Roberta Machado
Estado de Minas: 02/01/2013
O Brasil dá passos modestos, mas significativos, no que pode ser o estopim de uma grande revolução no ramo das fontes renováveis de energia: a biomassa. Originada de materiais orgânicos, essa matéria-prima para a produção de calor e de eletricidade ganha força graças à variedade de formas de extração e de aproveitamento do material, encontrado em abundância no território brasileiro. No país, a biomassa é responsável por 7% da capacidade nacional instalada, ou seja, de todo o potencial energético de que o país dispõe. No mundo, esse índice é de apenas 1%, o que coloca o Brasil no topo quando o assunto é eletricidade vinda de resíduos e plantas.
O país provou seu pioneirismo neste ano, quando anunciou a construção da primeira grande usina de gaseificação por fluxo de arraste do mundo. O projeto, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), deve sofisticar o processo do aproveitamento da cana-de-açúcar, que, hoje, praticamente se limita à queima do material para a movimentação de turbinas a vapor. “A gaseificação aumenta a competitividade com a introdução de mais um produto, o gás simples”, aponta o gerente do Projeto de Gaseificação de Biomassa do instituto, Gerhard Ett, referindo-se ao produto conhecido comercialmente como syngas.
O processo ocorre em duas linhas paralelas: o bagaço de cana-de-açúcar pode ser torrado ou transformado em óleo por meio de tratamentos sob altíssimas temperaturas. As matérias, então, viram uma mistura de gás carbônico e metano, que passa por um processo de conversão e limpeza. O resultado é um produto versátil que pode ser usado para a fabricação de bioquerosene, etanol de segunda geração, gasolina, plástico ou energia elétrica. Pode ainda ser convertido em células de combustível ou queimado.
A usina piloto, avaliada em R$ 80 milhões, deve ser concluída até 2016, em Piracicaba (SP). A estrutura será capaz de transformar uma tonelada de biomassa úmida em 2MW por hora. O volume, ressalta Ett, ainda é modesto, pois o objetivo do projeto é estudar o processo para criar uma estação de grande porte até 2020. “A tendência é que o valor do petróleo suba, e as energias renováveis se tornem mais viáveis.”
Versátil O plano energético brasileiro não cria grandes perspectivas sobre a biomassa e prevê que a fonte energética mantenha o seu nível nos próximos 10 anos. No entanto, o aumento da oferta de matéria-prima pode superar essa expectativa. A projeção é de que o mercado de cana-de-açúcar cresça em torno de 5% ao ano, o que poderia gerar palha e bagaço para alimentar até 40 novas usinas nesse período. De acordo com estimativas da União da Indústria de Cana-de-Açúcar de São Paulo, a participação da biomassa no setor elétrico deve dobrar até 2020. E os números podem ser ainda mais animadores se forem consideradas as usinas que fazem uso de outras matérias-primas, como grãos ou resíduos da produção de celulose.
Existem também florestas inteiras criadas para a obtenção de biomassa, úteis para fábricas que usam a matéria-prima para a geração de eletricidade e a obtenção de vapor para processos industriais. “Chamamos de florestas energéticas. Nem sempre os clientes têm bagaço na região e o custo logístico dele é bastante elevado. Quando trabalho com florestas, posso colocá-las próximas dos meus projetos, crio uma estrutura dedicada de biomassa”, explica Luiz Pellegrini, gerente de Desenvolvimento Industrial das Energias Renováveis do Brasil (ERB).
Com a queima do cavaco do eucalipto, uma espécie de lasca da madeira, as indústrias conseguem dispensar o uso do combustível fóssil para a obtenção de eletricidade ao mesmo tempo em que geram vapor independente. Por enquanto, apenas o modelo conjunto provou ser economicamente viável, mas, em breve, a dedicação das florestas energéticas unicamente à produção de eletricidade pode se tornar uma realidade. De acordo com o engenheiro da ERB, o índice de aproveitamento do processo tem de subir de 28% para 40%. “Há novas técnicas sendo desenvolvidas que podem melhorar a eficiência”, avalia Pellegrini.
Essa diversidade de fontes, que vai de árvores a resíduos, poderia ser o grande trunfo da biomassa para conquistar espaço no país. No entanto, a cana-de-açúcar ainda reina soberana nas usinas. “Diferentemente dos outros tipos de energia renovável, a biomassa tem uma quantidade enorme de tipos. Podem ser usados resíduos da agroindústria, sólidos urbanos, de animais. Há uma variedade de ofertas energéticas muito grande”, enumera Suani Coelho, coordenadora do Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio), da Universidade de São Paulo (USP). “Mas o aproveitamento de biogás em aterros é muito pouco feito, e o de resíduos de animais também é raro. O Brasil ainda é bastante insipiente. Há matéria disponível, mas é um problema de conservadorismo”, lamenta a engenheira.
O Cenbio procura incentivar pequenos produtores a adotar técnicas de aproveitamento dos resíduos animais ou vegetais para a produção independente de energia. No site do centro, é possível realizar uma projeção de quanta energia elétrica seria obtida de acordo com determinada quantidade de resíduos. A página oferece ainda orientações para quem quer criar um projeto de pequena escala para sustentar a produção local e até mesmo ter lucro com a venda da eletricidade excedente.
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