quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Arquitetura da reconstrução

FOLHA DE SÃO PAULO

Após fracasso, Bienal de Arquitetura muda gestão e celebra 40 anos com projeto de se espalhar por SP


SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Em 1969, Lina Bo Bardi usou os destroços da demolição do Bexiga, bairro paulistano então rasgado por causa da construção do Minhocão, para montar o cenário da peça "Na Selva das Cidades", no Teatro Oficina.
Toda noite, os atores destruíam um ringue de boxe feito de escombros --e reconstruíam tudo para repetir a cena de fúria no dia seguinte.
Da mesma forma que a arquiteta já se apoderava da cidade para montar um espetáculo, a décima Bienal de Arquitetura de São Paulo --que neste ano acontece em outubro e celebra os 40 anos da mostra-- deixa o parque Ibirapuera, que foi sua sede até hoje, para tomar toda a cidade, incluindo o Teatro Oficina, desenhado por Bardi.
Divulgação
Praça das Artes, no centro de São Paulo, tem projeto exposto na Bienal
Praça das Artes, no centro de São Paulo, tem projeto exposto na Bienal
Em vez de uma mostra concentrada num único ponto, com projetos arquitetônicos isolados, serão vários recortes, quase todos dedicados a projetos de urbanismo, ocupando uma rede de espaços perto de estações do metrô.
"É a retomada da cidade e sua geografia", diz José Armênio de Brito Cruz, diretor do braço paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), que organiza a Bienal.
"Não será uma exposição de objetos bonitinhos, e sim uma mostra de caráter político, uma pauta que o Brasil deve enfrentar neste momento. Queremos reconstruir a face pública da arquitetura."
Reconstrução também resume o momento do IAB e de sua Bienal. Depois do fracasso da última edição, que foi alvo de críticas e protestos de arquitetos e que teve um dos menores públicos de sua história, o IAB trocou seu corpo diretivo e estabeleceu parcerias com as grandes instituições culturais paulistanas.
Esses endereços, entre eles o Centro Cultural São Paulo, o Masp, o Museu da Casa Brasileira e até uma plataforma desativada do metrô construída sob a estação Pedro 2º, deverão abrigar a Bienal.
Editoria de Arte/Folhapress
Ficou de fora, no entanto, seu endereço histórico, o pavilhão da Bienal no parque Ibirapuera, que na época da mostra de arquitetura estará ocupado por outra exposição.
Brito Cruz garante que o racha entre IAB e Fundação Bienal, motivado por dívidas dos arquitetos com a instituição de arte, já acabou. Mas a Folhaapurou que a dívida de R$ 164 mil não foi saldada.
MATURIDADE E AMBIÇÃO
Apesar desta pendência, os planos para a Bienal de Arquitetura seguem a todo vapor. E o orçamento acompanha essa ambição --os R$ 18,8 milhões, que ainda devem ser captados via leis de incentivo, são quase dez vezes o custo da última edição.
"Há a necessidade de fazer uma exposição que dialogue com um público mais amplo", diz Guilherme Wisnik, curador da mostra. "Nesta décima edição, a Bienal já tem maturidade para atingir a escala de toda a metrópole."
Dentro dessa lógica, a ideia de que o público possa entrar e sair da mostra o tempo todo, usando o transporte público, "força uma visão da cidade com outros olhos", nas palavras da cocuradora Ana Luiza Nobre. "Isso dá a experiência da cidade agressiva, violenta e, ao mesmo tempo, fascinante que é São Paulo."
Essa experiência deve ser destrinchada em exemplos notáveis de urbanismo pelo mundo, que estarão reunidos na mostra reservada ao Centro Cultural São Paulo.
Entre eles, a Praça das Artes, projeto do escritório Brasil Arquitetura, estará em destaque como exemplo de obra que "costura vários lotes no coração da cidade".
No Masp, a escala doméstica de projetos residenciais de Vilanova Artigas e Mendes da Rocha fará contraponto ao espaço público problemático das grandes cidades brasileiras. Esses projetos serão comparados a obras de artistas que articularam a ideia de circulação, como Hélio Oiticica e Cildo Meireles.
"São exemplos fundamentais da Bienal", diz Wisnik. "Há a aceitação de que o modelo de cidade americana ou europeia não é mais hegemônico, e São Paulo passou a ser fonte de algumas lições para arquitetos e urbanistas, o que é uma surpresa para nós."

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