Luciane Evans
Estado de Minas: 30/01/2013
Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), adolescente é o jovem entre 15 e 24 anos de idade. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) brasileiro a adolescência é a faixa de quem tem mais de 12 anos até os 18 incompletos. Mesmo diante dessa indefinição de faixa etária para caracterizar o jovem, a odontologia está prestes a quebrar um antigo tabu.
Se durante muitos anos fazer um implante dentário em um jovem que perdeu um dente era proibido – já que esse paciente está em crescimento e uma prótese fixa poderia comprometer sua a arcada dentária –, hoje o procedimento começa a ser visto com outros olhos. Muitos profissionais defendem que é preciso avaliar esse paciente muito além do aspecto cronológico, colocando na balança outros critérios , o que daria a oportunidade para uma menina de 15, por exemplo, se submeter a uma cirurgia. Mas há dentistas que resistem e temem os perigos que a mudança pode causar nos consultórios.
A prova de que há muito a se discutir sobre esse assunto é uma amostragem da Faculdade de Tecnologia de Sete Lagoas (Facsete), na Região Central de Minas Gerais. Na unidade da instituição de ensino na capital paulista, o estudo apontou que entre 2009 e 2011 foram feitos 714 implantes, sendo apenas cinco em adolescentes. O coordenador de cursos de especialização em implantodontia da Facsete nas unidades de São Paulo, Porto Alegre e Goiânia, Ricardo Vadenal, é quem vai levantar o assunto durante o I Congresso Interdisciplinar da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas, em São Paulo. O evento começa amanhã e vai até domingo. Vadenal é também mestre em periodontia pela Universidade de Taubaté e pós-graduado em implantodontia e prótese sobre implantes pela Universidade Camilo Castelo Branco.
De acordo com ele, o dano psicológico de um jovem que perde os dentes permanentes pode ser mais grave do que o risco de fazer um implante dentário seguro, obedecendo a todos os critérios biológicos. “Os dentistas hoje não fazem o procedimento porque têm um certo receio de que, ao aplicá-lo em um paciente com menos de 18 anos, a arcada dentária dele ainda esteja em crescimento e isso poderia causar deformações em sua estrutura osseobucal. Um implante é como um poste de concreto, uma vez instalado não se pode removê-lo”, comenta.
O professor conta que não são raros os casos de dentes perdidos nessa fase. “Seja por acidentes com carros, motocicletas e bicicletas; escorregões na beira da piscina, quedas ou esportes de impacto, muitos jovens sofrem uma perda na arcada dentária e o procedimento atual é o uso de próteses móveis até que ele complete 18 anos, quando o desenvolvimento craniofacial já está praticamente definido”, diz. Vadenal afirma que isso pode afetar a autoestima do paciente nessa fase da vida em que há a busca da identidade.
O especialista defende que, antes de descartar o implante como opção, o cirurgião-dentista deve avaliar dois fatores: o crescimento biológico do paciente e a mineralização dos dentes dele. A avaliação do primeiro fator mede o grau de desenvolvimento do esqueleto, por meio de um raio X da mão e do punho. “É um exame que permite ao profissional averiguar se o adolescente está vivendo o surto do crescimento puberal, que é aquela espichada”. Com duração de dois anos, essa fase de transformações físicas e fisiológicas define as características sexuais de cada gênero. Ela ocorre entre os 9 e os 14 anos nas mulheres e entre os 10 e 16 anos nos homens.
Na opinião dele, na população feminina há uma evidência que marca o estágio de crescimento da adolescente. É a menarca, nome dado à primeira menstruação, que ocorre quando faltam de seis meses a um ano para a curva de velocidade do crescimento ser concluída. “Como hoje as meninas estão menstruando cedo, é um grande prejuízo estético e psicológico esperar até os 18 anos para fazer um implante”, diz ele, que defende o procedimento na adolescência. Já a mineralização dos dentes (calcificação) pode ser verificada por uma radiografia que vai revelar a idade dentária da pessoa. “Quando os dentes estão mineralizados e a curva do crescimento está completa, a distância entre os caninos está definida e não haverá mudança do perímetro do arco dentário na região anterior, é possível realizar o implante de forma segura”, observa.
Há riscos e na prática não é tão simples
Na opinião do odontologista Ronaldo Rettore Júnior, mestre em cirurgia bucomaxilofacial e doutor em implantodontia, há riscos e a realidade não é tão simples assim. Em 2000, ele, que coordena a especialização de implantes do Centro de Estudos Odontológicos do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), lançou um livro sobre emergências odontológicas em que um dos assuntos eram os traumas dentários em jovens. “Um implante tem como característica a união rígida entre um metal e um dente. Se eu fizer um procedimento desse em uma criança de 10 anos, por exemplo, os dentes vizinhos cresceriam e o implantado não”.
Ele trabalha em hospitais de Belo Horizonte com menores que sofreram fraturas na mandíbula. “Nesses casos, usamos placas e parafusos de titânio para ajudar na melhora, depois o material é retirado. Foi daí que surgiu a ideia de usar esse material em implantes especiais para crianças, já que eles podem ser removidos. Apresentei a ideia às empresas, mas nenhuma se interessou até hoje”, conta Rettore Júnior, acrescentando que isso reflete o desinteresse do mercado em investir nisso.
“Os casos são poucos e a indústria lucra mais fazendo implantes em adultos. Esses novos critérios propostos para rever os casos desses pacientes não são científicos. O raio X de punho, por exemplo, só tem cinco raios de avaliação; e a menarca serve somente para as mulheres”, critica, acrescentando que o implante é algo recente e que não se conhece ainda seu comportamento ao longo dos anos.
“A população está envelhecendo cada vez mais, posso muito bem fazer um implante hoje em alguém de 22 anos e ele viver mais seis décadas. Qual será o comportamento dessa prótese ao longo de 60 anos? Por mais que a arcada dentária sofra modificação na fase de crescimento, na fase adulta também há alterações”, acrescenta Ronaldo Rettore Júnior. Para ele, o maior risco dessa polêmica é promover o travamento do crescimento ósseo. “É possível que se a pessoa estiver acima dos 20 anos, os dentes vizinhos vão estar mais para baixo e mais para frente. E se você precisar tirar esse implante, só provocando uma destruição na boca do paciente. Diante disso, o aparelho ainda é uma alternativa.”
Para o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e doutor em implantodontia Peterson Dutra de Oliveira, as questões psicológicas em adolescentes que perderam os dentes são irrelevantes, uma vez que o aparelho ortodôntico é uma alternativa. “Mas não é a idade cronológica que deve guiar o profissional nesses casos, mas sim a idade de maturação óssea que indica, ou não, o implante, o que se faz por meio de exames de raio X”, defende.
Decisão madura
Hoje ela sorri, dá gargalhadas e tem perdido, aos poucos, o medo de morder uma maçã. Quando tinha 8 anos, a universitária Marina Ribeiro Moreira, de 22, caiu durante uma brincadeira e quebrou os dois dentes permanentes da frente. Durante dois anos, fez tratamento de canal. Aos 15, ao morder um pão, quebrou a raiz de um dos dentes traumatizados. Usou aparelho fixo que funcionou como um suporte para o dente desligado da raiz. Somente em 2010, aos 19 anos, Marina se submeteu a um implante dentário. “Foi algo que abalou minha autoestima. Só agora voltei a sorrir e a morder alimentos sem medo”. Mas ela diz que o implante foi feito em boa hora. “O procedimento foi desgastante para mim e achei que tomei a decisão certa de esperar alguns anos, pois eu já estava mais madura.”
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