Proteínas do intestino delgado podem cair na corrente sanguínea, atingir outros órgãos e digeri-los, provocando a septicemia
Paloma Oliveto
Estado de Minas: 25/02/2013
Uma situação
paradoxal, mas muito comum: o doente é internado para tratar uma doença e
acaba morrendo em decorrência de uma infecção generalizada adquirida no
hospital. Por ano, são 220 mil óbitos no Brasil; no mundo, estima-se
que aconteçam 50 mortes anuais a cada 100 mil pessoas. Até agora, a
única forma de contornar a septicemia é o uso de antibióticos de amplo
espectro, estratégia que não consegue minimizar o problema, detectado
principalmente em unidades de terapia intensiva. Um estudo publicado na
revista Science Translational Medicine mostrou, porém, que a solução
pode estar muito próxima.
Em 2008, o bioengenheiro Geert W.
Schmid-Schönbein ganhou o Landis Award, um dos mais importantes prêmios
da área, por descobrir um mecanismo chamado autodigestão. O cientista
constatou que por trás da infecção que leva à falência de órgãos há um
processo que envolve enzimas digestivas. Bloquear a ação dessas
proteínas é a chave para reverter o choque séptico, que acontece quando
um patógeno entra na corrente sanguínea e começa a danificar os tecidos
até que eles parem de funcionar. Agora, em um estudo com ratos,
Schmid-Schönbein conseguiu mostrar que quando as enzimas são inibidas a
chance de sobrevivência pode chegar a 100%.
No indivíduo
saudável, as enzimas digestivas ficam dentro do intestino delgado, que é
protegido por uma mucosa. Algumas podem escapar e ultrapassar essa
barreira, mas a quantidade é tão pequena que não causa problemas.
Contudo, por motivos tão diversos, como hemorragias, machucados
profundos, cirurgia aberta ou toxinas provocadas por bactérias —
situações comuns em um hospital —, a mucosa é totalmente rompida,
abrindo o caminho da parede intestinal às enzimas. Chegando lá, elas
começam o processo de autodigestão, ou seja, passam a digerir os
tecidos. Do intestino, as enzimas entram na corrente sanguínea,
alcançando outros órgãos, onde o mecanismo se repete.
De acordo
com Schmid-Schönbein, que é chefe do Departamento de Microcirculação da
Universidade da Califórnia, em San Diego, qualquer paciente está sujeito
à autodigestão, ainda que não tenha sido internado por problemas no
aparelho digestivo. “Uma infecção pulmonar, por exemplo, pode lançar
mediadores inflamatórios, como endotoxinas, que chegam ao intestino pela
corrente sanguínea. Como consequência, o intestino desenvolve sinais
inflamatórios, um dos quais é o aumento da permeabilidade. Se isso
acontece, as enzimas não ficam mais compartimentadas e escapam para a
parede intestinal, onde começam a autodigestão”, explica.
Como
os tratamentos usados para tentar frear a septicemia se baseiam em
antibióticos, os remédios não conseguem conter a falência de órgãos.
Mesmo que existam bactérias envolvidas, não são elas que desencadeiam o
processo, e sim as enzimas digestivas. “Atualmente, pacientes em choque
séptico que não morrem na hora não necessariamente vivem por muito
tempo”, conta Erik Kistler, anestesista da Universidade da Califórnia
que já trabalhou com Schmid-Schönbein em outras pesquisas sobre
autodigestão. “Além da sobrevida baixa, elas são alvo constante de
comorbidades”, diz
Recuperação rápida
Em estudos anteriores, Schmid-Schönbein descreveu o mecanismo da
autodigestão e mostrou que a inflamação poderia ser reduzida com a
inibição das enzimas digestivas. “Agora, a diferença é que relatamos o
aumento na taxa da sobrevivência”, diz o pesquisador. No laboratório,
ele desenvolveu modelos de ratos com choque séptico provocado por três
situações: hemorragia, peritonite e presença de endotoxinas. Foram
aplicadas no intestino dos animais substâncias que bloquearam a ação das
enzimas digestivas.
Depois de 12 semanas, apenas 25% dos ratos
que não tiveram o tratamento sobreviveram. Em compensação, entre os que
receberam os bloqueadores, a taxa de sobrevivência foi de 83%. Uma outra
substância inibidora, o ácido tranexâmico, foi ainda mais promissora.
Todos os ratos tratados se recuperaram, contra 20% do grupo de controle.
“Pela primeira vez, um estudo indica especificamente que é possível
parar a autodigestão ao bloquear as enzimas digestivas em animais com
choque induzido. Vimos menos danos nos órgãos, recuperação mais rápida e
uma redução substancial na mortalidade”, observa Frank DeLano, coautor
do artigo publicado na Science Translational Medicine. “Isso aconteceu
em diferentes modelos de choque e também com diferentes inibidores. Essa
é uma evidência importante para se levar em conta quando forem
avaliadas propostas de estudos clínicos”, completa Schmid-Schönbein.
Na
realidade, já está em curso a fase 2 de um estudo feito com 200
pacientes internados na UTI do VA San Diego Healthcare System, um
hospital para veteranos do Exército americano. O protocolo é baseado no
conceito da autodigestão e pretende avaliar a eficácia de um equipamento
que leva até o intestino um inibidor enzimático.
A ideia é
reduzir a morbidade de pacientes que sofrem de septicemia, choque
séptico, hemorragia gastrointestinal e complicações pós-operatórias.
Quando a pesquisa terminar, os participantes serão acompanhados por seis
meses. Nenhum resultado preliminar, contudo, foi divulgado. “Os
cientistas ainda não têm informações porque esse estudo é duplo-cego:
enquanto é feito, nem os pesquisadores nem os pacientes sabem quem está
recebendo o tratamento e quem está apenas com o placebo”, conta
Schmid-Schönbein.
Comprovada a eficácia do broto de feijão
Paloma Oliveto
Publicação: 25/02/2013 04:00
Um tradicional
ingrediente da culinária e da medicina chinesa, o broto de feijão (Vigna
radiata) também pode proteger contra a septicemia. Em um estudo
publicado na revista Evidence-based Complementary and Alternative
Medicine, cientistas do Instituto de Pesquisa Médica The Feinstein, de
Nova York, constataram que a planta, usada na China desde 1050 d.C. para
combater febre e desintoxicar o organismo, é capaz de inibir a produção
de endotoxinas lançadas pela proteína HMGB1, que entra em ação durante
processos inflamatórios. “Neutralizá-la protege contra a inflamação
persistente e constante que resulta em danos aos tecidos e órgãos”,
disse, em nota, Haichao Wang, principal autor do estudo.
De
acordo com Wang, sabe-se que a HMBG1 media o processo inflamatório. “A
inflamação é necessária para manter a boa saúde; sem inflamação,
ferimentos e infecções nunca iriam sarar. Mas quando ela se torna
constante, pode afetar tecidos e órgãos, levando a doenças como a
septicemia. O resultado é que os órgãos, incluindo fígado, coração,
pulmões, rins e cérebro, ficam danificados e, se esses danos forem
excessivos, podem ser irreversíveis”, observa o médico. “Por isso,
agentes terapêuticos capazes de inibir o lançamento da proteína podem
ser um tratamento em potencial para doenças inflamatórias sistêmicas e
letais.”
No estudo, os pesquisadores prepararam um extrato de
broto de feijão e aplicaram oralmente em ratos nos quais o processo de
choque séptico havia sido induzido. Exames mostraram que a planta
reduziu os níveis das endotoxinas liberadas pela proteína HMGB1. A taxa
de sobrevivência dos animais que beberam o composto foi de 70%, contra
20% registrados entre as cobaias do grupo de controle, que não receberam
tratamento. Os cientistas também cultivaram células no disco Petri e
testaram a capacidade inibitória do broto de feijão. Segundo eles, além
da substâncias tóxicas resultantes da HMGB1, a planta conseguiu evitar o
lançamento de diversas outras citocinas.
“Muitas ervas
medicinais tradicionais têm sido transformadas em tratamentos efetivos
para várias moléstias inflamatórias e, agora, validamos o potencial
terapêutico de outro produto medicinal, o extrato de broto de feijão”,
disse Wang. “Demonstrar que o extrato da planta tem um efeito positivo
sobre ratos com septicemia indica que ele pode ser eficaz também no
tratamento de humanos. Obviamente, estudos adicionais são necessários
para provar a segurança e a eficácia do tratamento”, observou.
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