Paloma Oliveto
Estado de Minas: 31/01/2013
Brasília – Descobrir como o cérebro se comporta durante o aprendizado é uma das obsessões da neurociência.Os pesquisadores acreditam que ao desvendar quais são as áreas e os circuitos envolvidos na cognição poderão compreender melhor diversos distúrbios relacionados a essa habilidade, como autismo, dislexia, disgrafia e discalculia. Um estudo conduzido pela Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, conseguiu identificar as regiões ativadas quando crianças e adultos assistem a um programa educativo. Essa é a primeira vez que se usa tecnologia de imagem para investigar o comportamento cerebral durante uma atividade cotidiana, como ver televisão.
Foram necessários três anos para a conclusão da pesquisa, publicada na revista PLoS Biology. Nesse período, os cientistas realizaram exames de ressonância magnética funcional enquanto os participantes assistiam ao programa Vila Sésamo, muito popular nos Estados Unidos. As crianças fizeram também testes de QI para avaliar se as imagens realmente refletiam as habilidades e as dificuldades de aprendizado. “Os transtornos cognitivos têm sido muito explorados pela psicologia, com experimentos comportamentais. Achamos que eles são importantes, mas acreditamos que a neuroimagem pode contribuir muito nesse campo, porque mostra o que realmente está se passando no cérebro”, afirma Jessica Cantlon, cientista cognitiva e principal autora do estudo.
De acordo com Jessica, técnicas como a ressonância têm sido aplicadas com frequência para investigar os circuitos neurais associados ao aprendizado. Contudo, esses testes são feitos fora de um contexto natural, o que pode atrapalhar os resultados. Normalmente, os participantes veem fotografias ou rápidas cenas que passam em uma tela, enquanto a atividade cerebral é monitorada pelos cientistas. O problema é que sequências de imagens não reproduzem a realidade – naquele momento, a pessoa não está vivenciando a situação que os cientistas desejam investigar. Ao colocar os participantes para assistir ao programa educativo enquanto faziam o exame, os pesquisadores de Rochester conseguiram visualizar o que ocorre quando a criança está, por exemplo, na sala de aula ou diante de um livro.
Os resultados foram compatíveis com teorias que vinculam determinadas regiões do cérebro a diferentes habilidades. Quando, na tela, os personagens da Vila Sésamo exploravam a linguagem, o local mais ativado, tanto em crianças quanto em adultos, era a área de Broca, no giro frontal anterior. Entre outras funções, acredita-se que ela seja responsável não apenas pelo ato motor da fala, mas também por ajudar na compreensão da gramática – por exemplo, diferenciando sujeito, verbo e objeto. Os testes de QI que as crianças fizeram depois confirmaram a associação. Aquelas cujos exames mostraram uma ativação mais pobre da área de Broca se saíram pior nas questões de linguagem.
Da mesma forma, uma região que já havia sido associada às habilidades matemáticas, o sulco intrapariental, ficava mais ativa quando o vídeo mostrava cenas educativas que envolviam números, como uma canção na qual o boneco Elmo conta a quantidade de peixes em um aquário.
No exame escrito, as crianças que acertaram mais problemas de matemática foram aquelas que exibiram um padrão de ativação maior no sulco intrapariental. “A interrupção no funcionamento normal dessa região devido a lesões ou distúrbios genéticos está associada a prejuízos no processamento numérico”, relata Jessica.
Semelhanças Com mais de 600 imagens obtidas durante as ressonâncias, os cientistas constataram que a maturidade da conexão dos neurônios aumenta com a idade, o que era de se esperar. A surpresa, para os pesquisadores, foi constatar que o padrão, contudo, não é diferente: os cérebros de crianças e de adultos reagiram da mesma forma durante a exibição do vídeo educativo. Com isso, eles derrubam uma antiga hipótese, de que o processo cognitivo é diferente, dependendo da fase da vida.
Radiologista da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, o professor Eric Halgren ressalta que, obviamente, adultos não aprendem com programas educativos voltados a crianças da fase pré-escolar. “O que isso indica é que o processo de aprendizado é o mesmo da compreensão. A criança aprende uma nova palavra, o adulto entende o que ela quer dizer. A forma como o cérebro se comporta nos dois casos, contudo, é semelhante”, explica. Há alguns anos, Halgren conduziu um estudo de imagem para investigar como bebês processam as palavras. De acordo com ele, os cérebros das crianças de 1 ano e os dos adultos utilizam o mesmo mecanismo.
Para Jessica Cantlon, uma das conclusões da pesquisa publicada na PLoS Biology é que a ressonância magnética funcional prediz a performance acadêmica de uma criança. “Nossos dados indicam que esses estímulos complexos identificam a forma como o cérebro de cada um vai reagir ao conhecimento”, afirma. Ela não quer dizer, contudo, que o estudo não sugere que os pequenos estudantes deveriam ter seus cérebros escaneados, até porque é consenso entre os cientistas que a cognição depende de outros fatores, além do neurológico. “Estamos interessados em aumentar o conhecimento que temos sobre o desenvolvimento do cérebro no contexto natural”, esclarece.
Segundo a neurocientista Kimberley G. Noble, especialista em desenvolvimento cognitivo e professora da Universidade de Columbia, mesmo quando a criança apresenta uma atividade cerebral limitada, isso não significa que ela jamais conseguirá um bom desempenho matemático ou linguístico. “Experiências traumáticas na infância, como abuso e estresse extremo, podem gerar mudanças anatômicas no cérebro, provocando danos à aprendizagem e à memória. Contudo, o cérebro infantil tem uma enorme plasticidade e capacidade de crescimento e desenvolvimento. Intervenções educacionais focadas nessa questão têm se mostrado promissoras na melhoria da função cerebral e do comportamento, principalmente em relação à habilidade linguística”, revela.
Lições de verdade O estudo conduzido pela Universidade de Rochester concluiu também que programas de televisão educativos podem, de fato, ensinar. A neurocientista Jessica Cantlon, que liderou a pesquisa, esclarece que o trabalho não tinha como foco essa questão e que o programa Vila Sésamo foi escolhido por ser popular nos Estados Unidos. “Existem evidências de que a performance das crianças na leitura, na disposição para estudar e na criatividade melhora depois de assistirem a programas como Vila Sésamo”, afirma, citando pesquisa realizada em meados da década de 1970, no auge do sucesso do programa.
Mais recentemente, em 2008, a organização não governamental Children Now divulgou um ranking dos melhores programas infantis em exibição nos EUA, e Vila Sésamo ficou em primeiro lugar. “Evidentemente, não é recomendável deixar a criança em frente à TV o tempo todo, achando que, com isso, ela vai aprender. O vídeo que exibimos tinha apenas 20 minutos”, explica a cientista.
Segundo pesquisadores da Universidade de Illinois e da Universidade do Arizona que avaliaram os programas, no entanto, o conteúdo de alguns deixa a desejar. Apenas 13% mostraram um valor altamente educativo. A maioria foi classificada como minimamente educativa.
Mesmo os de qualidade, contudo, não ensinam nada para crianças com menos de 3 anos, alerta Marie Evans Schmidt, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Harvard. “Existem milhares de shows televisivos e DVDs para bebês, prometendo aos pais que as crianças vão desenvolver mais a cognição, mas nessa idade os programas não têm qualquer influência positiva”, alerta a pesquisadora, que analisou os dados de 872 crianças que participaram do Projeto Viva, conduzido pelo Departamento de Atenção Ambulatória e Prevenção da Universidade de Harvard.
Foram necessários três anos para a conclusão da pesquisa, publicada na revista PLoS Biology. Nesse período, os cientistas realizaram exames de ressonância magnética funcional enquanto os participantes assistiam ao programa Vila Sésamo, muito popular nos Estados Unidos. As crianças fizeram também testes de QI para avaliar se as imagens realmente refletiam as habilidades e as dificuldades de aprendizado. “Os transtornos cognitivos têm sido muito explorados pela psicologia, com experimentos comportamentais. Achamos que eles são importantes, mas acreditamos que a neuroimagem pode contribuir muito nesse campo, porque mostra o que realmente está se passando no cérebro”, afirma Jessica Cantlon, cientista cognitiva e principal autora do estudo.
De acordo com Jessica, técnicas como a ressonância têm sido aplicadas com frequência para investigar os circuitos neurais associados ao aprendizado. Contudo, esses testes são feitos fora de um contexto natural, o que pode atrapalhar os resultados. Normalmente, os participantes veem fotografias ou rápidas cenas que passam em uma tela, enquanto a atividade cerebral é monitorada pelos cientistas. O problema é que sequências de imagens não reproduzem a realidade – naquele momento, a pessoa não está vivenciando a situação que os cientistas desejam investigar. Ao colocar os participantes para assistir ao programa educativo enquanto faziam o exame, os pesquisadores de Rochester conseguiram visualizar o que ocorre quando a criança está, por exemplo, na sala de aula ou diante de um livro.
Os resultados foram compatíveis com teorias que vinculam determinadas regiões do cérebro a diferentes habilidades. Quando, na tela, os personagens da Vila Sésamo exploravam a linguagem, o local mais ativado, tanto em crianças quanto em adultos, era a área de Broca, no giro frontal anterior. Entre outras funções, acredita-se que ela seja responsável não apenas pelo ato motor da fala, mas também por ajudar na compreensão da gramática – por exemplo, diferenciando sujeito, verbo e objeto. Os testes de QI que as crianças fizeram depois confirmaram a associação. Aquelas cujos exames mostraram uma ativação mais pobre da área de Broca se saíram pior nas questões de linguagem.
Da mesma forma, uma região que já havia sido associada às habilidades matemáticas, o sulco intrapariental, ficava mais ativa quando o vídeo mostrava cenas educativas que envolviam números, como uma canção na qual o boneco Elmo conta a quantidade de peixes em um aquário.
No exame escrito, as crianças que acertaram mais problemas de matemática foram aquelas que exibiram um padrão de ativação maior no sulco intrapariental. “A interrupção no funcionamento normal dessa região devido a lesões ou distúrbios genéticos está associada a prejuízos no processamento numérico”, relata Jessica.
Semelhanças Com mais de 600 imagens obtidas durante as ressonâncias, os cientistas constataram que a maturidade da conexão dos neurônios aumenta com a idade, o que era de se esperar. A surpresa, para os pesquisadores, foi constatar que o padrão, contudo, não é diferente: os cérebros de crianças e de adultos reagiram da mesma forma durante a exibição do vídeo educativo. Com isso, eles derrubam uma antiga hipótese, de que o processo cognitivo é diferente, dependendo da fase da vida.
Radiologista da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, o professor Eric Halgren ressalta que, obviamente, adultos não aprendem com programas educativos voltados a crianças da fase pré-escolar. “O que isso indica é que o processo de aprendizado é o mesmo da compreensão. A criança aprende uma nova palavra, o adulto entende o que ela quer dizer. A forma como o cérebro se comporta nos dois casos, contudo, é semelhante”, explica. Há alguns anos, Halgren conduziu um estudo de imagem para investigar como bebês processam as palavras. De acordo com ele, os cérebros das crianças de 1 ano e os dos adultos utilizam o mesmo mecanismo.
Para Jessica Cantlon, uma das conclusões da pesquisa publicada na PLoS Biology é que a ressonância magnética funcional prediz a performance acadêmica de uma criança. “Nossos dados indicam que esses estímulos complexos identificam a forma como o cérebro de cada um vai reagir ao conhecimento”, afirma. Ela não quer dizer, contudo, que o estudo não sugere que os pequenos estudantes deveriam ter seus cérebros escaneados, até porque é consenso entre os cientistas que a cognição depende de outros fatores, além do neurológico. “Estamos interessados em aumentar o conhecimento que temos sobre o desenvolvimento do cérebro no contexto natural”, esclarece.
Segundo a neurocientista Kimberley G. Noble, especialista em desenvolvimento cognitivo e professora da Universidade de Columbia, mesmo quando a criança apresenta uma atividade cerebral limitada, isso não significa que ela jamais conseguirá um bom desempenho matemático ou linguístico. “Experiências traumáticas na infância, como abuso e estresse extremo, podem gerar mudanças anatômicas no cérebro, provocando danos à aprendizagem e à memória. Contudo, o cérebro infantil tem uma enorme plasticidade e capacidade de crescimento e desenvolvimento. Intervenções educacionais focadas nessa questão têm se mostrado promissoras na melhoria da função cerebral e do comportamento, principalmente em relação à habilidade linguística”, revela.
Lições de verdade O estudo conduzido pela Universidade de Rochester concluiu também que programas de televisão educativos podem, de fato, ensinar. A neurocientista Jessica Cantlon, que liderou a pesquisa, esclarece que o trabalho não tinha como foco essa questão e que o programa Vila Sésamo foi escolhido por ser popular nos Estados Unidos. “Existem evidências de que a performance das crianças na leitura, na disposição para estudar e na criatividade melhora depois de assistirem a programas como Vila Sésamo”, afirma, citando pesquisa realizada em meados da década de 1970, no auge do sucesso do programa.
Mais recentemente, em 2008, a organização não governamental Children Now divulgou um ranking dos melhores programas infantis em exibição nos EUA, e Vila Sésamo ficou em primeiro lugar. “Evidentemente, não é recomendável deixar a criança em frente à TV o tempo todo, achando que, com isso, ela vai aprender. O vídeo que exibimos tinha apenas 20 minutos”, explica a cientista.
Segundo pesquisadores da Universidade de Illinois e da Universidade do Arizona que avaliaram os programas, no entanto, o conteúdo de alguns deixa a desejar. Apenas 13% mostraram um valor altamente educativo. A maioria foi classificada como minimamente educativa.
Mesmo os de qualidade, contudo, não ensinam nada para crianças com menos de 3 anos, alerta Marie Evans Schmidt, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Harvard. “Existem milhares de shows televisivos e DVDs para bebês, prometendo aos pais que as crianças vão desenvolver mais a cognição, mas nessa idade os programas não têm qualquer influência positiva”, alerta a pesquisadora, que analisou os dados de 872 crianças que participaram do Projeto Viva, conduzido pelo Departamento de Atenção Ambulatória e Prevenção da Universidade de Harvard.
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