoma. Elas podem ser usadas, por exemplo, para comparação com o DNA de uma pessoa, à procura de variações de doenças hereditárias”, diz o especialista.
Nick Goldman ressalta que, apesar de o DNA sintético ser feito da mesma matéria encontrada no corpo humano, a sequência de dados usada como memória não representa qualquer ameaça às pessoas. “Não temos nenhuma intenção de mexer com a vida. Evitamos grupos que no passado fizeram a codificação de informações dentro do genoma de coisas vivas”, assegura o pesquisador. De acordo com o autor do trabalho, mudar uma sequência do genoma poderia levar à morte, mas o DNA criado pelo grupo usa um código diferente do produzido no corpo humano. Se colocada num organismo, a memória de nucleotídeos seria destruída naturalmente.
Garantia Não é a primeira vez que se fala em usar o DNA para guardar informações, mas essa é considerada a primeira tentativa concreta na área. O grande diferencial é uma espécie de código de correção criado pelos cientistas britânicos, que evita leituras equivocadas das informações colocadas no genoma. “Um erro muito comum no DNA é quando temos de escrever a mesma letra duas vezes”, esclarece Ewan Birney, outro pesquisador responsável pelo projeto. Para resolver esse obstáculo, eles repetiram o código numa sequência múltipla à prova de erros de interpretação. “Em vez de apenas colocar o fragmento na sequência, temos uma transposição onde se pode ler o DNA em duas direções. E o DNA, quando escrito na direção oposta, é completamente diferente. Isso significa que cada base final é escrita de quatro formas.”
O código poderia, ainda, ser adaptado a uma criptografia, de modo que apenas o autor da informação tivesse acesso ao conteúdo. O sistema, garantem os criadores, é completamente seguro contra hackers, por não usar eletricidade ou conexão com a internet. Eles acreditam que uma molécula de DNA artificial possa durar até milhares de anos se bem conservada, além de poder armazenar até 1 milhão de gigabytes. Isso reduziria os grandes arquivos de fitas magnéticas usados por governos e bibliotecas a uma pequena placa de vidro com uma duração até 160 vezes maior — uma fita perde as propriedades em 30 anos, enquanto o DNA continua útil depois de 5 mil anos.
A única coisa que impede a produção do projeto em larga escala, apontam os pesquisadores, é o custo dessa mídia tão compacta. A síntese de uma sequência pode custar dezenas de milhares de dólares, e o investimento por uma simples leitura do material também fica na casa do milhar. “Deve haver algum ponto no futuro em que será mais barato manter a informação como DNA”, especula Ewan Birney. Os britânicos calculam que, em 10 anos, o preço possa cair para ao menos um centésimo do atual, possibilitando a gravação de arquivos em DNA em todo o mundo.
Memória molecular
A revista Nature também descreve nesta semana um dispositivo que pode guardar informações um uma camada magnética molecular. Jagadeesh Moodera, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), construiu o aparelho a partir de fragmentos de grafeno, que podem transmitir informações magnéticas para manipular o spin do elétron, isto é, a rotação da partícula. O material forma um filme supramolecular que estimula as moléculas magnéticas, criando bits de memória muito pequenos. Os autores acreditam que a invenção possa dar origem a novas memórias computacionais menores
e úteis fora de ambientes de temperatura controlada.
A revista Nature também descreve nesta semana um dispositivo que pode guardar informações um uma camada magnética molecular. Jagadeesh Moodera, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), construiu o aparelho a partir de fragmentos de grafeno, que podem transmitir informações magnéticas para manipular o spin do elétron, isto é, a rotação da partícula. O material forma um filme supramolecular que estimula as moléculas magnéticas, criando bits de memória muito pequenos. Os autores acreditam que a invenção possa dar origem a novas memórias computacionais menores
e úteis fora de ambientes de temperatura controlada.
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