quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Editorial FolhaSP

FOLHA DE SÃO PAULO

Palafitas em Pinheiros
Ficou famosa a cena registrada pelo cineasta italiano Federico Fellini em seu filme "Roma", de 1972: escavações para a construção do metrô revelam afrescos milenares, que, em contato com o ar externo, se apagam das paredes.
Comparada às espessas camadas de história em Roma, São Paulo é uma folha de papel. Isso não significa, todavia, que a cidade seja desprovida de passado.
Embora pouco expressiva em seus primeiros séculos, a vila fundada por jesuítas em 25 de janeiro de 1554 tornou-se, a partir do final do século 19, um polo próspero e dinâmico. No século 20, tornou-se a maior cidade brasileira -e uma das mais populosas do mundo.
A exploração de um sítio arqueológico no bairro hoje quase central de Pinheiros, em meio a trabalhos de reurbanização da avenida Faria Lima, permite agora vislumbrar algo da vida pretérita da metrópole. Milhares de fragmentos de objetos foram achados, além de resquícios de estruturas urbanas, como fundações de casas e antigos trilhos de bondes.
A presença de palafitas naquela região, por exemplo, faz lembrar que o rio Pinheiros não foi desde sempre um canal estreito e poluído, mas um curso d'água sinuoso, que alagava várzeas nas épocas de chuvas. Já abrigou em suas margens clubes esportivos, provas de natação e competições náuticas.
Nos anos 1920 iniciaram-se as obras de retificação do rio, que prosseguiram até a década de 1950. O projeto não era apenas combater as inundações, mas canalizar as águas e inverter seu curso para acionar a usina Henry Borden, em Cubatão, de maneira a aproveitar o desnível da serra do Mar.
A análise dos objetos localizados pela equipe do arqueólogo Plácido Cali -como xícaras, canecas, sopeiras e louças novecentistas- ajuda a entender o passado do bairro. Antes do século 19, ali funcionavam estalagens para quem deixava São Paulo em direção a Sorocaba ou ao sul do Estado e do país.
Mais que a descoberta de improváveis maravilhas soterradas, o que ressalta dos trabalhos arqueológicos é a própria emergência do tempo histórico à superfície de uma metrópole habituada a viver na urgência do presente e a tratar seu passado como afresco efêmero, impossível de reter na parede da memória.

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    Pouca transparência
    Balanço da Lei de Acesso à Informação é decepcionante; STF, Congresso Nacional e Ministério Público ajudam a compor quadro negativo
    As dificuldades eram conhecidas. Ainda assim, a implementação da Lei de Acesso à Informação no país ficou abaixo do esperado após sete meses de vigência dessa ambiciosa legislação sobre a transparência do Estado brasileiro.
    A maioria dos prognósticos era pessimista quanto à capacidade do poder público de colocar as novas regras em prática dentro do prazo fixado pela lei. De fato, os seis meses entre a sanção presidencial e a entrada em vigor da norma foram um período muito curto para adaptação. No Reino Unido, por exemplo, houve cinco anos de preparo.
    Desse ponto de vista, poderiam resultar precipitados balanços sobre a Lei de Acesso no Brasil. Não passou tempo suficiente para que os entes públicos conseguissem aprontar a estrutura necessária para aplicar a legislação, que garante acesso de qualquer pessoa à maior parte dos documentos públicos.
    Não são meramente operacionais, contudo, os obstáculos que atrapalham o avanço da transparência. Em muitos casos, os entraves surgem num plano mais básico -e, justamente por isso, aumentam a decepção de quem depositou alta expectativa na lei.
    Segundo levantamento do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas -entidade que agrega diversas ONGs-, nada menos que 15 Estados se abstiveram de regulamentar a norma federal.
    São unidades da Federação que não quiseram ou se mostraram incapazes de criar regras próprias para detalhar, por exemplo, como serão processados os pedidos de informação na esfera estadual. Sem tais especificações, não há como tirar a legislação do papel.
    Se essa é a realidade nos Executivos dos Estados, não há razão para supor que nos municípios seja melhor. O mesmo descaso pode ser verificado nos Poderes Judiciário e Legislativo das três esferas.
    A esse respeito, basta lembrar que o Supremo Tribunal Federal tampouco regulamentou a Lei de Acesso e que o Congresso Nacional criou mecanismos para inibir consultas feitas pelo público.
    Talvez ainda mais frustrante seja a situação do Ministério Público. O pesquisador Fabiano Angélico, da FGV, e o Movimento do Ministério Público Democrático enviaram questões para as 30 unidades do órgão: 13 ignoraram as perguntas e 17 disseram que ainda não estão preparadas para aplicar a Lei de Acesso integralmente.
    Algo está muito errado quando o órgão responsável por defender a ordem jurídica e fiscalizar o cumprimento da lei se alinha com quem descumpre a norma.
    Nesse quadro, o fato de a Lei de Acesso ser pouco conhecida da maior parte dos brasileiros até parece problema menor. Mas o Executivo federal, de longe o que mais se preparou para promover a transparência, ajudaria o país se investisse na publicidade da norma.
    A pressão da opinião pública é o melhor caminho para assegurar a aplicação dessa ferramenta moderna de controle democrático.

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