Marcelo Yuka lança livro com músicas,
poesias e frases, além do documentário No caminho das setas, de Daniela
Broitman, e ainda prepara exposição com desenhos de grande porte
Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 25/02/2013
O livro Astronautas daqui (Editora Leya), que o músico (ex-líder d’ O
Rappa) e pensador Marcelo Yuka lança amanhã, em Belo Horizonte, faz
parte de projeto mais amplo. Além da obra, que reúne poesias feitas nos
últimos dois anos, será lançado o documentário No caminho das setas,
dirigido pela cineasta Daniela Broitman. Até o meio do ano, duas outras
novidades deverão surpreender os admiradores do artista: um novo disco,
ainda sem nome, inspirado em ritmos afrobrasileiros e suas vertentes
possíveis, e uma série de desenhos de grande porte, que marca a estreia
de Yuka no universo das artes visuais.
São quatro grandes
capítulos no livro. “Poesia anti completa” é a parte na qual ele reúne
uma coleção de frases. “São criações mais antigas, recheios de gavetas,
frases soltas que estavam guardadas nas quais eu não conseguia mexer
mais. Se bastavam e tinham vida própria”, conta. “Canções pra depois do
ódio” traz as poesias escritas nos últimos dois anos. Em “Ócio“ – nome
de uma banda imaginária e engraçada – , ele expõe toda a revolta
roqueira. Para o capítulo “Por final” ficaram reservadas as letras de
músicas, seu universo mais conhecido, em que a voz autoral reverbera com
a do público.
A possibilidade de se lançar como poeta, para
além do universo das canções, surgiu por acaso. Yuka foi convencido por
Anna Dantes, responsável pelo projeto editorial e gráfico. No meio
musical, já era conhecido como poeta. Mas, segundo ele, baixou certa
estranheza um dias desses, quando ouviu alguém o chamando de escritor.
Internamente, a busca pela poesia existia. “Era uma procura minha.
Vários amigos me incentivaram, o Wally Salomão, o Paulo Lins, mas a
música me defendia dessa exposição. Quando fui para o papel não teve
jeito, ou se diz a verdade ou é melhor não fazer. A entrega tem que ser
muito honesta”, frisa.
O impulso que o move a escrever é a
necessidade de “colocar os bichos para fora”. “Se quiser realizar algo
sincero, isso custa caro. É assim comigo. Tive que revirar várias coisas
para escrever e doeu muito. São assuntos até hoje difíceis de voltar a
folhear, como quando falo da solidão, de uma grande lesão ou de amores.”
A opção por reunir as letras das músicas ao fim do livro foi por causa
da repercussão delas nas escolas. “Fico feliz em saber que o trabalho
artístico tem se desdobrado em algo educativo”, diz.
Perfume barato
Marcelo
Yuka aceitou protagonizar o documentário autobiográfico na tentativa de
contribuir para a aprovação dos estudos de células-tronco no Brasil. No
meio do processo, como o governo liberou as pesquisas, sua motivação
acabou. Ele pensou em desistir. “Existe uma construção no senso comum do
herói clássico envolto numa tragédia. Sou esse personagem, mas não me
interessa divulgar o estereótipo.” A banalização de biografias no país
também o incomodou. “Qualquer um hoje de 40 e poucos anos já se sente
excitado a ser tema de biografia. Não tenho interesse nesse perfume de
Big brother que está aí. Não fui eu quem motivou um filme sobre mim.
Mas, se não fosse a Daniela, outra pessoa acabaria fazendo.” Só por isso
ele aceitou.
O documentário Marcelo Yuka – No caminho das setas,
propõe imersão na última década da vida do músico, compositor e
ativista, desde que, aos 34 anos, no auge do sucesso como compositor,
baterista e líder da banda O Rappa, foi atingido por nove tiros num
assalto e ficou tetraplégico. O filme revela a sua transformação física e
emocional. Mostra a versão correta do acidente indo além dos fatos
narrados na imprensa, mas, a maior parte da produção se atém ao
cotidiano de Yuka, sobretudo a condição de pensador social e político.
Durante 95 minutos, são expostos seus medos e ideologias, além de cenas
de bastidores da banda O Rappa, ensaios e gravações do grupo F.UR.T.O –
formado pelo artista depois do acidente – e ainda imagens domésticas. Há
também a participação dos músicos d’O Rappa (Marcelo Falcão, Xandão,
Lauro Farias e Marcelo Lobato) e de BNegão.
Vida real
Yuka
não viu o filme no cinema. Nem pretende. Assistiu a uma cópia em casa,
cercado por amigos, e confessa que foi difícil. “Não é meu recorte. É o
filme da Daniela e o recorte dela sobre mim. É como ela me vê.” No
documentário, vencedor do prêmio de Melhor Montagem no Festival do Rio
2011, a cineasta quis mostrar o personagem como é na vida real “A
intenção foi fazer um filme sobre o anti-herói. Um cara como qualquer
outro, que tem chamamentos, dúvidas e relações complexas com a família, a
namorada e o próprio corpo.” O aspecto múltiplo da atuação dele é
espelhado no filme. “Hoje, dou mais entrevista sobre segurança pública
do que sobre meu trabalho artístico”, conta ele, que se tornou espécie
de cronista do assunto. Sua vivência política também chama a atenção.
A
candidatura a vice-prefeito do Rio, pelo PSOL, na última eleição, na
chapa do candidato Freixo, foi uma experiência marcante. “Só aceitei
porque acreditava no Freixo como prefeito.” Mesmo afirmando que “valeu a
pena”, ele não deseja repetir a dose. “Não quero ter que conviver num
meio muito ruim ou permanecer rodeado por pessoas nas quais não confio.
Prefiro contribuir para movimentos sociais, como venho fazendo desde os
16 anos.” Apesar de afirmar que não pretende ocupar nenhum cargo desse
tipo, Yuka se sente feliz com a repercussão da campanha. “Tivemos 30% de
votos numa eleição polarizada e com o candidato que nos derrotou com a
máquina administrativa a favor dele.” Isso não foi suficiente para
ofuscar seu discurso. Ele conta que, na reta final, num dia complicado,
depois de um temporal no Rio, se emocionou quando subiu num palco
improvisado na Lapa e falou, no escuro (houve queda de energia), para 15
mil pessoas.
Pensamento
A motivação
atual de Yuka vai além da política. No processo de criação do novo CD,
iniciado há cinco anos, ele se aproximou ainda mais das artes plásticas.
O assunto o envolve há muito tempo, pois o pai dele, Djalma Viana, é
pintor. Quando começou a procurar uma possível capa para o disco, ele
encontrou na internet a obra dos grafiteiros argentinos do grupo
Triângulo Dourado. “Fiquei apaixonado.” Isso o motivou a transformar seu
pensamento em desenhos (que ilustram o livro) e também em quadros de
grandes dimensões. “Faço à mão, influenciado pela xilogravura e quero
imprimir enormes, de 4m x 2m, em preto e branco. Faço um desenho
contínuo, sem parar. Se errar, errei, não paro.” Ficou curioso? Yuka
avisa que no show de lançamento do disco as imagens devem fazer parte do
cenário.
Vem aí
A motivação do novo
disco foi o samba. Marcelo Yuka fez a primeira música, deu para Seu
Jorge interpretar, mas achou que poderia ir por outros caminhos.
“Depois, foi virando um disco de música eletrônica. Agora, minha maior
influência tem sido o afrobrasileiro, o tambor, que misturo com
sintetizadores. Fiz um disco afro e suas vertentes possíveis, com forte
influência de Tim Maia, Jorge Ben e do Caetano, principalmente do disco
Transa. Vou lançar no meio do ano”, anuncia.
Sempre Um Papo
Bate-papo
com Marcelo Yuka no lançamento do livro Astronautas daqui (Editora
Leya, 336 páginas, R$ 45,90). Participação da diretora Daniela Broitman.
Amanhã, às 20h, no Teatro Oi Futuro Klauss Vianna, Avenida Afonso Pena,
4.001, Mangabeiras. Na ocasião, haverá exibição de cenas do filme No
caminho das setas. Informações: (31) 3261-1501 e
www.sempreumpapo.com.br. O documentário terá pré-estreia na
quarta-feira, às 19h15, no Cine 104, Praça Rui Barbosa, 104, Centro.
Depois da sessão, haverá debate com a diretora. O filme entra em cartaz
na sexta-feira. Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (meia). Informações:
www.centoequatro.org
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