quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Tendências/debates

FOLHA DE SÃO PAULO

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
A democracia ante o abismo
Se o Estado do Bem-Estar Social se desmantelar, Portugal ficará politicamente democrático, mas socialmente fascista
No contexto de crise em Portugal, o combate contra o fascismo social de que se fala neste texto exige um novo entendimento entre as forças democráticas. A situação não é a mesma que justificou as frentes antifascistas na Europa dos anos 1930, que permitiram alianças no seio de um vasto espectro político, incluindo comunistas e democratas cristãos, mas tem com esta algumas semelhanças perturbadoras.
Esperar sem esperança é a pior maldição que pode cair sobre um povo. A esperança não se inventa, constrói-se com alternativas à situação presente, a partir de diagnósticos que habilitem os agentes sociais e políticos a ser convincentes no seu inconformismo e realistas nas alternativas que propõem.
Se o desmantelamento do Estado do Bem-Estar Social e certas privatizações (a da água) ocorrerem, estaremos a entrar numa sociedade politicamente democrática, mas socialmente fascista, na medida em que as classes sociais mais vulneráveis verão as suas expectativas de vida dependerem da benevolência e, portanto, do direito de veto de grupos sociais minoritários, mas poderosos.
O fascismo que emerge não é político, é social e coexiste com uma democracia de baixíssima intensidade. A direita que está no poder não é homogênea, mas nela domina a facção para quem a democracia, longe de ser um valor inestimável, é um custo econômico e o fascismo social é um estado normal.
A construção de alternativas assenta em duas distinções: entre a direita da democracia-como-custo e a direita da democracia-como-valor; e entre esta última e as esquerdas (no espectro político atual, não há uma esquerda para quem a democracia seja um custo). As alternativas democráticas hão de surgir desta última distinção.
Os democratas portugueses, de esquerda e de direita, terão de ter presente tanto o que os une como o que os divide. O que os une é a ideia de que a democracia não se sustenta sem as condições que a tornem credível ante a maioria da população. Tal credibilidade assenta na representatividade efetiva de quem representa, no desempenho de quem governa, no mínimo de ética política e de equidade para que o cidadão não o seja apenas quando vota, mas, também, quando trabalha, quando adoece, quando vai à escola, quando se diverte e cultiva, quando envelhece.
Esse menor denominador comum é hoje mais importante do que nunca, mas, ao contrário do que pode parecer, as divergências que a partir dele existem são igualmente mais importantes do que nunca. São elas que vão dominar a vida política nas próximas décadas.
Primeiro, para a esquerda, a democracia representativa de raiz liberal é hoje incapaz de garantir, por si, as condições da sua sustentabilidade. O poder econômico e financeiro está de tal modo concentrado e globalizado, que o seu músculo consegue sequestrar com facilidade os representantes e os governantes (por que há dinheiro para resgatar bancos e não há dinheiro para resgatar famílias?). Daí a necessidade de complementar a democracia representativa com a democracia participativa (orçamentos participativos, conselhos de cidadãos).
Segundo, crescimento só é desenvolvimento quando for ecologicamente sustentável e quando contribuir para democratizar as relações sociais em todos os domínios da vida coletiva (na empresa, na rua, na escola, no campo, na família, no acesso ao direito). Democracia é todo o processo de transformação de relações de poder desigual em relações da autoridade partilhada. O socialismo é a democracia sem fim.
Terceiro, só o Estado do Bem-Estar Social forte torna possível a sociedade do bem-estar forte (pais reformados com pensões cortadas deixam de poder ajudar os filhos desempregados, tal como filhos desempregados deixam de poder ajudar os pais idosos ou doentes). A filantropia e a caridade são politicamente reacionárias quando, em vez de complementar os direitos sociais, se substituem a eles.
Quarto, a diversidade cultural, sexual, racial e religiosa deve ser celebrada e não apenas tolerada.
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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

    SÉRGIO ROSENTHAL
Sete décadas de dedicação à advocacia
Parece tentador limitar o uso do habeas corpus, mas os advogados devem, sempre, defender o exercício do direito à ampla defesa
O dia 30 de janeiro de 2013 tem um significado especial para a advocacia. Nesta data, a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) completa 70 anos de existência.
Fundada por um valoroso grupo de advogados, liderado por Walfrido Prado Guimarães, seu primeiro presidente, a Aasp dedica-se, desde 1943, a defender, com firmeza e independência, as prerrogativas de seus associados e da advocacia em geral, bem como a prestar serviços que facilitam sobremaneira o exercício da profissão.
Ao longo de sua história, a entidade foi presidida por expoentes e contou com a colaboração de destacados profissionais, dos mais variados ramos do direito, que, graciosamente, dedicaram seu tempo e talento à causa da advocacia.
Atualmente, com cerca de 92 mil associados espalhados por todos os Estados do país e o Distrito Federal, a Aasp é uma das maiores e mais respeitadas entidades de advogados do mundo e tornou-se sinônimo de excelência no meio jurídico.
Para celebrar essas sete décadas de conquistas e realizações, a associação promoverá neste ano o primeiro Festival Literário Internacional de São Paulo, que contará com a participação de renomados autores brasileiros e estrangeiros, inaugurando, assim, mais um importante foco de difusão de cultura na cidade de São Paulo.
De outro lado, ciente de que um passado glorioso não a dispensa da tarefa de continuar a auxiliar os associados a superar as dificuldades trazidas pelas constantes evoluções tecnológicas, a entidade adotará uma série de medidas, com a finalidade de criar condições para que os advogados possam adaptar-se com tranquilidade e segurança ao chamado processo eletrônico.
Sua implantação definitiva no Fórum Cível Central de São Paulo (maior Fórum da América Latina), no que concerne às novas ações a ser distribuídas, se dará no próximo dia 1º de fevereiro. A associação oferecerá treinamento, assistência e apoio técnico a todos aqueles que ainda não se sentem confortáveis com essa nova forma de trabalhar.
Além disso, a Aasp continuará a combater, com veemência, iniciativas que acredita serem prejudiciais não apenas à classe dos advogados, mas a todos os cidadãos, como a redução do horário de atendimento nos Fóruns do Estado ou a imposição de restrições ao exercício do direito à ampla defesa, como o entendimento recentemente adotado pelo Supremo Tribunal Federal de não admitir a impetração de pedidos de habeas corpus que tenham como objetivo substituir o recurso ordinário constitucional.
Pode parecer tentador, por exemplo, limitar o uso do "remédio heroico", quando se tem em mente algum caso específico e de grande repercussão, em que um mero investigado é retratado como alguém que já foi julgado e condenado, mas é preciso lembrar que a regra vale para todos -e qualquer um pode se ver, eventualmente, submetido a um constrangimento ilegal.
Enfim, é esse o compromisso da Associação dos Advogados de São Paulo, ao celebrar seus 70 anos: continuar trabalhando, diuturnamente, em prol de seus associados, da advocacia em geral e, por conseguinte, de toda a sociedade.
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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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