Escrito com fogo
RIO DE JANEIRO - Quando lemos sobre os conflitos armados na Síria, no Egito ou no Mali, com suas dezenas de mortos por atentado, ou sabemos de mais um desajustado que passou fogo em 20 jovens numa universidade dos EUA, pensamos que, por sorte, não temos disso por aqui. Ou até temos, mas não em escala epidêmica, como a deles. Infelizmente, temos igual ou pior: a inépcia.Ou a imprevidência, o despreparo, o desleixo, a inobservância das normas, a fiscalização superficial ou inexistente (mas com laudo de aprovação quitado e selado), o cansaço do material (já vagabundo na origem ou deixado em uso para morrer de velho), o desvio de recursos, a pura irresponsabilidade, a garantia da impunidade. Somos ineptos para minimizar danos das cheias, impedir desabamentos, prevenir incêndios. Somos ruins em saída de emergência, hidrante, vistoria. Não adianta, não é o nosso negócio.
Mas numa coisa ninguém nos supera: em solidariedade. Instaurada a tragédia, acorremos ao local em batalhões, confortamos os parentes, acolhemos em nossa casa, doamos sangue e enchemos caminhões com donativos, embora não possamos
garantir que cheguem ao destino. Nossa humanidade não está em questão -nossa eficiência, sim. E, quando a tragédia se repete, não será por que não avisamos -apenas ninguém tomou providências.
Foi assim nas enchentes que mataram mais de 900 pessoas na região serrana fluminense, em 2011 (ocupação das encostas, lixo acumulado, assoreamento dos rios); nas chuvas e nos deslizamentos que mataram 723 no Rio, em 1966; no incêndio do circo em Niterói, que matou 503, em 1961; no do edifício Joelma, em São Paulo, que matou 188, em 1974; e em tantas outras desgraças que talvez fossem possível evitar.
Como a de Santa Maria, que estava escrita, com fogo, nas paredes da boate Kiss.
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