quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Tendências/Debates

FOLHA DE SÃO PAULO


SERGIO COLLE
Ciência sem bandeira
O Ciência sem Fronteiras é exemplo de iniciativa que, para a comunidade científica, tem muito de propaganda e pouco de objetividade
Quando este autor visitou a Universidade de Aachen, na Alemanha, em 1981, percebeu que, a exemplo de outros bons laboratórios do mundo ocidental de então, os de lá hospedavam número impressionante de estudantes de doutorado asiáticos. Era o início das reformas da educação na Coreia do Sul, Taiwan, Tailândia e outros países da região.
Em 2003, o Brasil detinha cerca de 1,4% das patentes internacionais. Presentemente, não detém mais que 1%. Entretanto, o volume de publicações indexadas cresceu vigorosamente em uma década, demonstrando que, de um lado, a comunidade científica foi capaz de responder aos incentivos públicos e, de outro, que nossos pesquisadores contribuíram essencialmente para revigorar a cadeia de inovação, entretanto, em benefício dos países centrais da ciência e tecnologia.
A carência de professores com doutorado no Brasil (título mínimo exigido para início de carreira docente, mesmo nos países emergentes) é aguda e crescente. A propósito, os editais de concursos públicos para provimento de vagas de professores das novas e improvisadas instituições federais de ensino superior (iniciativa açodada e sem planejamento do governo federal) tiveram que rebaixar o nível de exigência dos candidatos, aceitando mestres e até mesmo graduados.
Voltamos, pois, aos idos da década de 70, quando as universidades públicas absorveram o que hoje se exibe de mais desqualificado no extrato acadêmico: professores sem sequer o mestrado. O governo federal optou, porém, pela exibição de grandes números, até mesmo nas ações dos ministério da Educação (MEC) e da Ciência e Tecnologia (MCT).
A propósito, o programa Ciência sem Fronteiras é um exemplo de iniciativa que, para a comunidade científica, tem muito de publicidade e propaganda e pouco de objetividade e coerência.
Das 21.418 bolsas já implementadas, conforme o site oficial do programa, tão somente 654 foram destinadas ao doutorado pleno, 3.141 ao doutorado-sanduíche e 1.940 ao pós-doutorado (que não é e não deve ser um expediente de formação acadêmica). Por conseguinte, apenas 26% das bolsas contribuem para a formação de pesquisadores academicamente credenciados.
Por outro lado, apenas cerca de 8% das bolsas do CNPq e Capes resultam em teses de doutorado. Estamos formando um país de mestres subsidiados, a despeito de esse título não mais ser reconhecido como atributo acadêmico, até mesmo em países emergentes. É o desperdício oficializado do dinheiro público.
O custoso Ciência sem Fronteiras, de R$ 3,2 bilhões, fomentado com recursos desviados de fundo destinado à pesquisa do MCT, agrega a nociva consequência de subtrair dos laboratórios ainda subsistentes no país seus melhores bolsistas de graduação, à revelia de seus pesquisadores.
No âmbito desse autoritário programa, ao mesmo tempo em que as universidades estrangeiras (a maior parte delas de qualidade discutível) beneficiam-se de alunos de graduação subsidiados, os mesmos retornam, já desarticulados dos laboratórios e mais suscetíveis a dispersão, uma vez que é crescente o número de empresas que os contratam, mesmo antes de completarem o curso de graduação.
Os países que efetivamente reformaram a educação e que despontam como competidores do mundo global de ciência e tecnologia foram aqueles que, racionalmente, utilizaram seus limitados recursos para formar prioritariamente seus cientistas.
No momento em que as universidades brasileiras, à exceção de três instituições paulistas, estão excluídas do grupo das 400 melhores do planeta, o governo federal deveria destinar os recursos públicos, prioritariamente, para empreender um programa planejado de formação de doutores qualificados, o que seria um bom começo para reduzir o atraso.


Jaime Pinsky
São Paulo, cidade nacional
É para a Pauliceia que vem quem quer testar se faz bem o que faz. Há mercado para o pastel de feira e para a gastronomia sofisticada
São Paulo é o maior destino turístico brasileiro. Para cá, afluem milhões de pessoas, brasileiros e estrangeiros, a cada ano. Ao contrário do que acontece em balneários, essa gente não fica parada nas inexistentes praias da Pauliceia, mas se locomove o tempo todo: eles compram roupas, frequentam livrarias, vão ao teatro, ao cinema e a concertos, buscam restaurantes, pizzarias e churrascarias, terminam a noite em baladas e acordam cedo para reuniões de trabalho, pretexto de muitos para virem a São Paulo.
Qual Nova York tupiniquim (nunca Miami ou Orlando, São Paulo é cidade séria), exerce papel civilizador, tanto em seus moradores, quanto entre os visitantes.
Única cidade nacional do Brasil (o Rio de Janeiro já o foi; Brasília é sede do poder, não uma cidade "natural"), São Paulo recebe e absorve brasileiros e estrangeiros, tratando a todos da mesma forma. Aqui, ninguém canta hinos regionais, nem bate no peito exaltando a identidade local. Antes de ser paulista, o paulistano é um brasileiro.
Pode parecer paradoxal, mas essa cidade de brancos e negros, italianos e japoneses, judeus e libaneses, coreanos e bolivianos, é a única grande cidade brasileira que temos. Por ter consciência de sua força, São Paulo não pergunta onde nascemos, de que Estado chegamos, qual é o nosso país de origem. E, por ser verdadeiramente nacional, São Paulo é acolhedora, a seu modo, pois permite que cada um mostre a que veio.
Problemas? Temos e muitos. Várias ruas, disputadas a buzinadas durante o dia, vão se tornando desertas à noite. Fora das artérias principais, tem-se a sensação de uma cidade fantasma, entregue aos vigilantes de quarteirão. Tanto os ricos quanto a classe média não caminham mais: saem do edifício em que moram e chegam ao serviço de automóvel. Não têm mais ideia de como é andar e descobrir nossa metrópole.
Não reparam no brilho das folhas das tipuanas e sibipirunas, nem ao menos sabem que jardins públicos e até algumas ruas mais arborizadas ostentam mangueiras, jabuticabeiras, pitangueiras e amoreiras, além de surpreendentes pés de café.
Poucos são os que notam os sabiás, bem-te-vis e sanhaços saltitando em busca de alimento. São Paulo tem hoje mais pássaros do que tinha há décadas, graças ao crescimento das árvores daqui e à utilização assassina de agrotóxicos nas plantações do entorno da metrópole.
A cidade é cordial, só não é falsa. Quando convidamos alguém para "aparecer", marcamos data e horário. Aqui apenas os amigos são amigos e os conhecidos, conhecidos. Aqui ninguém é "meu rei": somos todos cidadãos. Nada contra as cidades onde a efusão substitui a sinceridade, mas aqui somos sérios e responsáveis, evitamos promessas vãs.
São Paulo é trabalho, sim, mas também é cultura, é educação, é criatividade. É para cá que vêm aqueles que querem se testar, saber se fazem bem o que fazem. Aqui há mercado para as óbvias encenações de artistas de novela, mas também para o teatro do grupo Tapa, para shows monumentais de rock e para os concertos na Sala São Paulo, para o pastel de feira e para a gastronomia sofisticada.
De resto, São Paulo tem sorte em aniversariar em janeiro. As crianças ainda não voltaram para a escola, o que é bom para o trânsito. No fim da Idade Média, dizia-se que nas cidades é que se respirava o ar da liberdade. O dramaturgo grego Sófocles lembrava que não há nada mais fascinante para o ser humano do que o próprio homem. É por isso que nos juntamos em cidades. Apesar do trânsito, dos medos, dos preços altos, do transporte ineficiente, dos governantes incapazes, amamos as cidades. E São Paulo, esta cidade nacional, merece ser bem tratada por todos nós.

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